Confrontado com o renovar do movimento dos coletes amarelos nas ruas francesas, o presidente francês, Emmanuel Macron, divulgou uma carta da sua autoria a apelar aos cidadãos que apresentem ideias e sugestões para políticas futuras, deixando, ainda assim, bem patente que o governo não irá recuar nas políticas já implementadas ou promessas eleitorais. O documento foi publicado hoje em vários jornais franceses.
"Nenhum questão está proibida", escreveu Macron. "Não vamos concordar em tudo e isso é normal, é a democracia. Mas pelo menos mostraremos que somos um povo que não receia falar, trocar ideias e o debate. E talvez descobriremos que concordamos, apesar das nossas diferentes persuasões, mais vezes do que pensamos".
Na carta, Macron diz que as propostas que receber serão a base para um "novo contrato para a nação", influenciando as políticas públicas e a posição francesa nos vários temas europeus e mundiais. "É assim que pretendo, convosco, transformar a raiva em soluções", pode ler-se na carta do chefe de Estado.
O governo francês confronta-se, há mais de dois meses, com fortes protestos nas ruas e estradas francesas, convocados e organizados pelo movimento dos coletes amarelos. No entanto, e correndo o risco de enfurecer os cidadãos em vez de apaziguar a raiva social, Macron não deixou de alertar para o risco das expetativas demasiado elevadas relativamente à sua iniciativa, afirmando que aceita querem-se impostos "justos e mais eficientes" mas que a redução fiscal não poderá ser alcançada sem mais cortes no investimento público, isto é, serviços públicos.
Os coletes amarelos começaram como um movimento contra o aumento dos impostos aos combustíveis, mas rapidamente evoluíram para uma contestação generalizada contra Macron, apelidado pelo movimento como "presidente-banqueiro" e "presidente dos ricos". O movimento começou em novembro e desde essa altura que todos os sábados milhares de pessoas saiem, vestidas com o colete amarelo refletor, para as ruas francesas, principalmente para a capital parisiensa, para protestar. Os confrontos com a polícia tornaram-se comuns e esta, por sua vez, reprimiu os manifestantes com gás lacrimogéneo e canhões de água.
Este sábado, pelo nono sábado consecutivo, cerca de oito mil coletes amarelos marcharam pelas ruas de Paris, com as autoridades a destacarem cinco mil agentes para a capital. No total, foram mobilizados 80 mil agentes para todo o país para fazerem face a um total de 84 mil manifestantes.
A polícia deteve, em todo o país, 244 pessoas. E, segundo o ministro do Interior francês, Christophe Castaner, alguns jornalistas chegaram a ser atacados por alguns manifestantes. Os coletes amarelos vêem a imprensa francesa como estando ao serviço de Macron, acusando-a de propagar mentiras e de transmitir uma imagem do movimento como sendo violento e sem sentido.
No documento hoje divulgado Macron também tem uma palavra a dizer aos coletes amarelos: não aceitará "nenhuma forma de violência", como "pressões e insultos" contra "representantes eleitos, jornalistas, instituições do Estado e funcionários públicos". "Se todos forem agressivos com os restantes, a sociedade vai desmoronar-se", escreveu o chefe de Estado.
A gestão de crise de Macron tem-se revelado por vezes bastante contraproducente, atiçando ainda mais os ânimos dos manifestantes. Num primeiro momento ignorou o que se passava nas ruas, recusando fazer qualquer declaração pública, e apostando nas forças policiais para lidar com a situação, mas, depois, com o movimento a ganhar cada vez mais força, viu-se obrigado a fazer algumas cedências (aumento salário mínimo, abertura de diálogo nacional, entre outras) avisando pelo meio que não toleraria violência.
A popularidade do chefe de Estado atingiu, nestes últimos dois meses, o nível mais baixo de sempre – 2'0% – desde que chegou ao Palácio do Eliseu, há 18 meses. O movimento dos coletes amarelos contava no início dos protestos com um amplo apoio na sociedade francesa, mas este veio-se a reduzir com os crescentes atos de violência, difundidos por muitos meios de comunicação social franceses e internacionais.
O movimento perdeu força por algumas semanas – por causa do Natal e do Ano Novo -, mas logo no primeiro fim-de-semana de 2019 mostrou mobilização redobrada depois de o chefe de Estado ter dito, no seu discurso de Ano Novo, ser impossível "trabalhar menos, ganhar mais, cortar impostos e aumentar a despesa" e caraterizado o movimento como "multidão odiosa" que é a "negação da França". Macron atiçou os ânimos e as ruas encheram-se mais uma vez de manifestantes, ainda que em número menor que no pico das manifestações, quando mais de 230 mil pessoas estiveram nas ruas.
Na semana passada, Macron voltou a apostar, num primeiro momento, no fortalecimento das sanções a quem cometer delitos nas manifestações e as convocar sem declarar às autoridades e, agora, volta a apostar na via do diálogo, ainda que sem dar respostas às principais exigências do movimento, e a prometer mão dura a quem praticar atos violentos.