Não são favas contadas…


Meteu dó ouvir os manifestantes vociferar que havia mais polícias nas ruas que coletes amarelos. Pudera! Saiu-lhes o tiro pela culatra!


Aquela manhã de chuva infernal, o pára-brisas permanentemente toldado pela cortina de água, quase ditou arrependimento pela ida ao Porto, não fora o vício de Serralves bastante. A exposição “Joan Miró e a morte da pintura”, organizada pelo Museu de Arte Contemporânea (MAT), está patente na Casa de Serralves, e não no MAT, de forma que é necessário atravessar o parque para lá chegar, o que, num dia assim, acrescenta a experiência sensitiva: as cores das árvores, muito lavadas, recortadas na bruma tracejada pela chuva grossa que ensopava os carreiros de saibro. Bonito! Quanto à exposição, juntando peças de diferentes colecções públicas e privadas com outras da Colecção do Estado Português – aquela que esteve por um fio no tempo do governo da troika – remete-nos para o período das “Telas queimadas”, depois da incendiária declaração de Miró que afirmou querer “assassinar a pintura”: o conjunto de “Sobreteixims” – tapeçarias tecidas por Josep Royo que também colaborou “na violenta manipulação” a que Miró as sujeitou – é deveras interessante. Obras raramente expostas, e talvez as mais enigmáticas deste arrojado artista.

Contra toda a probabilidade, a tarde entrou mais bem-humorada, farrapos de azul esgarçados por entre castelos espessos de nuvens em gradações de cinzento, a começar no branco-sujo e a terminar no antracite violáceo, porém suficientemente pesada para manter as gaivotas em plenário num qualquer refúgio: perdeu-se a curiosa hora da meditação, quando elas pousam na praia muito quietas e todas viradas para o mesmo lado. Foi pena!

Refeitos os olhos a ver o mar, todo encapelado e a estampar-se com espalhafatos de espuma contra os molhes da Foz, ainda sobrou vontade para uma saltada ao museu do Carro Eléctrico na centenária Central Termoeléctrica de Massarelos, à beira-rio, e ficar a saber mais acerca da produção energética para mover os eléctricos, e apreciá-los, claro!. 

Isto foi antes de sexta-feira, o dia da desbotada manifestação dos coletes amarelos, operação mimética e mal esgalhada. O auto-proclamado “Movimento Coletes Amarelos Portugal”, que se dizia pronto a parar o país, acabou por se manifestar com pouco mais de uma centena de gatos-pingados – literalmente pingados, dada a chuva – espalhados em grupúsculos em várias cidades. A maior concentração, e mais agitada, terá sido a de Lisboa. Um fiasco, a lembrar uma “maioria silenciosa” de má memória que, poucos meses após o 25 de Abril, se preparava para fazer abortar a revolução dos cravos. E foi travada pela movimentação popular. Desta vez nem foi preciso. O próprio movimento se esfarelou, não sem que sectores de extrema-direita, totalmente minoritários, se tivessem infiltrado para agitar e estrondear. Meteu dó ouvir os manifestantes vociferar que havia mais polícias nas ruas que coletes amarelos. Pudera! Saiu-lhes o tiro pela culatra! Mas pode não ficar por aqui.

Desenganem-se os senhores governantes, a insatisfação anda por aí… As cativações e a obsessão do défice podem esmagar a apregoada, e já frágil, paz social. Atenção aos justos anseios dos portugueses e às expectativas geradas! Aqui não há favas contadas.

Gestora
Escreve quinzenalmente, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990


Não são favas contadas…


Meteu dó ouvir os manifestantes vociferar que havia mais polícias nas ruas que coletes amarelos. Pudera! Saiu-lhes o tiro pela culatra!


Aquela manhã de chuva infernal, o pára-brisas permanentemente toldado pela cortina de água, quase ditou arrependimento pela ida ao Porto, não fora o vício de Serralves bastante. A exposição “Joan Miró e a morte da pintura”, organizada pelo Museu de Arte Contemporânea (MAT), está patente na Casa de Serralves, e não no MAT, de forma que é necessário atravessar o parque para lá chegar, o que, num dia assim, acrescenta a experiência sensitiva: as cores das árvores, muito lavadas, recortadas na bruma tracejada pela chuva grossa que ensopava os carreiros de saibro. Bonito! Quanto à exposição, juntando peças de diferentes colecções públicas e privadas com outras da Colecção do Estado Português – aquela que esteve por um fio no tempo do governo da troika – remete-nos para o período das “Telas queimadas”, depois da incendiária declaração de Miró que afirmou querer “assassinar a pintura”: o conjunto de “Sobreteixims” – tapeçarias tecidas por Josep Royo que também colaborou “na violenta manipulação” a que Miró as sujeitou – é deveras interessante. Obras raramente expostas, e talvez as mais enigmáticas deste arrojado artista.

Contra toda a probabilidade, a tarde entrou mais bem-humorada, farrapos de azul esgarçados por entre castelos espessos de nuvens em gradações de cinzento, a começar no branco-sujo e a terminar no antracite violáceo, porém suficientemente pesada para manter as gaivotas em plenário num qualquer refúgio: perdeu-se a curiosa hora da meditação, quando elas pousam na praia muito quietas e todas viradas para o mesmo lado. Foi pena!

Refeitos os olhos a ver o mar, todo encapelado e a estampar-se com espalhafatos de espuma contra os molhes da Foz, ainda sobrou vontade para uma saltada ao museu do Carro Eléctrico na centenária Central Termoeléctrica de Massarelos, à beira-rio, e ficar a saber mais acerca da produção energética para mover os eléctricos, e apreciá-los, claro!. 

Isto foi antes de sexta-feira, o dia da desbotada manifestação dos coletes amarelos, operação mimética e mal esgalhada. O auto-proclamado “Movimento Coletes Amarelos Portugal”, que se dizia pronto a parar o país, acabou por se manifestar com pouco mais de uma centena de gatos-pingados – literalmente pingados, dada a chuva – espalhados em grupúsculos em várias cidades. A maior concentração, e mais agitada, terá sido a de Lisboa. Um fiasco, a lembrar uma “maioria silenciosa” de má memória que, poucos meses após o 25 de Abril, se preparava para fazer abortar a revolução dos cravos. E foi travada pela movimentação popular. Desta vez nem foi preciso. O próprio movimento se esfarelou, não sem que sectores de extrema-direita, totalmente minoritários, se tivessem infiltrado para agitar e estrondear. Meteu dó ouvir os manifestantes vociferar que havia mais polícias nas ruas que coletes amarelos. Pudera! Saiu-lhes o tiro pela culatra! Mas pode não ficar por aqui.

Desenganem-se os senhores governantes, a insatisfação anda por aí… As cativações e a obsessão do défice podem esmagar a apregoada, e já frágil, paz social. Atenção aos justos anseios dos portugueses e às expectativas geradas! Aqui não há favas contadas.

Gestora
Escreve quinzenalmente, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990