“Como sempre apreciei os sabores tradicionais portugueses, o que tento fazer é conservá-los”
Maria Aragão tem 54 anos, é presidente da Aliança Animal e vive no Porto. Há 15 anos decidiu eliminar os produtos de origem animal da sua alimentação e, desde então, as suas ceias de Natal não englobam o tradicional bacalhau. Ao i, Marta contou que, no início, não foi fácil adaptar-se porque “não havia produtos com tanta abundância”. Mas, atualmente, dependendo do gosto pessoal de cada um, há várias abordagens e adaptações que podem ser feitas nas receitas desta época festiva. “Como sempre apreciei os sabores tradicionais portugueses, o que tento fazer é conservar esses sabores (…). Depois faço a substituição com alguns produtos que já estão disponíveis no mercado, e atualmente já são bastante conhecidos, como o tofu no caso do bacalhau”, explicou. Maria costuma variar a ementa de ano para ano: “Dependendo se tenho convidados, para não repetir, tento fazer umas variações. Uso tofu e faço o género de um gratinado de Natal”. E apresenta mais alternativas, como “o género de uma coroa de Natal com grão cozido, que é todo envolvido num creme de grão de bico”. Quanto à parte da carne, Maria costuma fazer lombo de seitan – alimento derivado do glúten – assado no forno. Quando o Natal é passado em sua casa e tem convidados, todos comem “um natal vegetariano. É a oportunidade de dar a conhecer coisas novas”, Se é convidada para ir passar o Natal a casa de alguém, leva a sua própria refeição – que serve também para dar a provar às outras pessoas. Os doces Natal também são adaptados: “Por exemplo, no bolo rei faço a receita tradicional, mas em vez dos ovos, ponho tofu”. Maria diz que as pessoas “ficam espantadas” por o o bolo rei ter um “sabor igual”, mesmo não tendo ovos.
Maria Aragão dá também workshops de comida vegana, incluindo receitas para a ceia de Natal. “Os [workshops] de Natal são os que deixam as pessoas curiosas e que têm muita adesão, porque as pessoas gostam de aprender e de saber como é que podem fazer essas adaptações também nesta época”.
“O tofu com broa é o prato eleito para o jantar de Natal”
Ana Castro tem 39 anos, é advogada e consultora em alimentação vegetariana e estilo de vida vegano. Natural da França, mas residente em Torres Vedras, revelou ao i que já é vegana há cinco anos. “Nunca foi difícil adaptar qualquer receita que quisesse criar, nem as das épocas festivas”, afirma, realçando que, no seu caso, “adorar cozinhar e improvisar, foram fatores de sucesso para que o processo de transição e de adaptação fosse simples, divertido e inspirador”. Para Ana, esta é a altura ideal do ano para poder demonstrar aos seus familiares que não são veganos que é possível comer de forma abundante e bem, mesmo seguindo a dieta vegana. “Sendo uma época propícia ao consumo excessivo e desenfreado de produtos de origem animal, tento sempre mostrar aos meus familiares não veganos que é possível comer bem e à portuguesa”. De ano para ano, a ementa não varia muito. Normalmente, a mesa de Ana é composta pelos pratos tradicionais desta época, mas adaptados à dieta vegana. Costuma fazer tofu com broa, seitan à lagareiro e roupa velha. “Não variamos muito, de ano para ano, até como forma de substituir velhos e enfadonhos hábitos por outros mais éticos, sustentáveis e tão mais saborosos”, sublinha. “Deixo sempre a possibilidade de cada um trazer o que quer. Mas animais no prato está implicitamente interdito – e nunca ninguém reclamou”. Para este ano, Ana a ementa já está traçada. “O tofu com broa é o prato eleito para o jantar de Natal. Também haverá uma tábua de queijos e de enchidos (veganos, claro)”. Quanto aos tradicionais doces de natal, Ana contou ao i que gosta de ir experimentando receitas novas, mas sempre saudáveis e amigas do ambiente. Contudo, nunca se esquece do bolo rei em versão vegana. “Felizmente, é cada vez mais fácil comprar ingredientes ou doces e sobremesas veganas deliciosas”.
“Normalmente cá em casa sou a única [vegana], portanto tenho que fazer sempre duas refeições”
Tânia Cirilo tem 43 anos e está a tirar o mestrado de ensino do primeiro ciclo. Nasceu em Angola, mas vive em Lisboa há seis anos. Há três decidiu tornar-se vegana, uma adaptação que, assim como os relatos anteriores, também define como descomplicada. “Quando consumia a carne e o peixe já me sentia mal, só não sabia o porquê. Para mim [a adaptação] foi fácil, não tive problemas nenhuns e hoje não sei comer outra coisa”. No início, apesar de se sentir bem sem consumir produtos de origem animal, a única dificuldade que teve foi saber substituir corretamente os alimentos. No Natal não foge à regra e, apesar de ser a única vegana da família, não se importa de ter de fazer mais do que uma refeição: “Normalmente cá em casa sou a única [vegana], portanto tenho que fazer sempre duas refeições”. E como os seus filhos não gostam de bacalhau cozido, então faz um prato diferente para cada um. Para as crianças cozinha, por exemplo, bacalhau à Brás ou bacalhau no forno, para o marido que prefere a tradição confeciona o habitual bacalhau cozido e, para si, tofu no forno com batatas e salada. “No primeiro ano fiz o tofu, no segundo fiz o bacalhau à Brás mas com tofu e, este ano, ainda não sei o que é que vou fazer”, afirmou. As possibilidades são muitas, explica: tanto pode fazer bifinhos de seitan como um rolo de seitan no forno. “Quando há almoços de família levo a minha comida, não obrigo ninguém a confecionar aquilo que como, mas o engraçado de tudo isto é que depois toda a gente vai comer da minha comida”. Quanto aos doces, as apostas de Ana vão normalmente para um arroz doce sem ovos e o tronco de natal. Neste doce, em vez dos ovos, usa linhaça. “Tudo dá para adaptar”.
“O primeiro natal foi um desafio maior, hoje faço tudo com uma perna às costas”
Marta Rosa tem 37 anos é professora de terceiro ciclo e mora na zona de Oeiras, Lisboa. Tornou-se vegana há três anos e decidiu fazer a mudança três meses antes do Natal. “Foi mais difícil, foi um desafio maior. Hoje em dia faço tudo com uma perna atrás das costas”. Marta Rosa costuma passar a ceia de Natal em família, mas este ano tanto a ementa como o local onde passarão a quadra ainda não está decidido. As pessoas da sua casa “são todos veganas”, mas há outros familiares que não. Assim, quando passa o Natal em casa de alguém que não segue a dieta vegana, leva sempre uma travessa que dê tanto para os veganos e os não veganos. “Apesar de outros não serem veganos acabam sempre por comer a nossa comida, e gostam imenso”. Já quando a ceia é em sua casa, permite que as pessoas que não são veganas tragam comida, mas recusa-se a cozinhar produtos de origem animal. Contudo, contou que muitas vezes estas “abdicam” de levar porque já provaram a comida vegana e gostaram. A professora tem ainda o costume de pegar “numa receita tipicamente portuguesa e veganizá-la”, ou seja, troca o alimento de origem animal por outro vegano. E dá exemplos: “Tofu à lagareiro, tofu com a batatas a murro ou tofu em cama de broa. São coisas muito parecidas com a comida que não é vegetariana”. Quanto às sobremesas, Marta é perentória diz que também os doces tradicionais portugueses podem ser adaptados, e a aletria, arroz doce e bolo rei não podem faltar na sua mesa. “O bolo rei já fizemos a primeira vez e não correu muito bem, decidimos comprar. Hoje em dia é muito fácil comprar bolo rei vegano”, explica. Para os sonhos tem a sua própria receita: sonhos de banana. “Já no arroz doce, em vez de usar leite de origem animal uso leite de origem vegetal”. Quanto a outras receitas, normalmente substitui os ovos por ovo de linhaça ou ovo de chia, “vai variando de receita para receita”.