O populismo amarelo


Sem líderes óbvios, mas sobretudo sem uma organização centralizada, este movimento inorgânico cria vida própria através de um crescendo de reivindicações, algumas delas contraditórias e outras irrealizáveis a curto/médio prazo


“Todo o poder vem do povo. Mas para onde é que vai?”

Bertolt Brecht

O movimento dos coletes amarelos, que alguns querem imitar em Portugal, merece uma reflexão séria sobre a sua origem, sobre as suas causas e sobre a forma como se desenvolveu e, ao que tudo indica, se esvaziou.

A ausência de lideranças motivadoras a nível mundial e a crise das democracias liberais têm feito crescer a corrente populista, cuja ideologia não se conhece bem, mas de que se conhece o estilo. Mais do que uma corrente ideológica, o populismo é uma estratégia de conquista do poder.

Como movimento antiliberal e antipluralista, o populismo afirma-se como único representante do povo, razão pela qual todas as estratégias para chegar ao poder são legítimas, uma vez que, na sua perspetiva, representa a vontade popular.

Esta entidade abstrata – o povo – é, no entanto, apenas o povo deles. Isto é, usando a alegada vontade popular como forma de legitimação, os populistas, afirmando-se seus únicos legítimos representantes, abrem caminho para formas de governação não democráticas. Na prática, é a democracia representativa que tentam derrubar, substituindo-a pela democracia do povo. Do seu povo.

O movimento dos coletes amarelos, em França, é o mais recente exemplo disso mesmo.

Sem líderes óbvios, mas sobretudo sem uma organização centralizada, este movimento inorgânico cria vida própria através de um crescendo de reivindicações, algumas delas contraditórias e outras irrealizáveis a curto/médio prazo.

Seja como for, o poder instituído cedeu. E tudo indica que os poderes, quando confrontados desta forma, vão continuar a ceder.

O discurso populista está a fazer o seu caminho. E há uma camada social – os milhões de excluídos – que é especialmente sensível a esta mensagem.

No seu livro “Ébano”, o repórter polaco Ryszard Kapuscinski retratou desta forma este grupo social:

“A grande interrogação do mundo de hoje já não é não ter com que alimentar as pessoas porque faltam alimentos (muitas vezes, os problemas são de organização e transporte), mas aquilo que se pode fazer com as pessoas.

O que é que se deve fazer com estes muitos milhões de pessoas no mundo? Com as suas energias desaproveitadas? Com a força que possuem mas de que ninguém parece precisar?

Qual o lugar que elas ocupam na grande família da Humanidade? O lugar de membros de pleno direito? Parentes pobres? Visitas incómodas?”

Mais palavras para quê?

 

Jornalista