Em Portugal, a comunidade académica e científica está agora a dar os primeiros passos no estudo dos microplásticos e dos impactos que têm no ambiente. O i fez várias pesquisas em revistas científicas e contam-se pelos dedos os estudos nacionais que se debruçam sobre a temática. Ao i, os autores de dois deles confirmam que esta é uma temática que vão continuar a estudar, porque há ainda muito para compreender.
Publicado em janeiro na revista Marine Pollution Bulletin, o estudo “Plastic ingestion in aquatic birds in Portugal” (em português, “Ingestão de plástico em aves aquáticas em Portugal”) mostra que o flagelo dos microplásticos não é apenas uma realidade estrangeira: pelo contrário, já está a afetar, e muito, a vida selvagem em território português.
Ao i, a investigadora Marta Basto, que desenvolveu a pesquisa durante o mestrado em Biologia Marinha na Universidade do Algarve, faz a apresentação: “Este é um tipo de estudo utilizado para monitorizar o plástico que existe nos oceanos, rios e lagos. Não havia estudos que incluíssem todo o Portugal continental”. Marta Basto decidiu então colmatar essa falha e, em estreita colaboração com vários centros de todo o país, como o LxCras – que cederam as aves para estudo, reunidas pelos vários centros entre 2007 e 2017 – analisou o conteúdo do estômago de 288 aves de um total de 16 espécies. De acordo com o estudo, “todas as aves usadas nesta investigação foram encontradas isoladas, devido a lesões, doença ou exaustão. Estavam mortas quando foram admitidas nos centros ou morreram naturalmente durante a estadia”.
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A análise revelou que das 288 aves recolhidas, 37 – pertencentes a seis das 16 espécies em estudo – tinham resíduos de plástico no estômago. Além disso, foram encontrados vários tipos de plástico, mas o mais comum foi o microplástico. “Isso indica que as partículas mais pequenas de plástico estão mais biodisponíveis e têm mais hipóteses de serem acidentalmente ou seletivamente ingeridas que os resíduos maiores”, conclui a investigadora.
“As nossas aves estão a ingerir plástico em grande número. Muitas vezes confundem com alimento. Não estava muito à espera deste resultado, porque se olharmos do ponto de vista de um cidadão comum, quando vamos à praia, por exemplo, não vemos grandes quantidades de plástico, mas os resultados mostram que ele existe”, lamenta Marta Basto.
A par das aves aquáticas, também através do estudo dos peixes é possível medir a quantidade dos microplásticos nas águas. Esse foi, de resto, o objeto de estudo da investigação portuguesa publicada em dezembro na revista Science of the Total Environment. Em “Microplastic contamination in an urban estuary: Abundance and distribution of microplastics and fish larvae in the Douro estuary” (“Contaminação por microplástico num estuário urbano: abundância e distribuição de microplásticos e larvas de peixe no estuário do Douro”, em português), conta ao i a investigadora Sandra Ramos do CIIMAR – Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto, “o objetivo inicial era estudar as comunidades de larvas de peixe – a primeira fase de desenvolvimento do ciclo de vida dos peixes – que existem no estuário do rio Douro. Depois, decidimos comparar a abundância das larvas com os microplásticos existentes”.
Entre dezembro de 2016 e dezembro de 2017, a equipa recolheu então amostras no rio todos os meses. “No laboratório, separámos as larvas de peixe para as contarmos – contabilizámos um total de 1498 – e identificámos as espécies. O resto da amostra sofreu vários tratamentos laboratoriais para ficarmos só com as partículas de plástico – os microplásticos, partículas com tamanho inferior a cinco milímetros – e ficámos com um total de 2152 partículas”, recorda ao i a investigadora.
A partir daí, foi possível chegar logo a uma conclusão. “A dimensão dos microplásticos é muito próxima da das larvas de peixe, e aqueles que têm dimensões inferiores às das larvas acabam por se assemelhar ao zooplancton, que é o alimento das larvas de peixe”, diz Sandra Ramos. Mas confundirão as larvas os microplásticos com o alimento? A investigadora acredita que sim. “O problema é que os plásticos bloqueiam fisicamente canais da larva como o tubo digestivo e o animal morre. O que pode acontecer também é as larvas ficarem com uma falsa sensação de saciedade, porque o estômago fica cheio, o volume aumenta, mas aquilo não é alimento e não tem nutrientes, e então o animal não tem energia, não cresce e acaba por morrer. Seria o mesmo que nós enchermos o estômago de pedras”, exemplifica.
Os microplásticos trazem consigo outro tipo de problemas indiretos: contêm químicos e transportam poluentes que se depositam na sua superfície e prejudicam as espécies aquáticas. Além disso, tapam a luz que entra na coluna de água, diminuindo a incidência de luz que chega aos peixes, explica Sandra Ramos.
Os investigadores dizem-se surpreendidos com a abundância de microplásticos,. “Estavam presentes em todas as amostras que recolhemos na zona entre a foz do rio e perto da barragem, no fim do estuário do rio Douro. Cobrimos a extensão toda e todas as amostras que recolhemos tinham microplásticos. É assustador, principalmente sabendo nós que não era suposto eles estarem ali”, diz ao i Sandra Ramos. De acordo com as contas da equipa, o rácio é de uma larva de peixe para 1,5 microplásticos. “Há sempre mais microplásticos do que larvas de peixe”, lamenta a cientista. Contudo, o estudo revelou outra evidência inesperada: “Verificámos que os microplásticos são mais abundantes quando chove mais e o rio traz mais água de montante e tem maior caudal”. E o que pode isso significar? “Isso aponta no sentido de que as fontes de contaminação são terrestres. Vêm de cima e não do mar”, elucida Sandra Ramos.
Fechado este capítulo, a equipa do CIIMAR já tem planos para estudos futuros. “É uma área muito pouco investigada no país e há muito por fazer. A seguir, queremos tentar descobrir quais poderão ser as potenciais fontes de contaminação, por um lado, e investigar se destas larvas que encontrámos algumas ingeriram microplásticos. Ao longo do estuário, verificámos que os microplásticos também estavam em maior abundância numa zona em específico, entre a Ponte da Arrábida e a Ponte do Freixo. E também queremos tentar perceber isso, porque é que se acumulam mais aí”, conclui a investigadora.