“Tosse”, “dor de garganta”, “dores no corpo”. Por estes dias, nas instalações do centro de contacto do SNS 24 em Lisboa, essas são algumas das expressões que os enfermeiros mais repetem. “Olha, e diz-me uma coisa, também tosses?”, pergunta uma das enfermeiras com voz carinhosa, denunciando a idade de quem está do outro lado. “Passas à mãe, por favor?”, diz de seguida, confirmando as suspeitas de que se trata de uma criança. Noutra secretária, um enfermeiro questiona: “E a sua tosse, tem expetoração?”. À resposta afirmativa, pergunta em retorno: “É esbranquiçada?”.
À primeira vista, a sala em tons de cinzento da linha, que existe desde 2007, poderia ser um qualquer call center, com cada funcionário sentado na sua secretária a atender chamada atrás de chamada e um burburinho de fundo permanente, mas as conversas denunciam que este não é um centro de atendimento vulgar. Numa manhã de segunda-feira de janeiro, no auge do período gripal, são 63 os enfermeiros em linha com utentes que para aqui ligam à procura de respostas para o que sentem. Em condições ‘normais’, o estetoscópio e o termómetro dariam as respostas, mas aqui as ferramentas são os auriculares, o microfone e os algoritmos disponíveis no computador, que encaminham os enfermeiros pelas perguntas a fazer consoante as queixas de quem está do outro lado da linha.
Mas o centro de atendimento é mais pequeno do que se possa imaginar, ocupa apenas uma sala, ampla, dividida em três zonas. A acompanhar a visita, Pedro Simões, o coordenador do centro de contacto da capital – há outro no Porto -, explica ao i que as primeiras duas secções são dedicadas ao serviço clínico, onde uma equipa de enfermeiros atende os telefonemas dos doentes. Já na última, trabalham cerca de 30 pessoas em serviços administrativos: é que através da linha SNS 24 é também possível marcar consultas, tirar dúvidas relacionadas com a Área do Cidadão do Portal do SNS, pedir informações sobre isenção das taxas moderadoras por insuficiência económica, entre outras.
Ana Maria Duarte, de 35 anos, é uma das enfermeiras feitas operadoras daquela manhã. “Trabalho como enfermeira numa urgência hospitalar, sou enfermeira há onze anos e estou há seis aqui”, conta ao i. E como é o trabalho? “É interessante, encaminho doentes que depois acabo por apanhar na urgência. O facto de trabalharmos como enfermeiros em ambiente hospitalar resulta em que consigamos despistar melhor os sintomas ao telefone”, continua. E, apesar de o trabalho destes profissionais seguir obrigatoriamente os algoritmos, o conhecimento e a experiência que ganham “em ambiente hospitalar são indispensáveis”, sublinha Ana Maria Duarte. Não estando cara-a-cara com o doente, os enfermeiros acabam por desenvolver estratégias para prestar um melhor atendimento. “Aquilo que tento fazer é concentrar-me no que sei que são sintomas físicos, confrontando-os com aquilo que a pessoa me refere. Quando a pessoa refere que tem dificuldade respiratória mas fala comigo sem interrupções e sem estar ofegante e sem pieira, eu tenho de tentar chegar a acordo com a pessoa de que não existe efetivamente dificuldade respiratória. ‘Muito bem, sente falta de ar. Mas tem os lábios roxos? Sente que está a fazer um esforço maior na respiração? Observando a ponta dos dedos, as unhas estão arroxeadas? Diga-me o seu nome completo. Vê, conseguiu sem interromper a frase. Portanto, mesmo que tenha a sensação de falta de ar, na realidade tem sim obstrução nasal que lhe causa essa sensação’”, exemplifica ao i.
Para esta enfermeira, o trabalho na linha SNS 24 é especialmente relevante porque “é uma forma de tirar os doentes das urgências, mesmo que nem sempre sigam o aconselhamento dado”. Mas o cargo também tem senãos, e as chamadas sem motivo forte é um deles: “É relativamente frequente, especialmente durante a noite. Quem liga mais são idosos que começam a ficar muito ansiosos por estarem sozinhos. Mas também temos algoritmos dirigidos para a ansiedade e para a depressão, e ainda que não possamos estar muito tempo em linha porque não somos uma linha de apoio, damos aconselhamento e podemos encaminhar para consultas”. Pior do que isso, no entanto, são os telefonemas ofensivos, que se registam na sua maioria no período da noite – mas também para esses casos existe um algoritmo que os enfermeiros podem seguir e que lhes permite terminar a chamada.
“Desafiante” é o adjetivo que Nuno Moreira, 35 anos, usa para qualificar o trabalho na linha SNS 24. Tal como Ana Maria Duarte, trabalha em meio hospitalar e há seis anos que por aqui exerce em simultâneo. “A experiência é desafiante. Não temos o doente à nossa frente e isso não nos permite muitas vezes ter uma avaliação tão concreta, mas temos de desenvolver estratégias para isso que passam por sermos mais específicos e acessíveis em termos de linguagem”, explica ao i. O objetivo, além de ajudar quem está do outro lado da linha, “é demover, nos casos em que não há necessidade, as idas às urgências e aos centros de saúde”. Quanto às chamadas desagradáveis, não tem dificuldade em traçar o diagnóstico. “Acho que o facto de este serviço ser oferecido por telefone acaba por dar abertura às pessoas para terem um tipo de linguagem menos agradável. Isso acontece quando as pessoas não têm no final a resposta que gostariam e acabam por nos agredir verbalmente. Nos casos em que o encaminhamento não se justifica, explicamos que não trabalhamos por uma questão de facilidade mas por assertividade”, conclui.
Mais do que apoio clínico Foi em julho de 2017 que a linha SNS 24 surgiu. No seu ADN figuram dois serviços de saúde anteriores – a linha DóiDói TrimTrim, que era em exclusivo dirigida às crianças, e a linha Saúde 24, que alargou o seu público-alvo a toda a população -, mas, ao contrário das linhas do passado, o 808242424 evoluiu e serve outros propósitos a par do aconselhamento clínico. Essa é, na visão da diretora, Micaela Monteiro, uma mais-valia. “Os utentes podem até marcar consultas”, assinala, especificando que os serviços administrativos funcionam das 8h às 22h todos os dias.
E quantos profissionais prestam serviço clínico na SNS 24, em Lisboa e no Porto? “São na totalidade 800, com formação específica. A necessidade de haver mais ou menos enfermeiros a trabalhar nas escalas varia com as épocas do ano”, explica a médica ao i. É no inverno, claro, que a linha recebe mais chamadas – e este ano, para já, foi em 12 de janeiro que se registaram mais contactos: 6420. “Ao nível da formação, além das competências aprendidas nas escolas de enfermagem, a esmagadora maioria dos enfermeiros que trabalham no SNS 24 tem experiência profissional superior a dez anos e exerce no SNS. Além disso, têm de desenvolver aquilo que chamamos de escuta ativa, perceber o que o utente lhes diz nas entrelinhas e adequar a comunicação a quem liga, que são pessoas com literacias muito dispares”, elucida Micaela Monteiro.
O modelo é replicado a cada chamada: o enfermeiro apoia-se nos algoritmos clínicos, desenvolvidos por peritos da Direção-Geral da Saúde (DGS), numa lista que inclui mais de 50. “São guiões de perguntas que o enfermeiro segue ao longo de uma árvore de decisão, que no fim determina qual é o nível de cuidados que aquela pessoa necessita – auto cuidados, encaminhamento para um centro de saúde ou para as urgências”, especifica a responsável. Uma vantagem do serviço é, na visão de Micaela Monteiro, “o facto de os enfermeiros fazerem chamadas de follow-up às pessoas a quem aconselham auto cuidados”.
Quanto ao horário mais concorrido, é entre as 17h e as 22h, “É compreensível, a essas horas as pessoas chegam a casa e têm disponibilidade. Nessas alturas há 60 ou 70 enfermeiros a atender, mas pode chegar aos cento e tal, se necessário, uma vez que há sempre enfermeiros de sobreaviso”. São as mulheres quem mais liga. Quanto a faixas etárias, há utentes de todas as idades a ligar.
Ainda que continue a haver quem não conheça o serviço, os contactos têm vindo a aumentar, congratula-se a diretora. “No ano passado atendemos mais de um milhão de chamadas, 30% mais do que em 2016. Nesta altura do inverno, com o síndrome gripal e as doenças respiratórias, chegamos a ter diariamente mais de seis mil chamadas”, precisa.