Kevin Spacey.  Afastamento  de “House of Cards”  levou a prejuízo de 34 milhões de euros

Kevin Spacey. Afastamento de “House of Cards” levou a prejuízo de 34 milhões de euros


Foi largo o prejuízo que a saída de Kevin Spacey causou à Netflix mas, fora do ecrã, o ator declarou-se “inocente”. Decorreu ontem a primeira sessão do julgamento em que é acusado dos crimes de agressão sexual e ofensas corporais. Depois de Hollywood ter dado a sua sentença, é agora a vez de a justiça…


São muitos os espetadores que dizem que “House of Cards” não é a mesma sem Kevin Spacey, mas foi com certeza a Netflix quem mais sentiu na pele a retirada do ator que dava vida à personagem de Frank Underwood: a plataforma de streaming perdeu 34 milhões de euros (39 milhões de dólares) com a saída de Spacey. Os números foram divulgados pela Netflix meses depois de ter despedido o ator, devido a alegações que colocavam Spacey no centro de um escândalo de abusos sexuais. Passado o julgamento da indústria – Hollywood não perdoou e o ator não voltou a trabalhar desde o despedimento –, arranca agora o julgamento na sala de audiências, onde o ator terá de se defender da acusação por crimes de agressão sexual e ofensas corporais a um homem de 18 anos.

Alegando que a presença de Spacey no banco dos réus iria intensificar a publicidade negativa gerada em torno do caso e que o ator reside fora do estado onde decorre o julgamento, os advogados requereram que o seu cliente não estivesse presente, mas o juiz rejeitou e, ontem, o ator deslocou-se a um tribunal de Nantucket, no estado de Massachusetts, para a primeira sessão, na qual se declarou inocente.

Mas Spacey não esperou pelo julgamento para se pronunciar quanto às suspeitas que sobre si recaem – nem para afirmar a sua inocência. Fê-lo assim que se soube a data da primeira audiência, de uma maneira especial: num vídeo publicado na sua página do YouTube a 24 de dezembro, recorrendo a um trocadilho – “Let me be Frank”, cuja tradução literal é “Deixem-me ser Frank”, remetendo para a sua personagem em “House of Cards”, mas que pode ser também entendido como “deixem-me ser franco”.

“Alguns estão a morrer para me ouvir declarar que tudo o que dizem é verdade e que tive o que merecia. Não era tão fácil? Se tudo fosse tão simples? Só que eu e vocês sabemos que nunca é assim tão simples, nem na política nem na vida. Mas vocês não acreditariam no pior sem provas, pois não? Não partiriam para julgamentos sem factos, pois não? Fizeram–no? Não, vocês não. São mais inteligentes do que isso”, diz o ator, encarnando a aclamada personagem a que deu vida na série da Netflix – e que, depois de cinco temporadas com Spacey como protagonista, chegou ao fim em novembro, à sexta temporada, protagonizada pela mulher de Frank Underwood, Claire Underwood (Robin Wright).

Mas o que levou exatamente Spacey ao banco dos réus? Tudo terá acontecido em julho de 2016 num restaurante-bar de Nantucket. Um dos empregados do restaurante travou conversa com o ator e, depois de pagar várias bebidas alcoólicas ao rapaz – que disse ao ator que tinha 23 anos, quando na verdade tinha 18 –, Kevin Spacey ter-se-á vangloriado relativamente ao tamanho do pénis, tentando convencer o jovem a ir com ele para casa. Mas, segundo a queixa do jovem à polícia, à qual a cadeia norte- -americana CNN teve acesso, o ator terá ido mais longe: aproveitando-se da alcoolemia do rapaz, começou por lhe colocar a mão na perna, tendo-lhe depois aberto as calças e agarrado no pénis durante perto de três minutos. De acordo com o jovem, o ator terá depois ido à casa de banho, altura em que o rapaz foi para casa.

O incidente foi, em parte, filmado no Snapchat pelo rapaz, que enviou o vídeo à namorada. Mas a gravação não regista caras, facto que aliás foi apontado pelos advogados do ator numa audiência que aconteceu na última semana, antes do arranque do julgamento. Na mesma audiência, o ator avançou, de resto, que iria declarar-se inocente perante as acusações que o levam a julgamento.

Foi apenas um ano depois do alegado episódio que o jovem apresentou queixa à polícia, apesar de ter contado tudo à família. O caso acabou por vir a público mais tarde, pela voz da sua mãe, a outrora apresentadora de televisão Heather Unruh, que decidiu denunciar tudo numa conferência de imprensa.

Este é o caso que leva o ator a tribunal, mas o homem que interpretou vários papéis que ficarão eternizados na história do cinema – como o de Lester Burham em “Beleza Americana”, que lhe valeu o Óscar de Melhor Ator em 2000 – é acusado na praça pública de comportamentos idênticos aos que o queixoso descreve. É o caso do ator Anthony Rapp, que levantou suspeitas em torno de Spacey ao acusá-lo de o ter tentado seduzir quando tinha 14 anos anos. E não foi o único: várias denúncias vieram a público desde aí, encorajadas pelo movimento #MeToo e pelo escândalo que envolveu o produtor Harvey Weinstein.

A história do fim O afastamento de Kevin Spacey da série “House of Cards” foi particularmente dispendioso e apanhou os seguidores da série de surpresa. Tudo começou com a acusação de Anthony Rapp, que mereceu uma reação do ator no mesmo dia. No Twitter, Kevin Spacey pediu desculpa a Rapp, afirmando não se lembrar do caso. Rapp não se pronunciou sobre o pedido de desculpas. Uma semana depois, a Netflix emitiu um comunicado em que anunciava que Kevin Spacey não iria continuar a participar na série se “House of Cards” continuasse. Outra porta se fechou para o ator: o filme “Gore”, também da Netflix, estava perto do lançamento quando a polémica estalou e acabou por ser cancelado, o que contribuiu mais ainda para o prejuízo da plataforma de streaming.

O despedimento – que resultou em horas e horas de trabalho desperdiçadas, uma vez que as gravações que já tinham sido feitas foram descartadas – envolveu a série numa nuvem de incerteza, que acabou por estar suspensa enquanto os produtores procuravam possíveis resoluções. O caminho eleito dividiu opiniões: o argumento foi reescrito e, à sexta – última – temporada, Claire Underwood ocupou o lugar que antes pertencera a Frank Underwood. Mas o fantasma do anterior protagonista estava lá; a escolha não agradou a todos e não faltaram críticas negativas quanto ao resultado final.