Eça de Queiroz. Sete farpas bem assestadas

Eça de Queiroz. Sete farpas bem assestadas


Uma nova edição organizada por Maria Filomena Mónica e editada pela Relógio d’Água reúne pela primeira vez todas as Farpas escritas por Eça de Queiroz. Selecionámos sete excertos – leves como anedotas, mas duros como bengaladas – que ajudam a compor um retrato do Portugal de finais do séc. xix


A Moda

“A moda começa por ter isto de absurda: é necessário reformar o corpo, obra do bom Deus – para o acomodar ao figurino, obra do jornal das damas: de modo que para sustentar o chapéu deforma-se a cabeça, para obedecer ao puff deforma-se a espinha; para dar razão às botinas Luís xv desconjunta-se o pé […]. Nunca como hoje, sob o domínio da burguesia, se desprezou, se deteriorou o corpo humano.”

O Exército

“Os regimentos não têm instrução. Não têm campos de manobras; não têm o hábito do acampamento, da fadiga, das marchas; não têm pontaria, não têm a habilidade das manobras precisas; a disciplina está relaxada; não há respeito, nem subordinação. Não há mesmo espírito militar, brio de quartel, amor da bravura. O soldado vive na cidade numa ociosidade pacífica: fuma, namora, canta o fado: é um trabalhador, um camponês, que procura sofrer a farda cinco anos – o mais alegremente possível.”

As Ruas de Lisboa

“As ruas, pela sua limpeza, mereceram de nós a designação mordente que lhes ficou – canos do avesso; as que são calçadas, com a chuva tomam o aspecto delicado de uma missanga de charcos […].

A glória da capital, o Aterro, a maravilha, é ladeado ao seu comprimento de duas suaves circunstâncias: o cheiro da imundície dos canos; e o pó da houille [hulha] das fábricas, dando assim a perspectiva de uma sociedade gentil, rica e dandy – que passeia, no aparato da riqueza e nos vagares do luxo – com a palma da mão sobre a boca e o lenço no nariz!”

Os Diplomatas

“Eles seguem a velha tradição que a diplomacia é uma ociosidade regalada, bem convivida, bem comida, bem dançada, bem gantée [enluvada], bem voiturée [motorizada], com bons ordenados e viagens pagas. Eles estão ali para serem diplomatas na gravata – e não para serem diplomatas no espírito. […] Ss. Ex.ªs entendem que o país está bem representado desde o momento em que o colarinho deles é irrepreensível. Mas tenham paciência: ss. ex.ªs estão representando uma nação – e não uma camisaria!”

O Parlamento

“Porque é uma escola de humildade o parlamento! Nunca em parte alguma, como ali, o insulto foi recebido com tão curvada paciência, o desmentido acolhido com tão sentida resignação! É um curso de caridade cristã. E veremos os tempos em que um qualquer senhor deputado, esbofeteado em pleno e claro Chiado, dirá brandamente ao agressor, mostrando o seu diploma: – Sou deputado da nação portuguesa! Apelo para o país. Faz favor de me deixar passar?!” 

As colónias

 “Para que temos colónias? E em primeiro lugar não as teremos muito tempo. Podem-nos ser expropriadas por utilidade humana. Pode-se pensar que temos imensos territórios, pelo facto lamentável de pertencerem a Portugal, não devem ficar perpetuamente sequestrados do movimento da civilização. Tirar-nos as colónias é conquistá-las para a riqueza e para o progresso. Nós temo-las aferrolhadas na nossa miséria: no nosso cárcere privado da civilização.” 

A Escola

“A escola, por si, é outra desorganização. Os edifícios […] são na maior parte uma variação suja entre o celeiro e o curral. Nem espaço, nem asseio, nem arranjo, nem luz nem ar. Nada torna o estudo tão custoso como a fealdade da escola”