Estado laico?


É imperfeito? É, sem dúvida! Cria desigualdades, assimetrias e descontentamento em muitas franjas das sociedades. Mas nenhum outro sistema demonstrou ser mais estável, justo e agregador


Temos de recuar até 1648 para percebermos onde tudo começou. O início de um novo sistema internacional, em que o Estado passou a ser soberano e representante de uma nação. Nasce o conceito de Estado-nação, instituído pela Paz de Vestefália.

Por outras palavras, ele trouxe o equilíbrio e a paz a uma Europa assolada por quase um século de guerras e consagrou três princípios básicos que, até hoje, configuram vários documentos fundamentais da humanidade: soberania, territorialidade e não intervenção (ou ingerência, num léxico mais atual).

Em 1789, a Revolução Francesa abriu portas à laicização do Estado. Trouxe o fim do conceito do absolutismo monárquico e a consagração da liberdade, igualdade e fraternidade. Foi o berço da era moderna da nossa civilização, dando origem à multiplicidade do pensamento político e ao aparecimento de repúblicas e democracias liberais por todo o mundo.

Seguiram-se séculos de afinação do sistema político mundial. Poder-se-á dizer com avanços e recuos, balizados por pensamentos totalitários e revolucionários, liberais e fundamentalistas. Contudo, se pelo caminho foi o Estado laico e democrático que maior número de países agregou, então, este foi o sistema menos imperfeito que o homem criou, e por isso se consolidou.

É imperfeito? É, sem dúvida! Cria desigualdades, assimetrias e descontentamento em muitas franjas das sociedades. Mas nenhum outro sistema demonstrou ser mais estável, justo e agregador. Mas é precisamente esta oscilação, capacidade de mutação e liberdade de expressão que o torna mais justo. Porque permite a contestação e o aparecimento de outras perspetivas ideológicas, concordemos com elas ou não.

O que me parece é que estamos num ponto crítico da história da humanidade. Em termo de valores, ideais e compromisso social. Governantes e governados têm de olhar para os factos e repensar a forma como devemos refazer o contrato social. Um novo contrato que nos permita viver livremente, com direito de opinião e sentido crítico, mas, sobretudo, não nos afaste das nossas responsabilidades.

Guardei para esta altura este artigo, que estava na forja desde a eleição de Trump, mas que foi agora, depois da tomada de posse de Bolsonaro, que o burilei.

Sou socialista, de cariz social-democrata, liberal, republicano e, acima de tudo, laico. Respeito a liberdade de expressão e aceito todas as posições ideológicas e religiosas. Posso não concordar com elas, mas não é negando-lhes a existência que devemos combatê-las.

Tanto nos EUA (a maior democracia dos países mais desenvolvidos) como agora no Brasil (a maior potência democrática dos BRIC) foi dado um grande peso a uma componente do Estado moderno que inverte o que os nossos antepassados conseguiram nos séculos xvii e xviii: a omnipresença da religião que anula o conceito de Estado laico.

Centrando-me mais no caso do Brasil, tenho até alguma dificuldade em definir a matriz ideológica que coloca o Brasil acima de tudo e Deus acima de todos. Será uma espécie de nacionalismo evangélico?

Pouco importa. O que importa são os factos que invertem o rumo da História e nos colocam na casa de partida da história das ideologias políticas.

O povo assim decidiu e, deste modo, legitimou este governo de cariz profundamente religioso. Contudo, terá sido em consciência ou em forma de protesto contra a onda de corrupção que assolou o Brasil ao longo dos anos?

Pouco me importa se a corrente é católica, protestante, muçulmana, budista ou evangélica. O ponto é um possível, perigoso e invisível processo de anulação da separação de poderes entre o Estado e a Igreja. Essa é a questão fundamental. E a comprová-lo, se houvesse dúvidas com Bolsonaro, está a nomeação da pastora Damares Alves para ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. 

Vejam as suas sessões de culto e a pergunta que fica é: o Estado brasileiro continuará laico?

 

Escreve à quinta-feiratudo e Deus acima de todos


Estado laico?


É imperfeito? É, sem dúvida! Cria desigualdades, assimetrias e descontentamento em muitas franjas das sociedades. Mas nenhum outro sistema demonstrou ser mais estável, justo e agregador


Temos de recuar até 1648 para percebermos onde tudo começou. O início de um novo sistema internacional, em que o Estado passou a ser soberano e representante de uma nação. Nasce o conceito de Estado-nação, instituído pela Paz de Vestefália.

Por outras palavras, ele trouxe o equilíbrio e a paz a uma Europa assolada por quase um século de guerras e consagrou três princípios básicos que, até hoje, configuram vários documentos fundamentais da humanidade: soberania, territorialidade e não intervenção (ou ingerência, num léxico mais atual).

Em 1789, a Revolução Francesa abriu portas à laicização do Estado. Trouxe o fim do conceito do absolutismo monárquico e a consagração da liberdade, igualdade e fraternidade. Foi o berço da era moderna da nossa civilização, dando origem à multiplicidade do pensamento político e ao aparecimento de repúblicas e democracias liberais por todo o mundo.

Seguiram-se séculos de afinação do sistema político mundial. Poder-se-á dizer com avanços e recuos, balizados por pensamentos totalitários e revolucionários, liberais e fundamentalistas. Contudo, se pelo caminho foi o Estado laico e democrático que maior número de países agregou, então, este foi o sistema menos imperfeito que o homem criou, e por isso se consolidou.

É imperfeito? É, sem dúvida! Cria desigualdades, assimetrias e descontentamento em muitas franjas das sociedades. Mas nenhum outro sistema demonstrou ser mais estável, justo e agregador. Mas é precisamente esta oscilação, capacidade de mutação e liberdade de expressão que o torna mais justo. Porque permite a contestação e o aparecimento de outras perspetivas ideológicas, concordemos com elas ou não.

O que me parece é que estamos num ponto crítico da história da humanidade. Em termo de valores, ideais e compromisso social. Governantes e governados têm de olhar para os factos e repensar a forma como devemos refazer o contrato social. Um novo contrato que nos permita viver livremente, com direito de opinião e sentido crítico, mas, sobretudo, não nos afaste das nossas responsabilidades.

Guardei para esta altura este artigo, que estava na forja desde a eleição de Trump, mas que foi agora, depois da tomada de posse de Bolsonaro, que o burilei.

Sou socialista, de cariz social-democrata, liberal, republicano e, acima de tudo, laico. Respeito a liberdade de expressão e aceito todas as posições ideológicas e religiosas. Posso não concordar com elas, mas não é negando-lhes a existência que devemos combatê-las.

Tanto nos EUA (a maior democracia dos países mais desenvolvidos) como agora no Brasil (a maior potência democrática dos BRIC) foi dado um grande peso a uma componente do Estado moderno que inverte o que os nossos antepassados conseguiram nos séculos xvii e xviii: a omnipresença da religião que anula o conceito de Estado laico.

Centrando-me mais no caso do Brasil, tenho até alguma dificuldade em definir a matriz ideológica que coloca o Brasil acima de tudo e Deus acima de todos. Será uma espécie de nacionalismo evangélico?

Pouco importa. O que importa são os factos que invertem o rumo da História e nos colocam na casa de partida da história das ideologias políticas.

O povo assim decidiu e, deste modo, legitimou este governo de cariz profundamente religioso. Contudo, terá sido em consciência ou em forma de protesto contra a onda de corrupção que assolou o Brasil ao longo dos anos?

Pouco me importa se a corrente é católica, protestante, muçulmana, budista ou evangélica. O ponto é um possível, perigoso e invisível processo de anulação da separação de poderes entre o Estado e a Igreja. Essa é a questão fundamental. E a comprová-lo, se houvesse dúvidas com Bolsonaro, está a nomeação da pastora Damares Alves para ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. 

Vejam as suas sessões de culto e a pergunta que fica é: o Estado brasileiro continuará laico?

 

Escreve à quinta-feiratudo e Deus acima de todos