“Loro”, o filme de Paolo Sorrentino que recentemente vi, procura refletir sobre a velhice de Berlusconi, ou melhor, sobre a sua incapacidade para assumir a velhice.
A nossa atenção é atraída inicialmente para o projeto de vida de uma figura que, afinal, se revelará secundária. É ela, contudo, que nos vai prodigalizar uma visão maravilhosa do que poderá ter sido – de certa maneira foi-o mesmo – o imaginário do paraíso berlusconiano: um mundo recheado de jovens e belas modelos, tal como, de resto, era projetado e exibido nos seus canais de televisão.
O filme, porém, rapidamente evolui para o drama pessoal de Berlusconi: encantonado entre os sonhos que vende na TV, a imagem que de si faz como fantástico figurante dos mesmos e a sua condição real de figura pública abatida ao efetivo da política.
Revela, enfim, a imagem de um homem irremediavelmente velho e já incapaz de qualquer sedução baseada naquele arquétipo, por si sonhado, de figura jovem, insaciável e vencedora.
O que se conta no filme é, na verdade, a insistência impossível – e, portanto, bufa – de Berlusconi ao procurar situar–se, não apenas além dos limites da sua idade física como, sobretudo, num mundo que lhe sucedeu e que ele, tendo ajudado a criá-lo, não consegue mais entender nem com ele interagir.
Como por acaso, pude ler, entretanto, um artigo do semanário francês “Marianne” sobre o envelhecimento dos intelectuais desse país e – sim ou não – das ideias que ainda procuram veicular.
A pergunta que a ele subjaz parece, numa primeira vista, aberrante: envelhecerão as ideias e o espírito de quem as produz em conjunto com o físico de quem as congemina?
O problema não é tanto o da avaliação da validade objetiva dessas ideias, mas o da perceção da adequação sucessiva entre o físico, o espírito e as ideias seguidamente produzidas por quem percorreu já um longo caminho de vida.
Produzirá um pensador velho ideias próprias da sua idade?
Teria o mesmo pensador refletido, antes, do mesmo modo quando era mais novo?
Para nossa exasperação – e por mim falo, pois já não sou jovem –, o artigo daquele magazine brinda-nos, suspicazmente, com um cruel fragmento de Chantal Jaquet.
Diz a filósofa, socorrendo-se da “Ética” de Espinosa: “O espírito não é mais do que a ideia do corpo e do que o afeta (…) uma maneira de pensar o corpo e as moléstias que o atingem. O estado de espírito é, consequentemente, uma função do estado do corpo. Nestas condições, tudo o que diminui a força corporal menoriza a força do pensamento.”
Será assim e em que medida?
Se sim, terá mais razão do que pensa o autor do livro de que aqui falei na semana passada quando afirma “(…) somos nós que nos pintamos e somos nós próprios as matérias dos nossos livros”.
Os pensamentos que em cada momento exprimimos serão, pois, nesta circunstância, o retrato atual do que somos.
Para quem fez da vida – como na minha geração muitos fizeram – um exercício empenhado e permanente de ativismo político e social, tal perspetiva é ainda mais assombrosa.
É que teremos todos de questionar, portanto, a vontade e a oportunidade de continuar, ou não, a intervir e, em caso afirmativo, a razão de ser dessa intervenção, pensada agora a partir de uma atitude já fisicamente diferente e mais debilitada.
Ter a coragem de o admitir não significa necessariamente renunciar, mas sim adequar a intervenção possível à inelutável realidade: a nossa e a do mundo.
Será penoso, mas porventura a única maneira de permanecer vivo e continuar a refletir a vida como ela é em todas as suas dimensões.
Escreve à terça-feira