Futebol. Quando os treinadores perdem a varinha mágica dos títulos

Futebol. Quando os treinadores perdem a varinha mágica dos títulos


José Mourinho perdeu a mística, considerou a imprensa inglesa. Mas o Special… Gone está longe de ser o único a desaparecer dos radares das vitórias depois de já ter feito história. Di Matteo e Rafa Benítez são apenas dois exemplos entre os vários casos


De Special One… a Special Gone. A transformação na alcunha atribuída a José Mourinho não é nova e os jornais ingleses já fazem uso da expressão praticamente desde que o treinador português aterrou em Manchester para assumir o comando técnico do United.

Porém, no Teatro dos Sonhos, o cenário foi sempre a piorar e o técnico setubalense foi-se tornando cada vez mais protagonista de uma peça em que nunca deixou verdadeiramente de ser o vilão.

Depois da conquista da Liga dos Campeões com o FC Porto (2003/04) e com os italianos do Inter (2009/10), Mourinho atingiu um estatuto de que poucos treinadores se podem orgulhar. Além de ter levantado por duas vezes o troféu da mais importante prova europeia de clubes, conquistou a Liga Europa (já nos red devils) e soma ainda vários campeonatos ganhos nas ligas inglesa e espanhola (três em cada).

Também por causa deste currículo, há quem não tenha dúvidas de que este corte de relações com o emblemático clube inglês não coloca de maneira alguma em causa o patamar de Mourinho enquanto treinador, que continuará a ser, ainda assim, um dos melhores que o mundo do futebol já viu. Todavia, há ainda outro grupo e este já defende que a magia do outrora Special One está indubitavelmente a desaparecer. Os mais radicais são até capazes de afirmar que esta se esgotou. E os mais ousados, que o treinador setubalense teve até a proeza de conseguir estar no sítio certo à hora certa.

Discussões à parte, há muito, de resto, que a imprensa inglesa tem sido consensual relativamente ao português. Praticamente desde que assumiu o comando técnico dos red devils que José Mourinho se deparou com análises pouco favoráveis a seu respeito. “Special Gone”; “o treinador que usa os blame games”; “José Mourinho perdeu a mística”; “isto com Alex Ferguson não acontecia, não deixava passar o mau ambiente do balneário para fora” foram algumas das expressões utilizadas pela imprensa inglesa em setembro de… 2016.

Se José Mourinho perdeu, de facto, a varinha mágica que era capaz de produzir títulos, não se sabe, mas, a confirmar–se o cenário, o técnico português está longe de ser o único a desaparecer dos radares das vitórias depois de já ter feito história.

Seis décadas de surpresas Dos anos de 1950 aos dias de hoje, casos de treinadores que chamam a atenção, dão que falar e, de repente, desaparecem do mapa são o que não falta. Quase como se jogassem ao toca-e-foge e, quando se lhes começa a augurar uma carreira ímpar, depois de um feito inédito, o destino finta-os sem os deixar ter uma nova oportunidade de regressarem ao trilho do sucesso.

Recuando até 1958 encontra-se o primeiro caso, que pertence ao argentino Luis Carniglia. No comando técnico do Real Madrid, venceu por duas vezes, de forma consecutiva, a então Taça dos Campeões Europeus (1957/58; 1958/59), atualmente denominada Liga dos Campeões. Chegou, aliás, ao comando merengue depois de ter conduzido os franceses do Nice ao título nacional (1955/56), mas o vício dos triunfos acabou mesmo por ter um pavio curto. Desde que deixou o emblema espanhol, Carniglia teve mais oito experiências enquanto treinador principal, das quais se destacam a Roma, o AC Milan e a Juventus. Mas nem nos principais clubes por onde passou voltou a fazer história: entre a despedida do Real Madrid e o fim da sua carreira, que terminou no comando técnico dos franceses do Bordéus, haviam de passar 20 anos sem Carniglia levantar qualquer outro troféu.

Já nos anos de 1960 temos o exemplo de Nereo Rocco. O treinador italiano, à semelhança do argentino, foi bicampeão daquela prova mas pelo AC Milan (62/63, 68/69). Depois da última conquista, Rocco permaneceu por quase mais dez anos como treinador dos rossoneri – tendo interrompido apenas com uma curta passagem pela Fiorentina –, apesar de não ter voltado a festejar outro título relevante.

Foi, aliás, entre as duas grandes vitórias do italiano que surgiu outro nome que deu que falar: o de Helenio Herrera. O argentino também somou dois triunfos (63/64; 64/65) na “antiga Champions”, no comando técnico do Inter, clube a que chegou depois do brilharete em solo espanhol, campeonato que conquistou por quatro vezes – duas enquanto treinador do Atlético de Madrid e, mais tarde, novamente por duas vezes, já como treinador do Barcelona.

Herrera – que não voltou a conquistar mais nenhum título sonante depois dos troféus alcançados no emblema de Milão, apesar de ter passado pela Roma, novamente pelo Inter e também pelo conjunto blaugrana – tem ainda outro dado curioso: o argentino, que ainda chegou a orientar o Belenenses (1957/58), tinha um temperamento idêntico ao de… José Mourinho. Foi precisamente naquele emblema português que passou outro treinador que agitou o panorama nacional. Joaquim Meirim abanou o futebol português em 1970 pela forma como prometeu mundos e fundos, leia-se títulos, para o conjunto azul. Fez todos acreditarem que estaria à frente de um grupo que seria capaz de derrotar qualquer grande – e o seu Belenenses fazia, por esta altura, parte deste lote. Até a sua filosofia, que passava, por exemplo, por deixar os seus jogadores a pensar 15 minutos antes de iniciar o treino, fazia furor. O sonho acabou, porém, antes sequer de começar. À terceira jornada do campeonato de 70/71, o Belenenses registava duas derrotas e o nome de Meirim, que já era colocado por tantos como o próximo grande campeão, ia desaparecendo de cena.

Já a partir de 2000 temos outros três casos. São eles os de Rafa Benítez, Frank Rijkaard e Roberto Di Matteo.

O espanhol conquistou a Liga dos Campeões com o Liverpool na temporada 2004/05 e, no ano seguinte, foi a vez de o holandês levantar o troféu com o Barcelona. Depois de conquistar a prova milionária com a turma inglesa, Benítez ainda passou pelo Inter, Chelsea e Real Madrid, mas sem sucesso. Está atualmente a orientar os ingleses do Newcastle. Por sua vez, Rijkaard deixou os catalães para assumir compromisso com os turcos do Galatasaray, onde não registou qualquer título. Igual na Arábia Saudita, seleção que orientou entre 2011 e 2013, último desafio que aceitou.

Chegamos assim a Di Matteo, o exemplo vivo mais recente. O italiano, recorde-se, conduziu o Chelsea à conquista da Champions em 2011/12, época em que ainda conquistou a Taça inglesa.

Apesar da vitória, o italiano não resistiu aos maus resultados apresentados pelos blues na época seguinte (2012/13) e acabou mesmo por ser despedido do comando técnico do emblema londrino. Passou, entretanto, pelos alemães do Schalke 04 e pelos ingleses do Aston Villa. Tal como aconteceu nos blues, também acabou por ser despachado da função de treinador dos villans pela mesma razão: os maus resultados à frente do clube que ambicionava subir à i Liga do futebol inglês atiraram Di Matteo para a porta de saída em 2016. Desde esse momento que o técnico de 48 anos está sem representar qualquer outro emblema.