1. Foi um episódio (Monte)negro. Afinal, Luís Montenegro desafiou Rui Rio para avançar para eleições diretas no PSD apenas para “marcar terreno”. Para mostrar que tem um direito de preferência convencional-partidário para conquistar a liderança do PPD/PSD após o ciclo de Rui Rio, evitando que outros se coloquem em melhor posição nos meses que nos separam das eleições legislativas. Ora, esta estratégia de Luís Montenegro é absolutamente incompreensível – e, ao invés de fortalecer a sua imagem política, apenas a feriu de morte. Com um gesto mediático, para entreter jornais e televisões e dar um sinal à sua futura (eventual) base eleitoral interna, Luís Montenegro delapidou todo o capital político que havia amealhado enquanto líder parlamentar do partido numa fase muito delicada da história do país. Porque, se Luís Montenegro pretendesse mesmo disputar a liderança do PPD/PSD contra Rui Rio, no presente momento, teria de assumir uma postura de coragem e verticalidade: perante a derrota no conselho nacional. Luís Montenegro não poderia ter proferido o discurso de vitória e quase congratulação pelo resultado do conselho nacional… que lhe tinha sido desfavorável!
2. Pelo contrário: Montenegro – acaso o seu ultimato a Rui Rio fosse sério – deveria ter manifestado a sua discordância com a deliberação do conselho nacional (sem prejuízo de respeitar a vontade aí expressa); reiterado a sua visão de que a clarificação política interna do partido passaria pela convocação de eleições diretas, dando voz ao universo alargado dos militantes do PPD/PSD; e, finalmente, ter avançado para a fixação de um elenco de propostas de inflexão estratégica que Rui Rio deveria seguir no combate ao governo burlão e desonesto de António Costa. No fundo, tratar-se-ia de demarcar claramente a estratégia que Rio Rio segue daquela que Luís Montenegro seguiria: em outubro, face ao sucesso ou insucesso do atual líder social- -democrata, Montenegro apareceria como a personalidade com mais capital político dentro do partido e mesmo no país: ora porque, no cenário de vitória de Rui Rio nas legislativas, teria imprimido uma nova dinâmica interna conducente a um realinhamento estratégico que permitira denunciar a incompetência do governo socialista à la António Costa, dando razão às preocupações substanciais que o próprio Montenegro já vinha assinalando há muito tempo; ora porque, na hipótese de derrota de Rui Rio nas legislativas, Luís Montenegro seria o sucessor natural, com um peso político claramente superior face a outros putativos candidatos à liderança do PPD/PSD, porque havia definido uma estratégia alternativa (sem medo nem hesitações táticas) àquela que conduzira o partido à derrota contra o governo que faz da desonestidade tarimba permanente de atuação. Em qualquer dos cenários, Luís Montenegro ganharia, convertendo-se numa figura política de primeiro plano: finalmente, converter-se-ia no Luís Montenegro futuro líder do PPD/PSD, deixando a sua imagem de Luís Montenegro eterna voz de Pedro Passos Coelho no parlamento.
3. Contudo, nada disto sucedeu. Luís Montenegro fez exatamente o contrário: entrou de leão e saiu de cordeiro. Entrou a exigir diretas, proferindo um discurso que parecia de tomada de posse como primeiro-ministro; saiu a congratular-se pela derrota-vitória ou pela vitória-derrota. De facto, o discurso de Luís Montenegro no dia seguinte ao conselho nacional é risível – parecia o PCP a analisar o resultado das eleições na sua tremenda arte de converter derrotas sucessivas e permanentes em vitórias sucessivas e (ainda mais) permanentes. Os apoiantes de Rui Rio entenderam o desafio de Montenegro como uma manobra de desestabilização; os apoiantes de Montenegro – muito exaltantes no início – saíram frustrados e incrédulos com a sua reação final; os portugueses em geral (que não percebem nada, nem se interessam, de estatutos do PSD ou de composição de órgãos partidários) percecionaram o que aconteceu como uma vitória esmagadora de Rui Rio contra as manobras infantis de “meia dúzia de traquinas” que estão sedentos de poder. E, pese embora esta perceção popular seja extremamente injusta para Luís Montenegro e as suas reais aspirações, a verdade é que o social–democrata de Espinho se pôs a jeito. Resultado: Luís Montenegro passou de sucessor natural de Rui Rio para um derrotado, um político ziguezagueante, impulsivo, que não apaixona nem mobiliza. Que nem sequer foi capaz de mobilizar militantes para o seu discurso no Centro Cultural de Belém…
4. Por último – e essa é a suprema ironia da história –, Rui Rio ainda vai agradecer a Luís Montenegro. Porquê? Porque esta estratégia desastrada de Montenegro poderá garantir a chegada de Rui Rio ao Palácio de São Bento, mais cedo ou mais tarde (em outubro ou nas legislativas seguintes). Porquê? Porque ficou demonstrado que o PSD, apesar das críticas, continua a apoiar o seu líder; segundo, ficou provado que Luís Montenegro não se impôs como líder carismático, mobilizador de seguidores, como alguém que os militantes acreditam que terá capacidades para ser primeiro- -ministro; terceiro, dissiparam-se as dúvidas sobre a alternativa a Rui Rio na liderança do PSD: neste momento, ela não existe, porque não há ninguém com carisma, peso político e pensamento estruturado que a corporize. Ora, se não há hoje, não é crível que haja daqui a nove, dez meses… Pelo contrário, o que sabemos é que há uma monumental divisão por candidatos a candidatos (desde Pedro Duarte a Pedro Rodrigues, passando por Miguel Morgado, Miguel Pinto Luz e Paulo Rangel) que não entusiasmam. Que não são líderes naturais nem o aparentam ser. Ora, se Rui Rio obtiver um resultado satisfatório contra António Costa (e, face à conjuntura, basta não perder por muitos), o atual líder do PPD/PSD tem condições para prosseguir à frente do partido, aguentar mais dois anos até que António Costa inicie a sua campanha para Belém… e tornar-se primeiro-ministro.
5. Em suma: Luís Montenegro, ao revelar publicamente as fragilidades e as insuficiências das alternativas no PPD/PSD, acabou por fazer o frete de uma vida a Rui Rio: em vez de o fragilizar, reforçou–o; em vez de o tornar um líder a prazo, tornou-o um líder mais estável e potencialmente de longo prazo (ou, pelo menos, com um prazo superior ao que se pensava…). Isto até parece que foi combinado entre Rio e Montenegro…
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Escreve à terça-feira