À lua de mel apaixonada seguiu-se um ano de felicidade qb – mas que nunca se transformou verdadeiramente em amor. Os 12 meses seguintes viram a relação cair na motonia e os últimos seis meses já foram uma completa agonia: uma descrição mais ou menos fiel dos quase dois anos e meio de casamento entre José Mourinho e o Manchester United, que terminou ontem, com os red devils a anunciarem oficialmente a separação nas primeiras horas da manhã num comunicado curto e seco: “O clube agradece ao José pelo seu trabalho durante este período e deseja-lhe sucesso para o futuro.”
A decisão surge dois dias depois da derrota por 3-1 em Anfield, no reduto do eterno rival Liverpool, num encontro onde o Manchester United raramente conseguiu criar perigo para a baliza adversária – pelo contrário: foi submetido a uma intensa e constante pressão dos reds, que viria a dar frutos nos últimos 20 minutos. Com o desaire, os red devils ficaram a 19 pontos do Liverpool, líder da Premier League – uma distância que o próprio Mourinho classificou, no fim do jogo, de “inalcançável”.
Este é, na verdade, o pior arranque de temporada de sempre do Manchester United na Premier League. O clube mancuniano ocupa o sexto lugar, com 26 pontos e 29 golos sofridos em 17 jogos – dois mínimos históricos. Está também fora da Taça da Liga, onde caiu logo na primeira eliminatória em pleno Old Trafford diante do Derby County, equipa do segundo escalão. De positivo, só mesmo o apuramento para os oitavos-de-final da Liga dos Campeões, terminando em segundo lugar no grupo H, o mesmo da Juventus. O sorteio, todavia, colocou o PSG no caminho do United, pelo que também nesta prova Mourinho não iria ter vida fácil (em teoria, obviamente).
Da quase divindade à dispensa Longe vão os tempos em que José Mourinho era visto quase como um semideus em Inglaterra. Inesquecível a sua apresentação aos jornalistas ingleses aquando da chegada ao Chelsea, pouco depois de ser campeão europeu com o FC Porto, onde se auto-intitulou como um “treinador especial”. Ficou o Special One desde então, e foi fazendo por manter o epíteto: nos primeiros três anos nos blues, seis troféus enriqueceram-lhe o currículo, com destaque para os dois campeonatos – num clube que não conseguia esse objetivo há 50 anos…
O início de 2007/08 não foi famoso, e o multimilionário russo Roman Abramovich resolveu mudar. Mourinho também: viajou para Itália e ali voltou a conquistar tudo (Champions incluída), aceitando depois o repto de mais um gigante, no caso o Real Madrid. Em Espanha, o primeiro ano não correu mal, o segundo foi fantástico e o terceiro… um enorme fracasso. Estavam abertas as portas de Inglaterra, e novamente o Chelsea disposto a pôr um sorriso na cara do homem nascido em Setúbal – é verdade: na segunda apresentação em Stamford Bridge, Mourinho pediu para deixar de ser o Special One e passar a ser o Happy One, tamanha a felicidade que dizia sentir por estar de regresso a “casa”.
A época de 2013/14 não foi nada de mais, mas na segunda o “mojo” especial voltou a fazer-se sentir: o Chelsea venceu o campeonato e a Taça da Liga e Mourinho voltava a ser o maior. Sol de pouca dura, porém: a 17 de dezembro de 2015, com os blues a agonizar na segunda metade da tabela, a apenas um ponto da zona de descida, Abramovich perdeu novamente a paciência. Mourinho descansou uns meses, retemperou as energias e voltou triunfal a terras de sua majestade, agora para assumir o leme do bem mais poderoso – mas órfão de um comandante desde a reforma de Sir Alex Ferguson – Manchester United.
Ao primeiro jogo oficial, o primeiro troféu: os red devils bateram o Leicester, surpreendente campeão em 2015/16, por 2-1, com o genial sueco Zlatan Ibrahimovic a fazer o golo decisivo na sua estreia oficial pelo clube. Alguns meses depois, a Taça da Liga, troféu pelo qual Mourinho sempre teve enorme simpatia – foi a primeira coisa que conquistou no Chelsea. Vendo o comboio europeu a fugir na Premier League, o técnico português apostou todas as fichas na Liga Europa e acabou mesmo por vencer a prova (única que faltava no palmarés do United), conseguindo desse modo a qualificação para a Champions da época seguinte – no campeonato, o Manchester não foi além do sexto lugar.
Três troféus num ano: nada mau, visto assim. O problema foi que a partir daí, não chegou mais nenhum: em 2017/18, o Manchester United terminou em segundo, a 19 pontos do campeão – o eterno rival City… de Pep Guardiola, com quem Mourinho batia de frente desde os tempos dos Real-Barcelona –, perdeu a final da Taça de Inglaterra e a Supertaça Europeia e caiu nos oitavos-de-final da Champions e nos quartos da Taça da Liga. E pronto, chegou 2018/19, amontoaram-se os desentendimentos – mais ou menos públicos – com os jogadores e deu-se o despedimento ao fim de dois anos, cinco meses e 13 dias. Que, diga-se, irá custar bem caro ao United: de acordo com a imprensa inglesa, Mourinho deverá receber perto de 27 milhões de euros de indemnização, pois tinha contrato até ao fim da temporada 2019/2020.
Esta quarta-feira, o Manchester United oficializou a contratação de Ole Gunnar Solskjaer para substituir o técnico português. O anúncio oficial surge apenas um dia após a saída de Mourinho. O antigo jogador norueguês vai agora treinar a equipa pela qual alinhou entre as épocas 1996/97 e 2006/07.