Consegue explicar o que é que aconteceu para ter tido o vídeo mais popular no Facebook em 2018?
Não sei, nem eu tinha a noção do número de visualizações e do alcance do vídeo. Criei uma página de Facebook para promover o meu trabalho e distinguir da vida pessoal. Isto por volta de 2012 ou 2013. Nessa altura, ainda não estavam na moda os diretos e estas coisas de agora. Ao longo dos anos, fui sempre alimentando a página, para o meu público. Nos últimos três anos, houve um boom da página. Neste momento, tenho 100.754 gostos. Disto tenho noção porque é mostrado. Em cada atuação, faço alguns diretos. Houve um vídeo que fiz em 2016 para os emigrantes em que tive a noção de ter tido um alcance magnífico. Tenho muitos seguidores de Portugal, mas também de fora. Do mundo inteiro. Há muitos emigrantes a seguir-me. Quando vi a notícia, até pensei que fosse esse vídeo. Fiquei estupefacta porque afinal foi uma festa de verão, um piquenique em Porto Côvo – onde até toquei à tarde e à noite – e não tinha a mínima noção de que tinha tido tanta projeção. Aquilo foi em 2017, portanto ele foi o mais visto ao longo de 2018. Recebo as notificações dos comentários ou de que alguém que põe um gosto, mas numa página com esta dimensão é impossível acompanhar todas as reações. Tenho de fazer sempre um agradecimento geral e tenho pena de não ter o tempo necessário para responder um por um. Foi uma surpresa, porque o vídeo que eu julgava ter mais sucesso está com um milhão de visualizações e este está com quatro milhões. Não fazia ideia.
O vídeo do “Baile de Verão”.
Sim, começa com o “Baile de Verão” do José Malhoa, passa pelo “Pega Fogo”, também dele, e termina com uma marcha de um acordeonista chamado Paulo das Vacas.
E consegue percebe porque é que foi esse vídeo e não outro?
Não, fui ver esse vídeo para ver se tinha alguma coisa de especial. Não pode ser por estar de óculos de sol porque, nos bailes que faço durante a tarde, se estiver sol de frente, uso óculos de sol. Não foi o primeiro, nem será o último. Pela música em si, toco tanta música comercial e conhecida que penso que também não deve ter sido só pelo “Baile de Verão”. Podia ter sido outra qualquer se fosse uma música que mexe com toda a gente, que é impossível não ouvir e não gostar, mas não. Foi uma marcha comercial da música portuguesa. Também não creio que tenha sido por aí. Falo para o público como falo em qualquer vídeo, se calhar até há diretos em que falo mais. Não sei se foi pela paisagem. Numa noite em que faça vários diretos, há sempre uma hora com mais impacto em que talvez as pessoas ainda estejam em casa. Há horários em que as pessoas aderem mais. Se for um domingo à tarde, tenho mais gente a ver-me do que num sábado à noite. Ali não sei, era 1 de Maio, Dia do Trabalhador, e o impacto nem foi no próprio ano.
A sua vida mudou?
A minha vida tem vindo a mudar ao longo dos anos. Agora com este vídeo, mudar, mudar, não mudou. A diferença é que passei a ser contactada pelos jornais e até já fui contactada pela televisão. Isso sim, não era normal. Mas se passei a ter mais trabalho? Não, a minha agenda já está preenchida para este ano e não foi agora. Já toco há 14 anos e isto é um trabalho contínuo. E não se deve só a mim, deve-se a quem me segue e acompanha. Não sou nada sem o público. Trabalho para o público e é o público que me faz crescer e querer mais. Quem fez isto foi o público, eu só fiz um direto.
Vive da música ou tem outra profissão?
Trabalhei até ao fim do ano numa farmácia e vou entrar agora em janeiro noutra área.
A música é ao fim de semana?
É conforme consigo conciliar com os empregos. Também toco durante a semana. Recebo propostas para atuar durante a semana e vou jogando com os horários. Durante a semana, tem de ser à noite. As tardes são mais complicadas. O normal mesmo são as sextas, os sábados e os domingos. No verão sim, há mais trabalho durante a semana. Hoje em dia, já há bailes todos os dias.
Passou a ser reconhecida na rua? Pedem-lhe para tirar fotos?
Isso acontece nos bailes. Nesse aspeto, [o vídeo] não mudou nada. Vivo numa vila pequena (Aljezur) e toda a gente me conhece. Não me vão conhecer mais por isto. E nos bailes que fiz agora, na passagem de ano, é público que já me conhece e que me pede fotos. Ficam contentes, falam no assunto, mas não acho que queiram mais estar comigo agora.
Onde é que costumam ser os bailes?
Toco pelo país inteiro. O normal é até à zona de Mafra e Torres de Vedras. Excecionalmente no norte porque, sendo longe, se torna difícil conciliar. Ir e vir no mesmo dia é complicado. Já tive várias oportunidades de ir ao estrangeiro mas não pude. Infelizmente, não consegui, mas felizmente foi por ter tido muito trabalho cá. Nunca consegui dois ou três dias seguidos que me permitissem sair de Portugal.
Como é que concilia a música e os empregos que tem tido? Usa dias de férias? Apela à boa vontade dos patrões?
Até aqui, tinha um acordo com os meus patrões que me permitia marcar os bailes à vontade e gerir depois os horários de forma a não prejudicar nenhum colega. Como vou mudar de emprego e vou ter um horário de fixo, terei de gerir os bailes em função do emprego. No entanto, nunca foi um problema porque faço bailes desde os 15 anos e, nessa altura, andava na escola. O que acontece é dormir duas ou três horas e depois repor os sonos quando posso. O normal é não descansar.
Porque é se interessou pela música e se dedicou ao acordeão?
Sempre gostei de música desde pequenina. Tenho imensas gravações que o meu pai fez na câmara de vídeo. Tinha um acordeão pequenino, um piano e gostava muito de cantar. A minha mãe gostava muito de bailes e desde muito miúda que a acompanhei. Comecei aos oito anos na Banda Filarmónica dos Bombeiros Voluntários de Alzejur, onde fiz a minha formação musical. Tocava requinta. Aí com dez ou onze anos, quis aprender acordeão. Não foi fácil e desisti. Se calhar, o bichinho ainda não me picava tanto. Desisti e fui para aprender teclado para Lagos. Aí aos treze ou catorze anos, já mais velha, quis voltar a aprender acordeão. Já tinha sido picada por amigos que tocavam nos bailes e foi tudo de repente. Comecei com catorze e aos quinze já estava a fazer bailes.
Gostava dos bailes?
Quando era mais pequenina, gostava de música e de ouvir o acordeão – ouvia muitas cassetes de música portuguesa – mas era muito nova para gostar a sério de bailes. Não tinha uma consciência. Quando entrei para a Banda Filarmónica, como já tinha a música dentro de mim, comecei a olhar de outra forma para os bailes. Aprendi a dançar para ir ao bailarico e, como já tocava teclas, os meus amigos começaram a chamar-me para ir ao palco tocar duas ou três musiquinhas. Ainda nem fazia bailes, nem sequer sabia que ia fazer. Na altura, estava só a aprender. Ficava só muito nervosa e tímida. Pensava sempre: ‘gostava de fazer isto, mas sou tão envergonhada. Será que algum dia vou conseguir?’ E ainda hoje sou acanhada. Se for um sítio onde já tenha ido, e que já conheça o público, não sinto vergonha. Se for a primeira vez, vou a medo. Como se fosse a primeira vez que subo ao palco. Ver muita gente é bom mas penso sempre: tenho de agradar a esta gente toda. E nós sabemos que não conseguimos agradar a gregos e troianos. É complicado.
Quando é que os bailes se tornaram assunto sério?
Quando comecei já sabia o que era fazer um baile e o que era esta vida. Muita gente pode pensar que ser acordeonista é bonito, e é, porque só nos veem no palco a tocar e bem dispostos. Mas para fazermos esta vida temos de ter noção do todo. Por isso, é que me sinto muito contente por isto ter acontecido, para dar a conhecer às pessoas o que é ser acordeonista. Não é só tocar acordeão. Por exemplo, para fazer um baile no Alentejo – onde fui na passagem de ano, a Santo André – é uma hora e um quarto de viagem. Saio de casa às cinco, cinco e meia da tarde. Chego, descarrego o material todo, monto tudo no palco, janto, faço um baile de quatro, cinco ou seis horas com o acordeão às costas. Quando acaba o baile, já toda a gente foi descansada para casa, enquanto nós continuamos ali. Temos de desmontar a aparelhagem toda, voltar a pô-la dentro da carrinha, às vezes comer mais qualquer coisa e beber um cafézinho. E estamos a falar de um baile que acabou por volta das quatro da manhã. Só chego a casa às seis. Tudo isto dá trabalho. É gratificante, mas muito trabalhoso. Só faz isto quem realmente gosta.
Vai sozinha ou anda acompanhada?
Sempre andei acompanhada. Sendo mulher, jamais os meus pais me deixariam andar sozinha. Comecei por andar acompanhada por eles e depois só pela minha mãe. Quando a minha mãe não pode, vai o meu pai. O meu namorado também vai sempre que pode e, neste momento, tenho uma colega que toca acordeão mas ainda não faz bailes que é a Marta. Normalmente, ela também vai. É muito raro não ir com alguém. Só se for num baile à tarde perto de casa.
É um trabalho compensador, do ponto de vista monetário?
Depende. Em algumas situações, sim. Claro que temos noção dos preços, das pessoas que estão e do que a casa nos pode pagar. No meu caso, há toda uma gestão. Há casas que nos ligam uma vez por ano e sabemos que têm condições de pagar. Mas depois há aquelas que nos alimentam o ano inteiro. E nessas se calhar não cobramos um preço exorbitante mas que, pelo menos, compense a deslocação. Há associações ou coletividades que não podem pagar tanto. Nesses casos, ou há um ou dois bailes ali à volta e tenho onde ficar, ou não vou porque não compensa. Há casas que nos querem todos os anos às quais tentamos dar uma oportunidade mas, muitas vezes, o público é o mesmo. Se é compensador? É. Se avaliar estes anos, o meu ganha-pão é a música. Tenho outro trabalho porque não consigo estar quieta. Gosto de trabalhar. E gosto de ver as coisas a longo prazo. Gosto muito de música, hoje estou num patamar bom para mim, gosto disto e hei-de fazer isto até não conseguir mais. Mas não há artista nenhum, acordeonista ou de variedades, que esteja sempre no auge. Hoje estamos cá em cima e amanhã estamos lá em baixo. Sempre planeei a minha vida com algo a que me agarrar caso a música falhasse, porque não é aos quarenta ou cinquenta que vou ter uma alternativa. Sempre quis ter um trabalho paralelo e consegui conjugar isso.
Quanto é que custa contratá-la?
Depende. Tenho de avaliar a distância da viagem, se passo por muitas autoestradas, se consigo poupar nas portagens, o número de quilómetros e quantas horas toco. No fundo, fazer uma média de quanto gasto para saber quanto trago de volta. Não um preço fixo.
Tem um valor mínimo para sair de casa?
Toda a gente gostava de ter um valor mínimo para sair de casa. Há uma zona deslocada da minha casa que insiste em convidar-me. É uma associação de reformados e só podem pagar 125 ou 150 euros. Para ir lá tocar, só 100 gasto em gasóleo. O que é que trago para casa? Agora, se for perto da minha casa e não tiver essa despesa, não digo que não abra a exceção e não faça. Se estas casas um dia crescem, podem um dia dar muito mais. Tem é que se justificar sair de casa. Não foi muito, mas compensou. Agora, só por esta notícia, ou por estar na berra, não posso subir os preços. Por experiência própria, sei que há casas que há uns anos pagavam pouco e agora pagam um valor médio entre 250 e 350 euros aqui perto da casa. Temos que ver por essa prisma. As casas precisam de nós, mas nós também precisamos delas.
Quanto tempo costuma tocar?
A média deve andar nas cinco horas. Por norma, as matinés são das 15h00 às 20h00. Os bailes da noite podem ter quatro, cinco, seis horas. Os bailes de verão são até muito tarde. Há gente que toca até às 6 da manhã. Desde que se justifique, claro. Pergunto sempre mais ou menos de que horas a que horas será. Se vejo que vou tocar para além do normal, peço um bocadinho mais.
É uma prova de resistência.
É. Muito dinheiro investido em massagistas e osteopatas (ri-se). Mas é muito gratificante fazer um baile e as pessoas dizerem no fim que gostaram muito. Sobretudo, quando é a primeira vez que vamos a um sítio. E o ter uma página, fazer um direto e receber carinho de pessoas que não me conhecem pessoalmente, só da Internet, é muito bom.
Gravou dois álbuns. Que influência tiveram na sua carreira?
A solo, sim. Gravei o “Boa Nova” (2010) e o “Algodão Doce” (2014) e um álbum partilhado entre cinco raparigas chamado “Jóias do Sul”. O “Boa Nova” teve um grande impacto. Na altura, o CD estava muito na moda. Tive de fazer várias edições. O “Algodão Doce” também mas já foi diferente. A nível de CD já não foi o mesmo apesar de ter vendido bastante para fora. Daí para cá, não gravei mais por falta de tempo e pelas despesas.