Chegou 2019, com um travo amargo a fim de festa na Europa.
A extrema-direita fascizante – muito nacionalista nas palavras mas pouco patriótica nos atos – afirma-se todos os dias em diversos países, mesmo naqueles, como a Itália e a Espanha, em que, dados os traumas da História, nada o deveria fazer prever.
No Reino Unido assiste-se, entretanto, a um Brexit tumultuoso e pouco precavido.
A Dinamarca decidiu sair do sistema de justiça europeu e não se sabe também que caminho vai seguir a Irlanda.
Noutros países europeus, a separação dos poderes e o Estado de direito são frontalmente postos em causa.
A insatisfação popular manifesta-se um pouco por todo o lado e, em França, de forma já frontal e iniludível.
As perspetivas para as eleições europeias serão, portanto, influenciadas por tais acontecimentos e ninguém pode garantir que delas possa advir algo de melhor.
Como em outras situações de crise, disserta-se abundantemente nos média sobre as supostas causas desse mal-estar e procuram-se quase sempre para ele justificações escapistas que estrategicamente se empolam: o medo e o ódio aos refugiados e estrangeiros e o terrorismo, e as pulsões nacionalistas que eles geram.
Alguma da desmedida exploração noticiosa de tais fenómenos contribui frequentemente, também, para a sua promoção e alargamento.
Com isso, voluntária ou involuntariamente se vai escamoteando, afinal, a crescente perceção que os povos vão revelando da atual política europeia: a de que é ela que causa a mais funda das desigualdades, internas e externas.
A crise política – e, na circunstância, não apenas a económica – aproxima-se, assim, a passos largos.
E, desta vez, ao contrário do que muitos anseiam e sempre prognosticavam, revelando que os povos querem efetivamente uma alternativa política para o governo das sociedades nacionais e da Europa: uma política que, acima de tudo, contrarie o crescimento de tais desigualdades e permita uma vida digna para todos.
É aí, de facto, que reside o problema e a possível solução.
Nenhuma sociedade resiste ao anúncio sistemático – cruel e simultaneamente hipócrita – de que não há, não pode haver um futuro para os seus filhos pelo menos tão auspicioso como fora o dos pais.
Uma sociedade a quem se anunciam todos os dias apenas cortes e limitação de direitos – muitos chamam-lhes, raivosamente, regalias – ou se deixa morrer, suicidando-se apaticamente, ou se revolta, como aconteceu em França.
Quando a evidência das coisas aflora, os cidadãos são capazes, mesmo sem lideranças – ou apesar delas -, de compreender as causas reais dos seus males.
Pedro Sánchez, num momento de aguda lucidez e sinceridade – instantes raros em políticos atuais -, disse-o frontalmente: “Um país rico não pode ter trabalhadores pobres.”
Ora é precisamente aí que bate o ponto.
É que por pobres não devem entender–se hoje apenas os que não têm rendimento e os muito mal remunerados – sendo esse aspeto iniludível e dramático -, mas também todos quantos, trabalhando e podendo ainda sobreviver, se sentem, apesar disso, incapazes de dar a seus filhos uma vida digna: uma vida compatível com as condições que a civilização atual pode, justamente, proporcionar a todos.
E a isso todos são sensíveis: trabalhadores do setor público ou privado, pessoas mais conservadoras ou progressistas.
Um país é, afinal, o seu povo.
Colocar a questão da dignidade do trabalho – e, portanto, da vida da maioria – no âmago da política dos países europeus e da Europa deve ser, pois, a prioridade de todos os democratas responsáveis pelos governos nacionais e da UE.
Não se trata apenas de uma questão sindical, como alguns pretendem: é uma questão de projeto civilizacional e de humanidade.
Escreve à terça-feira