Havia por estes dias a circular no YouTube uma campanha cubana denominada #Ni1+, que é como quem diz em linguagem de redes sociais “nem mais um ano de ditadura na ilha de Cuba”. Os ativistas desafiavam os cubanos a vestir-se de negro ontem, dia em que se assinalaram os 60 anos da revolução, e hoje. A ideia era que o preto da indumentária servisse como “sinal de protesto pelo aniversário do regime” que começou a 1 de janeiro de 1959, quando o ditador Fulgencio Batista fugiu de Cuba, depois da vitória triunfante dos combatentes da Sierra Maestra.
O movimento não parece ter conseguido atrair muitas pessoas, apesar de em mais de cinco minutos mostrar um rol de gente vestida de negro que levanta o dedo e exclama “nem mais um”, a maioria jovens. O vídeo, publicado no dia 26 de dezembro, tinha apenas 1810 visualizações nas vésperas do aniversário.
A revolução cubana entra na terceira etapa da sua existência, com 60 anos de vida e sem um dos irmãos Castro ao leme, depois de em abril Raúl Castro ter entregue a presidência a Miguel Díaz-Canel, que não só não é um Castro como ainda por cima já nasceu depois da revolução. Ainda para mais um país com as maleitas da terceira idade bem visíveis – para onde vai um país com poucos recursos, de produção industrial e agrícola obsoleta e sem grandes amigos externos (agora que os amigos venezuelanos sofrem também eles de problemas económicos)?
“O legado histórico da revolução cubana parece muito desgastado, tanto desde o ponto de vista político como económico”, afirma Jorge Duany, diretor do Instituto de Investigações Cubanas da Universidade Internacional da Florida, à AFP. Mesmo assim a nova Constituição, que será referendada a 24 de fevereiro, omitindo a cláusula sobre o objetivo de construir uma “sociedade comunista”, “ratifica o caráter socialista da revolução e o papel reitor do partido”.
Como explica Yoani Sánchez, na entrevista que dá ao i nas páginas seguintes, o referendo de 24 de fevereiro será uma grande ocasião para aferir do estado da revolução cubana. Se hoje prevalece a ideia de que o texto magno será aprovado, aos opositores, dentro e fora da Ilha, resta-lhes a esperança de saber se os cubanos aproveitarão “a única oportunidade que lhes foi dada em muitos anos” para expressar publicamente se estão ou não de acordo com o modelo vigente e se é o socialismo o que realmente querem.
O último referendo que se realizou em Cuba foi em fevereiro de 1976. Passados 43 anos, a maioria dos que irão exercer o seu direito de voto nunca o fez numa consulta do género. Para o opositor Reinaldo Escobar, escrevendo no jornal online cubano 14ymedio, o governo agora liderado por Díaz-Canel está a assumir o risco ao colocar o novo texto constitucional – de que Raúl Castro foi um dos redatores – à consideração das urnas. Um sinal de maturidade política ou de sobranceria do regime?
Aos 60 anos, esse será o primeiro grande desafio a enfrentar pelo novo homem forte de Cuba, que assume o poder das mãos de Raúl Castro que, no entanto, continuará a exercer o poder na sombra até 2021, desde o seu cargo de primeiro secretário do Partido Comunista de Cuba, que é ainda o garante do modelo político do país. Como diz o novo texto constitucional, o partido continua a ser “único” e a “força política superior do Estado e da sociedade”.
“A Constituição votada pelo parlamento no passado dia 22 de dezembro ajusta-se que nem luva aos planos do governo, no entanto está muito longe de satisfazer as reivindicações da cidadania. É certo que o texto mudou. O que acontece é que o eleitorado mudou mais do que o governo”, escreve Escobar.
Sem a legitimidade histórica dos combatentes da Sierra Maestra, sem o fulgor e o carisma de Fidel Castro, sem a legitimidade do apelido de Raúl, Díaz-Canel lidera um novo ciclo de dúvidas sobre os caminhos da revolução. Vladimiro Roca, um dos mais conhecidos dissidentes cubanos (ver texto ao lado), garante que “a revolução acabará por sucumbir pelo seu próprio peso”.
O novo chefe de Estado sabe que o principal desafio agora é económico mais do que político, tendo em conta o crescimento medíocre dos últimos anos, nunca superando muito 1%. “A batalha mais importante é a economia”, disse Díaz-Canel. Rússia e China parecem dispostas a dar uma mãozinha – menos de solidariedade política internacional e mais de interesse económico e geoestratégico (um regime amigo nas barbas dos EUA não é de menosprezar). Vladimir Putin, o presidente russo, chamou já a Cuba “um sócio estratégico e aliado confiável”.