Ao contrário da mitologia grega, em que os homens iam criando deuses à medida das suas conveniências e cada corporação, produtiva ou recoletora de bens alheios, tinha o seu patrono no Olimpo, por cá, os deuses geringôncicos criaram–se a si próprios, usurpando ilegitimamente direitos alheios. Também no Olimpo grego havia deuses por motivos pouco recomendáveis.
Mas enquanto os deuses gregos recebiam preces do povo em penhor de potenciais favores, por cá são os deuses geringôncicos quem faz as preces, suplicando ao povo que lhes sustente o etéreo assento, em troca de todas as graças, o fim de austeridades passadas e as melhores expetativas de vida. E tomaram a forma de Dionísio, encenando pantominas de rua, diminuindo vistosamente o tempo de trabalho do povo escolhido, dando-lhe assim tempo para festas e festanças comemorativas, contrapartida da suspensão de direitos essenciais, que serviços públicos colapsaram e as esperas para cirurgia aumentaram em meses. Nesta troca e baldroca de direitos, sempre há mais funcionários que doentes.
Mas tendo faltado aos deuses geringôncicos a prudência de Métis e a sabedoria de Atena, e sobrado a ilusão e mentira de Polideimos, aí estão mais de 40 greves de diversos setores até ao fim do ano, numa completa ausência do Estado, e logo nos casos em que os cidadãos dele mais necessitam: saúde, transportes, justiça. Os excessos dionisíacos normalmente dão em ressaca, situação em que há que reanimar os crentes com novas visões do paraíso.
E aí temos o ministro da Transição a descer do Olimpo nas vestes de Hades, de Hefesto e da deusa Harmonia, como guardião do subsolo, dos recursos naturais, dos metais e da concórdia a abençoar as petições de habitantes do Fundão que se opõem à exploração de turquesas na serra da Argemela, e de Boticas, que se opõem à prospeção de lítio, devido a supostos efeitos ambientais adversos. Coerentemente, aliás. Se já tinha sido “decretado” o fim da prospeção de energia tão presente como o petróleo, não faria nenhum sentido autorizar a prospeção de uma energia do futuro, como é o lítio. Estamos num país rico – petróleo, turquesas e lítio podem dormir descansados.
E tomando a forma de Pã, protetor da natureza, anunciou drástica diminuição do metano, pela redução para metade do número de bovinos, fortes contribuintes líquidos para o aquecimento global. A carne e o leite chegarão de outros lados, onde os bovinos não poluem. Seguir-se–à a redução de ovelhas e porcos. De carneiros, não – esses, a geringonça não se opõe que aumentem…
Diminuem os bovinos, mas anuncia-se grande incremento no “sumidouro” florestal, sumindo-se aí anualmente um valor de 2 mil milhões de euros, metade do nível geringôncico de investimento público. Um deus de sumir em quatro pessoas distintas: Hades, Hefesto, Pã e Harmonia.
Noutra cena, Mário Centeno, presidente do Eurogrupo, pede a si próprio, ministro das Finanças português, medidas adicionais para cumprir o Pacto de Estabilidade. Nesta ilusão e mentira de ser e não ser, Polideimos era um iniciado…
Em Borba afundou uma estrada e, com ela, cinco cidadãos que pensavam que o Estado era responsável pela segurança de um bem tão público com esse morreram no precipício.
Mas logo Zeus em pessoa veio dizer que não há evidência de que a responsabilidade seja do Estado, e de imediato instaurou um inquérito às pedreiras, inculcando nelas a culpa da desgraça. E logo apareceram convenientes explosões a explicar a derrocada.
Já nos incêndios do ano passado, em que morreram mais de cem portugueses, também a culpa foi das forças da natureza, da trovoada seca, do aquecimento global, do downburst, do raio na árvore… Os deuses, por definição, são irresponsáveis.
Num recente relatório, a OCDE referia “estar a ser manipulado o número de alunos com necessidades educativas especiais, de forma a ‘tirar vantagem’ de regras que obrigam à redução da dimensão de turmas”. Uma das poucas situações para as quais os gregos não tinham deus!… Mas a geringonça criou.
E, em apoteose final, aparece Zeus no tablado a explicar que o desbloqueamento da exportação de carros da Autoeuropa se deu logo que os barcos chegaram ao Porto de Setúbal. A greve foi dos barcos, não dos estivadores…
Com tais proezas, os deuses geringôncicos seriam deuses principais do Olimpo. Certamente na categoria dos menos recomendáveis e dos mais irresponsáveis. E ainda dizem que estamos num estado laico…
Para acabar com tais falsos deuses, só um sistema eleitoral diferente. Corre uma petição na internet. Queira o leitor apreciá-la e juntar o seu nome, se entender.
Economista e gestor, Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”