2019: grandes ameaças, grandes esperanças


Sem colocar em questão um retrocesso de cem anos nas condições de vida dos seres humanos do planeta (que muito progrediram graças ao petróleo), o que é possível fazer para reduzir a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera?


Stephen Hawking não foi um cientista lutando durante décadas contra a prisão de uma mente brilhante, a sua, por corpo progressivamente disfuncional, e não é por isso que deve ficar conhecido. Stephen Hawking foi simplesmente um grande cientista e pensador que deu contributos de enorme relevo para o progresso da ciência e do conhecimento humano. Hawking deixou-nos no ano que agora terminou, depois de uma vida longa e profícua, e vale a pena recordar aquela que terá sido uma das suas últimas palestras, nas BBC’s annual Reith Lectures de 2016. Aí, Hawking deixou-nos uma espécie de legado da sua vida como investigador e cientista – numa palestra brilhante designada, em tradução livre, por “os buracos negros não são tão negros como os pintam”, que pode ser consultada em https://www.bbc.co.uk/programmes/b06qrkn9/episodes/guide – e algumas reflexões pessoais sobre o modo como via o futuro da humanidade.

De acordo com Hawking, a sobrevivência da humanidade, enquanto espécie habitante do planeta Terra, dependerá da sua capacidade de controlar as quatro grandes ameaças que atualmente enfrenta. Essas ameaças têm a particularidade de, por um lado, terem sido todas elas criadas pela própria humanidade e, por outro lado, terem surgido todas nos últimos cem anos.As quatro grandes ameaças, segundo Hawking, são, a saber, uma guerra nuclear generalizada, a criação genética de um vírus mortal que se escape do laboratório, a inteligência artificial e o aquecimento global. 

Sobre a primeira e segunda ameaças, elas quase que falam por si próprias: uma guerra nuclear generalizada ou uma epidemia viral causada por um organismo desconhecido, criado em laboratório, poderiam devastar a humanidade em poucos dias ou semanas. Confiemos que quem tem o poder de criar e acionar essas armas tenha também a sabedoria para jamais o fazer.

Sobre a inteligência artificial, a discussão é mais complexa, sobretudo porque a situação ainda não é premente (sê-lo–á, contudo, nos próximos anos). As formas primitivas de inteligência artificial, que hoje já possuímos, têm vindo a provar a sua importância e utilidade (quem não gosta que o telemóvel lhe recomende o percurso mais rápido para chegar a casa sem apanhar trânsito?), mas Hawking temia as consequências de se criar algo não humano que pudesse evoluir sozinho em termos de inteligência, refazendo o próprio projeto inicial a uma velocidade que seria necessariamente superior à dos humanos, limitados pela sua lenta evolução biológica. Tal acontecimento poderia colocar em causa a própria humanidade, por a tornar obsoleta ou desalinhada com o projeto das máquinas inteligentes por si criadas.

Sobre o aquecimento global, a questão é já, neste momento, absolutamente incontornável e 2019 será um ano de extrema importância uma vez que antecede o início da implementação do Acordo de Paris sobre alterações climáticas (https://www.consilium.europa.eu/pt/policies/climate-change/timeline/). A questão do aquecimento global começou há cerca de cem anos e explica-se de modo relativamente simples. A combustão do carbono, reação deste elemento com o oxigénio que designamos por o fogo ou a queima, liberta energia e dióxido de carbono para a atmosfera. Desde o período neolítico que o Homem aprendeu a controlar o fogo e a dele retirar a energia que precisava para melhorar as suas condições de vida. Basicamente, o Homem queimava madeira e, dessa queima, retirava o calor de que precisava. O dióxido de carbono produzido pela queima da madeira era absorvido pelas árvores e vegetais que, eventualmente, quando queimados libertavam de novo o dióxido de carbono. Havia assim um ciclo de dióxido de carbono mais ou menos constante no planeta Terra. Contudo, há cerca de cem anos, o Homem passou a utilizar não só o carbono disponível na superfície do planeta para produzir energia como também a desenterrar carbono massivamente do subsolo para o fazer (o petróleo, carvão e combustíveis fósseis em geral). Ao fazê-lo, aumentou a quantidade de energia disponível no planeta, melhorando significativamente a qualidade de vida das populações. Mas, ao desenterrar carbono que estava no subsolo na forma sólida líquida ou gasosa, aumentou também, ano após ano, a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera. Acontece que o dióxido de carbono é um dos gases responsáveis pela retenção de calor na atmosfera e pelo aumento da temperatura média do planeta, o chamado efeito de estufa. 

Sem colocar em questão um retrocesso de cem anos nas condições de vida dos seres humanos do planeta (que muito progrediram graças ao petróleo), o que é possível fazer para reduzir a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera? A resposta a esta pergunta é um dos maiores desafios que a humanidade terá nos próximos anos. As alterações climáticas causadas pelo facto de, nos últimos cem anos, termos desenterrado enormes quantidades de carbono que pusemos na atmosfera, na forma de dióxido de carbono, estão aí e são uma realidade. Teremos de trabalhar para inverter este caminho e fazê-lo não será fácil. Sobretudo porque teremos de evitar, ou minimizar, os impactos que tal inversão poderá ter no nosso nível de desenvolvimento. 

Uma vez que o progresso da humanidade é não só irreversível como inexorável, é importante que todos estejamos conscientes dos desafios que os nossos avanços científicos e tecnológicos representam, não nos esquecendo que é no próprio conhecimento científico e tecnológico, e no debate público tranquilo e esclarecido, que reside a solução destes e de muitos outros problemas. Como disse Stephen Hawking: “Sou um otimista. Acho que a humanidade conseguirá resolver os seus problemas!” E esperemos, pois, que 2019 seja um ano importante no sentido de se encontrarem soluções para os grandes desafios da humanidade.

 

Professor de Engenharia de Materiais do Instituto Superior Técnico

2019: grandes ameaças, grandes esperanças


Sem colocar em questão um retrocesso de cem anos nas condições de vida dos seres humanos do planeta (que muito progrediram graças ao petróleo), o que é possível fazer para reduzir a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera?


Stephen Hawking não foi um cientista lutando durante décadas contra a prisão de uma mente brilhante, a sua, por corpo progressivamente disfuncional, e não é por isso que deve ficar conhecido. Stephen Hawking foi simplesmente um grande cientista e pensador que deu contributos de enorme relevo para o progresso da ciência e do conhecimento humano. Hawking deixou-nos no ano que agora terminou, depois de uma vida longa e profícua, e vale a pena recordar aquela que terá sido uma das suas últimas palestras, nas BBC’s annual Reith Lectures de 2016. Aí, Hawking deixou-nos uma espécie de legado da sua vida como investigador e cientista – numa palestra brilhante designada, em tradução livre, por “os buracos negros não são tão negros como os pintam”, que pode ser consultada em https://www.bbc.co.uk/programmes/b06qrkn9/episodes/guide – e algumas reflexões pessoais sobre o modo como via o futuro da humanidade.

De acordo com Hawking, a sobrevivência da humanidade, enquanto espécie habitante do planeta Terra, dependerá da sua capacidade de controlar as quatro grandes ameaças que atualmente enfrenta. Essas ameaças têm a particularidade de, por um lado, terem sido todas elas criadas pela própria humanidade e, por outro lado, terem surgido todas nos últimos cem anos.As quatro grandes ameaças, segundo Hawking, são, a saber, uma guerra nuclear generalizada, a criação genética de um vírus mortal que se escape do laboratório, a inteligência artificial e o aquecimento global. 

Sobre a primeira e segunda ameaças, elas quase que falam por si próprias: uma guerra nuclear generalizada ou uma epidemia viral causada por um organismo desconhecido, criado em laboratório, poderiam devastar a humanidade em poucos dias ou semanas. Confiemos que quem tem o poder de criar e acionar essas armas tenha também a sabedoria para jamais o fazer.

Sobre a inteligência artificial, a discussão é mais complexa, sobretudo porque a situação ainda não é premente (sê-lo–á, contudo, nos próximos anos). As formas primitivas de inteligência artificial, que hoje já possuímos, têm vindo a provar a sua importância e utilidade (quem não gosta que o telemóvel lhe recomende o percurso mais rápido para chegar a casa sem apanhar trânsito?), mas Hawking temia as consequências de se criar algo não humano que pudesse evoluir sozinho em termos de inteligência, refazendo o próprio projeto inicial a uma velocidade que seria necessariamente superior à dos humanos, limitados pela sua lenta evolução biológica. Tal acontecimento poderia colocar em causa a própria humanidade, por a tornar obsoleta ou desalinhada com o projeto das máquinas inteligentes por si criadas.

Sobre o aquecimento global, a questão é já, neste momento, absolutamente incontornável e 2019 será um ano de extrema importância uma vez que antecede o início da implementação do Acordo de Paris sobre alterações climáticas (https://www.consilium.europa.eu/pt/policies/climate-change/timeline/). A questão do aquecimento global começou há cerca de cem anos e explica-se de modo relativamente simples. A combustão do carbono, reação deste elemento com o oxigénio que designamos por o fogo ou a queima, liberta energia e dióxido de carbono para a atmosfera. Desde o período neolítico que o Homem aprendeu a controlar o fogo e a dele retirar a energia que precisava para melhorar as suas condições de vida. Basicamente, o Homem queimava madeira e, dessa queima, retirava o calor de que precisava. O dióxido de carbono produzido pela queima da madeira era absorvido pelas árvores e vegetais que, eventualmente, quando queimados libertavam de novo o dióxido de carbono. Havia assim um ciclo de dióxido de carbono mais ou menos constante no planeta Terra. Contudo, há cerca de cem anos, o Homem passou a utilizar não só o carbono disponível na superfície do planeta para produzir energia como também a desenterrar carbono massivamente do subsolo para o fazer (o petróleo, carvão e combustíveis fósseis em geral). Ao fazê-lo, aumentou a quantidade de energia disponível no planeta, melhorando significativamente a qualidade de vida das populações. Mas, ao desenterrar carbono que estava no subsolo na forma sólida líquida ou gasosa, aumentou também, ano após ano, a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera. Acontece que o dióxido de carbono é um dos gases responsáveis pela retenção de calor na atmosfera e pelo aumento da temperatura média do planeta, o chamado efeito de estufa. 

Sem colocar em questão um retrocesso de cem anos nas condições de vida dos seres humanos do planeta (que muito progrediram graças ao petróleo), o que é possível fazer para reduzir a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera? A resposta a esta pergunta é um dos maiores desafios que a humanidade terá nos próximos anos. As alterações climáticas causadas pelo facto de, nos últimos cem anos, termos desenterrado enormes quantidades de carbono que pusemos na atmosfera, na forma de dióxido de carbono, estão aí e são uma realidade. Teremos de trabalhar para inverter este caminho e fazê-lo não será fácil. Sobretudo porque teremos de evitar, ou minimizar, os impactos que tal inversão poderá ter no nosso nível de desenvolvimento. 

Uma vez que o progresso da humanidade é não só irreversível como inexorável, é importante que todos estejamos conscientes dos desafios que os nossos avanços científicos e tecnológicos representam, não nos esquecendo que é no próprio conhecimento científico e tecnológico, e no debate público tranquilo e esclarecido, que reside a solução destes e de muitos outros problemas. Como disse Stephen Hawking: “Sou um otimista. Acho que a humanidade conseguirá resolver os seus problemas!” E esperemos, pois, que 2019 seja um ano importante no sentido de se encontrarem soluções para os grandes desafios da humanidade.

 

Professor de Engenharia de Materiais do Instituto Superior Técnico