O cenário de constante evolução que o mundo vive deveria ser também sinónimo de segurança. Na hora de comprar carro, a segurança é um dos fatores que mais interessa. A União Europeia, através da Euro NCAP, testa até em laboratório a segurança dos veículos e lança anualmente uma lista dos carros mais seguros em cada país. No entanto, a preocupação com a segurança da estrutura dos carros nem sempre se traduz na redução da sinistralidade rodoviária, pelo menos em Portugal. O ano que terminou há três dias revelou-se negro. Morreram 512 pessoas nas estradas portuguesas – a tendência de aumento verifica-se pelo segundo ano consecutivo. O que se passou em 1996 já é pouco claro na memória, mas é preciso recuar até lá – ou seja, 22 anos – para encontrar um registo tão negativo quanto o de 2018. Foi o última vez que se registaram dois aumentos consecutivos no número de mortos nas estradas – em 1995 subiu para 2085 mortos e em 1996 para 2100.
Os números divulgados contrariam a tendência que se verificava até 2016. Há dois anos, Portugal conseguiu um dos melhores resultados da União Europeia – o número de vítimas mortais diminuiu para 445.
Para o presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa, João Miguel Trigoso, este não é um cenário surpreendente, apontando o dedo à reduzida fiscalização – diz mesmo que o sentimento de impunidade dos condutores parece estar a aumentar. A redução drástica do número de autos levantados é visto como um dos fatores influenciadores, já que os acidentes rodoviários não se centram apenas nas épocas festivas, como Natal, carnaval ou passagem de ano.
Mas este foi também o pior Natal da década – morreram 15 pessoas vítimas de acidentes rodoviários, mais do dobro de 2017.
“Quando vejo que em 2017, ano em que aumentaram o número de mortos, feridos e acidentes com vítimas, houve uma redução superior a 20% do número de autos graves e muito graves levantados e quando vejo que as decisões sobre esses autos baixaram estrondosamente… o problema da sinistralidade não se concentra no Natal, Ano Novo, Páscoa e no Carnaval. Aumentou a impunidade, claro”, referiu o presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa em entrevista à Rádio Renascença. E acrescentou que “as vítimas mortais foram baixando até 2016, mas o número de acidentes com vítimas, os feridos graves e os feridos leves não baixam, desde 2012”: “Nós dizemos várias vezes: atenção, apenas se tem reduzido alguma gravidade dos acidentes, mas o número de acidentes e feridos não baixa”.
Além do sentimento de impunidade, as distrações provocadas pelos telemóveis, o consumo de álcool e o excesso de velocidade são também fatores que potenciam os acidentes nas estradas.
Medidas guardadas
Os planos e estratégias são diversos, mas passar do papel para a ação tem-se revelado um problema. O uso excessivo do telemóvel é uma questão que se alastrou com o avanço da tecnologia e é agora tão problematizado quanto a condução sob o efeito de álcool. Uma das ideias do governo, que diz estar preocupado com o aumento do número de acidentes rodoviários, seria bloquear o sinal dos telemóveis nas estradas. No entanto, esta medida não só não avançou, como apenas resolveria metade do problema, já que grande parte dos automóveis estão equipados com ecrãs.
Na gaveta continua também a hipótese de reduzir a velocidade máxima permitida dentro das localidades, já que é nestas zonas que se registam mais vítimas mortais. Só em 2017 morreram 199 pessoas dentro das localidades, mais 20 do que fora das localidades. O número de feridos graves é também mais elevado: 1010 dentro e 642 fora das localidades. Ainda assim, a proposta do governo para reduzir a velocidade máxima para 30 quilómetros por hora dentro das localidades continua por realizar.
Em matéria de velocidade, o uso de drones e helicópteros como forma de controlo de velocidade nas estradas também já foi admitida pelo governo, mas ainda não foi feito nada neste sentido. Os radares foram o passo dado, já que em 2018 foram instalados mais oito em todo o território nacional. Nas previsões do ano que agora começa está a instalação de mais 50 radares.
Todas estas medidas constam do Plano Estratégico Nacional de Segurança Rodoviária (PENSE 2020), que prevê uma redução de 56% face à mortalidade registada em 2010. “Metas ambiciosas mas exequíveis”, lê-se no documento oficial do PENSE 2020, divulgado após a reunião da Comissão Interministerial para a Segurança Rodoviária.
O que fazer no futuro para corrigir o passado?
João Miguel Trigoso defende que as medidas a ser implementadas passam pela promoção de campanhas que sensibilizem condutores e peões a alterar os seus comportamentos e também por fazer uma fiscalização mais eficaz, garantindo assim que as punições são suficientes para convencer os portugueses de que é necessário cumprir a lei.