Em Budapeste, uma das mais belas cidades da Europa, nenhuma construção nova pode ultrapassar os 96 metros dos dois edifícios mais altos da capital da Hungria: a Basílica de Santo Estêvão e o parlamento húngaro – representativos do poder religioso e secular, respetivamente. Países como a Hungria e a Itália reconhecem de tal forma a qualidade da sua arquitetura que em cidades como Roma, Veneza ou Florença raramente se veem edifícios que desfigurem a silhueta urbana com alturas e volumetrias excessivas. Em Portugal, algumas mentalidades deslumbradas e com complexos de inferioridade pretendem, ao invés, convencer-nos das virtudes da construção em altura. Para tal, recorrem essencialmente a dois argumentos: 1) edifícios mais altos são próprios de cidades ricas e desenvolvidas; 2) a altura como promotora da densificação promove a sustentabilidade e o cosmopolitismo, nomeadamente aquele descrito no livro de Rem Koolhaas “Delirious New York”. Nesta obra, o autor – projetista da Casa da Música no Porto – defende que grandes densidades populacionais estimuladas pela construção em altura são benéficas na medida em que criam uma “cultura do congestionamento” que promove a emancipação libertária, a diversidade, a criatividade e a excentricidade. Quanto ao primeiro caso, não existe relação causa/efeito entre desenvolvimento económico e altura dos edifícios: segundo dados da Emporis, São Paulo é uma cidade com 6677 edifícios altos (alturas acima de 35 metros ou 12 pisos) e 126 arranha-céus (alturas acima de 100 metros), mas o seu PIB per capita de $20.600 (dados da Brookings Institution de 2014) não supera os $34.500 de Budapeste, que possui apenas 52 edifícios altos. Caracas possui 1115 edifícios altos e 39 arranha-céus, e o PIB per capita de $15.890 da capital venezuelana não supera os $35.627 de Florença, a qual não possui qualquer edifício alto ou arranha-céus. Quanto ao segundo caso, também a ideia de que a maior altura de edifícios promove um aumento da sustentabilidade e do cosmopolitismo é falsa: alguém de bom senso acha que Benidorm (387 edifícios altos e 27 arranha-céus) é mais sustentável, cosmopolita, bela e criativa do que Florença? Ainda que alguns agentes institucionais defendam que edifícios altos (quase sempre para habitação ou escritórios) podem ser atrações estéticas ou icónicas das cidades que desejem “estar na moda” num mundo globalizado, o que pode haver de atrativo na criação de muralhas que obstruem a paisagem envolvente? Que congestionam a mobilidade (vertical e horizontal) e nos compactam como sardinhas enlatadas em habitações similares às de inúmeras cidades-fantasma chinesas? Que degradam a nossa sensibilidade estética com paralelepípedos estandardizados e descontextualizados? Que são sorvedouros energéticos com todos os seus ares condicionados, elevadores e sistemas de segurança? Que nos afastam do contacto com o solo e o espaço público da sociabilidade? Que são simultaneamente causa e efeito da inflação imobiliária? Portugal é um país com parcos recursos económicos, património arquitetónico com valor histórico, aglomerados urbanos densos e fragmentados, geografia sísmica e acidentada, envelhecimento demográfico e acentuado despovoamento do interior. Com este contexto, nada parece justificar técnica ou esteticamente o “urbanismo de congestionamento” e de arquiteturas fálicas e intrusivas, promovidas por arquitetos egocêntricos e especuladores ambiciosos. Assim sendo, para quê complicar construindo em altura?
Mestre en Ordenamento do território e Planeamento Ambiental
Escreve quinzenalmente