O concurso do “Diário do Alentejo”


A proprietária do único jornal público em Portugal lançou um concurso para contratação de um diretor. E quais os critérios definidos? O preço, com 50% de peso, é o factor decisivo, como se se tratasse da compra de uma mercadoria


O “Diário do Alentejo” é um jornal público, o único em Portugal. A Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (Cimbal), proprietária deste periódico, entendeu lançar um concurso público aberto para “Aquisição de Serviços para Direção do Jornal Diário do Alentejo”. Como princípio, nada contra. Sobretudo porque poder-se-ia encontrar candidatos inesperados ou desconhecidos. Diria que para avaliar o que poderá ser um bom director deste jornal regional teria de se avaliar uma carta de intenções estabelecendo calendário e objectivos e o curriculum de jornalista valorizando a reflexão sobre questões editoriais, a região, as expressões online ou das redes sociais. Seria também importante que declarasse ir viver para o território de interesse do jornal e que demonstrasse capacidades humanas para gerir equipas e relações.

Como é que a Cimbal entendeu definir os critérios de escolha? O preço é o factor decisivo (50%), sendo dada alguma relevância à experiência profissional de jornalista (30%) e a sua capacidade de realização de vídeos/documentários (20%). Ou seja, 70% da avaliação é feita por critérios que nada têm a ver com a qualidade das funções que irão ser exercidas. Mais, o critério preço pode retirar condições para que a prestação de serviços possa ser bem exercida e a “realização de vídeos/documentários” parece ser um elemento demasiado específico e susceptível de levantar suspeitas de ser um concurso feito à medida – o que o facto de ter havido apenas um concorrente não ajuda a dissipar.

Mas o que me leva a escrever sobre este caso, não é o caso concreto.

Interessa-me demonstrar que um concurso sem um bom caderno de encargos dificilmente garante que o interesse público seja salvaguardado. A definição dos objectivos e critérios de avaliação não são actos exclusivamente jurídicos ou administrativos, mas devem ser decisões técnicas e políticas – com maior preponderância de um ou outro em função do que se está a adjudicar. A burocratização jurídico-administrativa a que temos vindo a ser sujeitos, e de que o Código de Contratação Pública (CCP) é um exemplo maior, raramente favorece o interesse público antes criando uma classe de burocratas de Estado, que se posicionam no pedestal que a lei lhes confere, mas cuja acção gravosa e prejudicial raramente é demonstrada.

Deixo o critério “preço” para o fim. Ao longo dos últimos anos, sobretudo a partir da intervenção troika e agravado pelas alterações ao CCP implementadas por este governo, o critério “preço” passou a ter cada vez mais importância. De tantas vezes repetido deixou de ser motivo de vergonha pública que alguém como um director de jornal possa ser escolhido pelo preço, como se tratasse da compra de uma mercadoria. A cultura neoliberal invadiu o senso comum fazendo com que nos vamos habituando a que o trabalho possa ser equiparado à compra de uma mercadoria. O raciocínio está tão subvertido que, como se poderá perceber bem neste concurso, o que poderá dar a vitória ao candidato é exactamente o que o poderá fazer não ter condições para exercer condignamente o objecto da prestação de serviços. Obviamente, ao Estado competiria definir um preço justo para o trabalho de modo a que a escolha recaísse sobre critérios que dissessem respeito ao que se está a adjudicar.

 

Escreve à segunda-feira

O concurso do “Diário do Alentejo”


A proprietária do único jornal público em Portugal lançou um concurso para contratação de um diretor. E quais os critérios definidos? O preço, com 50% de peso, é o factor decisivo, como se se tratasse da compra de uma mercadoria


O “Diário do Alentejo” é um jornal público, o único em Portugal. A Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (Cimbal), proprietária deste periódico, entendeu lançar um concurso público aberto para “Aquisição de Serviços para Direção do Jornal Diário do Alentejo”. Como princípio, nada contra. Sobretudo porque poder-se-ia encontrar candidatos inesperados ou desconhecidos. Diria que para avaliar o que poderá ser um bom director deste jornal regional teria de se avaliar uma carta de intenções estabelecendo calendário e objectivos e o curriculum de jornalista valorizando a reflexão sobre questões editoriais, a região, as expressões online ou das redes sociais. Seria também importante que declarasse ir viver para o território de interesse do jornal e que demonstrasse capacidades humanas para gerir equipas e relações.

Como é que a Cimbal entendeu definir os critérios de escolha? O preço é o factor decisivo (50%), sendo dada alguma relevância à experiência profissional de jornalista (30%) e a sua capacidade de realização de vídeos/documentários (20%). Ou seja, 70% da avaliação é feita por critérios que nada têm a ver com a qualidade das funções que irão ser exercidas. Mais, o critério preço pode retirar condições para que a prestação de serviços possa ser bem exercida e a “realização de vídeos/documentários” parece ser um elemento demasiado específico e susceptível de levantar suspeitas de ser um concurso feito à medida – o que o facto de ter havido apenas um concorrente não ajuda a dissipar.

Mas o que me leva a escrever sobre este caso, não é o caso concreto.

Interessa-me demonstrar que um concurso sem um bom caderno de encargos dificilmente garante que o interesse público seja salvaguardado. A definição dos objectivos e critérios de avaliação não são actos exclusivamente jurídicos ou administrativos, mas devem ser decisões técnicas e políticas – com maior preponderância de um ou outro em função do que se está a adjudicar. A burocratização jurídico-administrativa a que temos vindo a ser sujeitos, e de que o Código de Contratação Pública (CCP) é um exemplo maior, raramente favorece o interesse público antes criando uma classe de burocratas de Estado, que se posicionam no pedestal que a lei lhes confere, mas cuja acção gravosa e prejudicial raramente é demonstrada.

Deixo o critério “preço” para o fim. Ao longo dos últimos anos, sobretudo a partir da intervenção troika e agravado pelas alterações ao CCP implementadas por este governo, o critério “preço” passou a ter cada vez mais importância. De tantas vezes repetido deixou de ser motivo de vergonha pública que alguém como um director de jornal possa ser escolhido pelo preço, como se tratasse da compra de uma mercadoria. A cultura neoliberal invadiu o senso comum fazendo com que nos vamos habituando a que o trabalho possa ser equiparado à compra de uma mercadoria. O raciocínio está tão subvertido que, como se poderá perceber bem neste concurso, o que poderá dar a vitória ao candidato é exactamente o que o poderá fazer não ter condições para exercer condignamente o objecto da prestação de serviços. Obviamente, ao Estado competiria definir um preço justo para o trabalho de modo a que a escolha recaísse sobre critérios que dissessem respeito ao que se está a adjudicar.

 

Escreve à segunda-feira