Quarenta e oito horas depois dos confrontos entre polícias e moradores do bairro da Jamaica, no Seixal, o país acordou ontem com aparentes sinais de retaliação – uma esquadra foi atingida por cocktails molotov, em Setúbal, e vários carros e caixotes foram incendiados em outros pontos da Grande Lisboa. De Luanda vinha também o aviso de que o caso, que envolveu um cidadão angolano, não tinha passado ao lado da Cidade Alta – onde se concentra o poder político daquele país. E não passou. Ainda que não se tenha confirmado a notícia avançada pela Rádio Nacional de Angola (RNA), que dava conta do envio de uma nota de protesto, o i sabe que o caso é do conhecimento do executivo liderado por João Lourenço e que está a ser acompanhado pelos serviços consulares daquele país em Lisboa. O governo angolano terá considerado que neste caso bastava a atenção dada pelo consulado de Angola junto das autoridades portuguesas.
Depois de algumas horas de silêncio sobre a possibilidade de estar a caminho uma reação formal de Luanda, o ministro dos Negócios Estrangeiros acabou por reagir, a partir de Bruxelas, à hora de almoço.
“Confirmo que não houve protesto formal apresentado pelas autoridades angolanas junto do Estado português, portanto através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, posso confirmar que não houve, falando como estou a falar, às 13:17, hora de Bruxelas, 12:17 hora de Portugal”, disse Augusto Santos Silva à Lusa à margem de um encontro ministerial da União Europeia com a União Africana.
Como tudo começou Hortênsio Coxi é o angolano que foi detido pela PSP por, segundo as autoridades, ter apedrejado um dos polícias chamados ao Bairro da Jamaica para pôr fim a um desentendimento entre várias mulheres.
“Na abordagem policial para perceber as circunstâncias da ocorrência e na identificação dos indivíduos envolvidos registaram-se algumas reações contra a intervenção policial por parte de indivíduos residentes naquele bairro, que arremessaram pedras em direção do efetivo policial, tendo causado ferimentos na boca de um dos polícias, o qual teve necessidade de receber tratamento hospitalar”, referiu a PSP em comunicado logo no domingo.
A polícia disse ainda que, na sequência da intervenção, Coxi reagiu de forma violenta e tentou impedir a sua detenção. No final, o balanço das imagens a que já todos os portugueses assistiram foi: três feridos, dois deles polícias.
Logo após a divulgação nas redes sociais de um vídeo por parte de uma moradora, o diretor nacional da PSP determinou a instauração de um processo de inquérito que correrá os seus trâmites na Inspeção Nacional da Polícia de Segurança Pública, dando conta de que isso não prejudica “outras averiguações que venham a ser instauradas por outras entidades competentes”.
Como é o caso do inquérito entretanto aberto pelo Ministério Público: “Os acontecimentos deste fim de semana no Bairro da Jamaica deram origem a um inquérito, o qual é dirigido pelo Ministério Público do Seixal. No âmbito desse processo serão investigados todos os factos que cheguem ao conhecimento do Ministério Público, incluindo os relacionados com a atuação policial”.
Ainda de acordo com a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, “decorrem, neste momento, diligências de recolha de prova”.
Quanto ao homem detido pela PSP, foi solto pouco depois, tendo sido aplicada a medida de coação menos gravosa – Termo de Identidade e Residência.
Coxi, que negou desde o primeiro instante qualquer tentativa de agressão, já reagiu aos motivos da sua detenção, dizendo que o único agredido foi ele, afirmando mesmo ter sido vítima de agressões quando chegou à esquadra.
Após um protesto de moradores do bairro da Jamaica no centro de Lisboa que acabou com a PSP a disparar balas de borracha e a fazer quatro detenções – justificando a ação com a ocorrência de novos apedrejamentos -, foram registados na madrugada de ontem diversos atos de vandalismo em Odivelas e Póvoa de Santo Adrião e foram “destruídos 11 caixotes do lixo e danificadas, nesta sequência, cinco viaturas, na zona circundante ao Bairro da Cidade Nova”, com recurso a cocktails molotov. Mais tarde, “na Bela Vista, Setúbal, foram lançados três cocktails molotov contra a esquadra da PSP”, segundo nota oficial.
Numa primeira análise, a PSP afastou a possibilidade de estes casos estarem relacionados com a manifestação no centro de Lisboa.