Cineasta e escritor, um incansável arquivista de imagens e vídeos documentando aspetos da sua vida pessoal como do que o mundo pusesse a rodar à sua volta, Jonas Mekas não quebrava o jogo absorvente que lhe era distribuído reduzindo a fórmulas simples ou a narrativas os filmes que realizava. Considerado um dos máximos expoentes do cinema experimental, o cineasta lituano e norte-americano morreu ontem, aos 96 anos. A sala de cinema Anthology Film Archives, que Mekas ajudou a fundar em 1970, avançava a notícia nas redes sociais, adiantando que “Jonas morreu calmamente e em paz hoje de manhã cedo. Estava em casa com a família”.
Nascido em 1922, num pequeno povoado na Lituânia, foi alvo da perseguição dos nazis e acabou por ser levado, juntamente com o irmão, para um campo de trabalhos forçados na Alemanha. Tendo andado pela Europa e enchido os olhos da devastação provocada pela guerra, acabou por virar costas ao Velho Continente. Em 1949 chegou a Nova Iorque e mergulhou no underground, tornando–se um cronista das “décadas prodigiosas” daquela cidade, nos anos 1950, 60 e 70. Ao longo de seis décadas, e tendo continuado a trabalhar de forma regular e lúcida até há alguns anos, Mekas tornou-se uma figura de proa entre a geração, que então despontava, de cineastas independentes e experimentais na cena artística nova-iorquina. Partindo das suas memórias, desenvolveu um ponto de vista peculiaríssimo, elaborando uma obra fundamental em que fica patente a paixão serena com que buscava prender as imagens numa constante reelaboração de nexos, colhendo no dia-a-dia impressões e imagens, matéria que fazia dos seus filmes janelas que se soltavam dos gonzos e iam rasgando a perspetiva de forma insaciável.
A sua dimensão artística não passa apenas pela criação mas pelo envolvimento com outros criadores, tendo desempenhado um trabalho decisivo como crítico e impulsionado o cinema de vanguarda. Mekas foi um dos fundadores da revista “Film Culture”, onde deu destaque a cineastas cujo trabalho, por estar à margem de todas as convenções, era simplesmente desdenhado, e fundou a Filmmakers’ Cooperative e, mais tarde, a Anthology Film Archives. Sempre de câmara na mão, o seu contributo passa também pelo testemunho que deixa das colaborações com nomes como Andy Warhol, Allen Ginsberg, Yoko Ono e John Lennon, e tantas das suas fitas celebram o ensejo daquela geração de produzir uma arte em confronto com o desejo de conformidade.
Na sua obra cinematográfica destacam–se filmes como “Walden” (1969), “Scenes from the Life of Andy Warhol” (1990), “Scenes from the Life of George Maciunas” (1992), “As I was Moving Ahead I saw Brief Glimpses of Beauty” (2000), também com quase cinco horas, ou a obra biográfica de sete horas “Lithuania and the Collapse of the USSR” (2008). Mekas deixou ainda obra literária, em prosa e poesia.