No interior de um apartamento na Avenida Almirante Reis, em frente ao computador, Diogo Rodrigues procura uma nova casa para viver. A começar o ano como interno do ano comum em Medicina, vê também o contrato de arrendamento do T3 – onde viveu durante cinco anos – chegar ao fim. Precisa de uma casa e o mais fácil é mesmo ficar no sofá e procurar na internet, já que as propostas chegam às centenas. Os preços são cada vez mais altos – um apartamento com dois quartos ronda os 900 euros. Mesmo dividindo a casa com outra pessoa, a renda chega quase ao valor do ordenado mínimo nacional. Diogo quer dividir a casa com mais um amigo: “É impossível ficar numa casa sozinho, mesmo um T0 é insustentável para quem começa agora a trabalhar.”
Voltando ao sofá, é aqui que começa a viagem. Diogo e Tiago Ferreira encontram uma casa num site destinado ao aluguer de quartos e apartamentos a estudantes nacionais e estrangeiros. Uma casa incrível, na freguesia de Alvalade, com fotografias dignas de revista e um preço abaixo da média. Perfeito e muito apetecível. “Desconfiámos, mas estávamos tão desesperados que decidimos entrar em contacto com a pessoa”, conta Diogo Rodrigues.
A resposta chegou por email e em inglês, com uma descrição muito plausível da casa: “Tem dois quartos, uma sala, duas casas de banho, uma cozinha e dois lugares de garagem”, começa por dizer a dona do suposto apartamento – tudo por apenas 620 euros. “Comprei este apartamento para a minha filha durante o tempo em que estudou em Portugal, mas agora ela voltou para casa e estou a alugar o apartamento por tempo ilimitado”, lê–se no email. Para tornar a história mais credível, a autora do anúncio pede aos dois jovens mais informações sobre eles. E, de um momento para o outro, deixou de responder. “Ficámos um bocado tristes, porque a casa era incrível e era uma oportunidade fantástica”, diz o jovem médico. Apesar de, na altura, não terem desconfiado de imediato, a PSP alerta para este tipo de crime de burla – que registou um total de 502 queixas só no ano passado e tem vindo a aumentar.
A procura continuou e eis que chega mais uma resposta em inglês. Remetente diferente, história igual. Desta vez, por WhatsApp, a anunciante conta que comprou o apartamento na zona do Campo Pequeno para a filha, que agora regressou ao seu país. Acharam estranho, porque a história era muito parecida, mas decidiram continuar a conversar. A troca de mensagens chegou ao pagamento, talvez a fase mais importante. Aqui, a suposta proprietária enviou um link de um site idêntico ao site de arrendamento Airbnb e pedia para fazerem o pagamento através deste site, mesmo sem visitarem o apartamento. Fazia parte das regras, dizia. “Aí deixámos de falar, mas também nem houve insistência”, refere Diogo. Uma clara tentativa de burla, já que é usado um site igual ao da plataforma de arrendamento Airbnb com o objetivo de ficar com o dinheiro, mesmo antes de o interessado ir ver a casa – no caso de existir mesmo casa. O i verificou as fotografias deste caso – basta fazer uma pesquisa no Google e as mesmas fotografias aparecem em quatro anúncios diferentes, um deles em mandarim.
Cenário a nível nacional As burlas no arrendamento de casas são uma realidade cada vez mais frequente, sobretudo online. Confiar em quem está atrás de um computador é difícil, mas o desespero por uma casa acaba, muitas vezes, por levar ao engano. É no distrito de Lisboa que se registam mais burlas através da internet e o número sobe desde 2016. Segundo dados fornecidos pela PSP ao i, só no ano passado foram registadas 265 queixas em Lisboa – mais 95 do que em 2017.
“O Departamento de Investigação Criminal da Polícia de Segurança Pública tem acompanhado e coordenado a ação (…) sobre autores de burlas praticadas através de várias plataformas digitais”, diz fonte da PSP. O maior número de casos centra-se nos anúncios de casas de férias, “sobretudo em zonas balneares do litoral e sul do país, mas também certo arrendamento local”.
No Porto, o cenário não é tão assustador, mas ainda se registaram 72 casos em 2018. Faro e Setúbal surgem logo a seguir na lista com 47 e 40 casos, respetivamente. Curiosamente, a história de Francisca Alves é idêntica à descrita pelos dois amigos de Lisboa. Francisca encontrou trabalho na cidade do Porto e começou a procurar uma casa para morar. “Queria uma casa só para mim, então tentei procurar pelo preço mais baixo”, conta a jovem de 26 anos. Encontrou um apartamento no Bonfim, mas a conversa era também em inglês, “soava a falso” e terminava como é habitual em caso de burla: pagamento de quase dois mil euros através de uma plataforma muito parecida com a do Airbnb. “Desconfiei logo e nem respondi mais”, diz Francisca que, depois disso, preferiu procurar uma imobiliária.
Foi também na zona do Porto, e já este ano, que a PSP deteve uma pessoa “que já estava a ser objeto de especial atenção (…) com uma investigação centralizada em Setúbal”, segundo fonte da PSP. “Quer em 2017 quer em 2018, a Polícia de Segurança Pública identificou 57 autores” de crimes de burla, acrescenta.
Quanto às queixas, apesar de o número de casos aumentar visivelmente de ano para ano, a verdade é que algumas pessoas optam por não denunciar as situações. Tanto Diogo como Francisca não apresentaram queixa “porque ninguém nos roubou, no fundo”, diz Diogo. A PSP alerta para estas situações e deixa alguns conselhos: “Solicite cópia de contratos de fornecimento de eletricidade, luz e gás, conferindo os dados de identificação e endereço indicado”, além de pesquisar “os dados do imóvel na internet, pois poderá haver referências a burlas anteriores, especialmente em fóruns ou blogues temáticos.” Por fim, é sempre de desconfiar “dos anúncios em que os preços são claramente abaixo do valor de mercado, ainda que tal preço tenha por base, alegadamente, um motivo válido (saída repentina do país, mudança de habitação, nascimento de filhos, etc.)”, avisa a PSP.
A jovem que começa agora a sua vida no Porto já tem casa e Diogo, em Lisboa, optou por uma solução tradicional e acabou mesmo por encontrar um anúncio num pedaço de cartão dentro de um supermercado. “Vamos ver se temos sorte, o desespero é tanto que até fui procurar ao supermercado e encontrei”, diz.