PPP de Braga. Estado recusou pagar tratamentos em 2015, mas agora terá de os assegurar

PPP de Braga. Estado recusou pagar tratamentos em 2015, mas agora terá de os assegurar


Hospital passa em agosto para a esfera pública e será o Estado a assumir encargos. Futura PPP não está descartada e BE fala de contradição


Quando um doente com esclerose múltipla vai buscar a sua medicação a um hospital público, é indicado na caixa o valor de cerca de 700€. Este valor é totalmente comparticipado pelo Estado, ou seja, o doente não tem de pagar o medicamento. 

No entanto, o cenário é diferente no Hospital de Braga, com contrato em regime de Parceria Público-Privada (PPP) com o grupo José de Mello Saúde. Porquê? Em 2015, o Estado cessou o contrato vertical de financiamento, que durou três anos, e que previa o financiamento por parte do Estado dos tratamentos de esclerose múltipla, VIH e hepatite C. 

Adalberto Campos Fernandes, na altura ministro da Saúde, decidiu que o contrato seria encerrado e, a partir de 2015, os tratamentos passaram então a ser assegurados pela PPP do Hospital de Braga – uma cláusula que não consta do contrato inicial feito entre as duas entidades em 2009. Esta cenário já constava do relatório do Tribunal de Contas feito em 2016: “Acresce que, segundo a sociedade gestora, ‘a eventual manutenção da decisão de não renovação dos protocolos de financiamento dos programas verticais [para o tratamento de HIV e Esclerose Múltipla] se traduz na obtenção de rendibilidades negativas [o que] faz com que a eventual extensão do Contrato nas mesmas condições agrave a situação financeira do Hospital’”. 

A Administração Regional de Saúde do Norte (ARSN) e a José de Mello Saúde não chegaram a acordo em relação a esta questão e a PPP está a chegar ao fim – o contrato termina em agosto deste ano – e a José de Mello Saúde, em comunicado, considera que esta é uma “situação insustentável”. Existem agora, inúmeras questões que se colocam, já que a partir de agosto, mesmo com a abertura de novo concurso internacional público -o que significa que no futuro o hospital poderá continuar a ser gerido em PPP – o Estado terá entretanto de assegurar a gestão e todos os tratamentos que estão ainda a encargo da José de Mello Saúde, inclusive os custos com a medicação que estiveram no centro do diferendo com o parceiro privado.

O Estado terá viabilidade financeira para suportar os gastos? Para Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente do Médicos, esta é uma situação preocupante, “porque o Estado tem a responsabilidade, em relação às chamadas doenças catastróficas, de tratar os portugueses da mesma maneira, estejam eles em que instituições estejam”, situação que não se verificou no Hospital de Braga. “O facto de o Estado, incompreensivelmente, não tratar de uma forma especifica e particular os doentes das PPP preocupa-nos, porque em termos financeiros é uma carga que deveria ser o Estado a assegurar e não as parcerias”, diz Roque da Cunha, adiantando que esta questão de financiamento não se coloca no Hospital de Cascais, porque “Cascais não tinha infectologia, nem oncologia”. Em Cascais, o parceiro aceitou as condições para assegurar a gestão por dois anos até ser feito um novo concurso.

Estado não esperou pela decisão do Tribunal Arbitral Na reta final do ano passado, apesar de a ministra da Saúde, Marta Temido, referir “uma indisponibilidade definitiva do parceiro privado para continuar a operar”, o i sabe que a empresa se mostrou disponível para prolongar o contrato durante mais dois anos, desde que fossem esclarecidas as devidas medidas contratuais em relação aos tratamentos da esclerose múltipla, hepatite C e HIV. Sendo que nem a José de Mello Saúde, nem a ARSN chegaram a acordo, há um diferendo a ser decidido em tribunal arbitral por causa dos pagamentos dos referidos tratamentos. O Estado não esperou pela decisão do tribunal para terminar a parceria. Mas se em dezembro o pré-anúncio do fim da PPP mereceu o aplauso dos partidos à esquerda, ontem, a ideia de que acaba a gestão da Mello Saúde mas poderá manter-se o regime de parceria público-privada com outro parceiro – consoante o resultado do futuro concurso público – levou o Bloco de Esquerda a requerer a audição urgente da ministra da Saúde. “Esta é uma péssima decisão por parte do governo e uma subordinação das funções do Estado aos interesses dos privados”, entende o Bloco, falando de uma contradição face ao teor da proposta de Lei de Bases do governo, que aposta em dar primazia ao setor público.

O tema divide as bancadas parlamentares, com a esquerda a considerar a aposta nas PPPs negativa e a direita a destacar o bom desempenho, em particular da experiência em Braga, o maior hospital gerido neste regime. Segundo a auditoria do Tribunal de Contas de 2016, o novo Hospital de Braga em regime de PPP, que substituiu o antigo Hospital de São Marcos, em 2009, aumentou a oferta de cuidados de saúde à população: as consultas externas aumentaram cerca de 99%”. O TdC entendeu que a gestão era eficiente: o custo operacional por doente padrão foi, em 2015, de € 2.158, o mais baixo entre todos os hospitais do SNS”, além de que o financiamento atribuído pelo Estado foi o mais baixo entre os hospitais de gestão pública.