“Operação Integrada” de Entrecampos


O resultado desta venda é embaraçoso para todos nós. A empresa que mais despejos executou em Lisboa no último ano tenta constituir-se como “parceiro” do município para construir uma parte significativa da cidade.


É assim que foi denominada uma das maiores operações urbanísticas na cidade de Lisboa, que inclui os terrenos da antiga Feira Popular. O processo que foi aprovado pelo executivo municipal conta, desde o seu início, com algumas particularidades que importa notar. Além do nome – “Operação Integrada” é uma invenção que não encontra enquadramento jurídico-urbanístico na legislação portuguesa –, o estudo urbanístico que lhe subjaz não tem caráter vinculativo por vir instruído como “Unidade de Execução” – que o nosso enquadramento jurídico entende como instrumento de execução de plano, e não como documento legislador. Mais, a operação não cumpre a determinação da assembleia municipal, que condiciona a alienação dos terrenos constantes no processo a incluir 25% de área de construção para habitação efetiva (excluindo instalações residenciais, hoteleiras e afins), e a área da operação é estendida às avenidas adjacentes (passeios e estradas), num esforço que só se entende para aumentar a área de edificabilidade dos terrenos a alienar. Estas objeções constam da exposição feita pela procuradora Elisabete Matos, endereçada à CML, a partir de uma queixa ao Ministério Público apresentada pelo CDS-PP.

Ainda assim, e após um período de suspensão, o município decidiu avançar para o processo de alienação. Soube-se esta semana que a Fidelidade venceu a hasta pública oferecendo 274 milhões de euros.

O resultado desta venda é embaraçoso para todos nós. A empresa que mais despejos executou em Lisboa no último ano, na preparação da venda de dezenas de imóveis arrendados a um fundo abutre, tenta constituir-se como “parceiro” do município para construir uma parte significativa da cidade. Mas deixemos a estratégia da Fidelidade e dos seus muitos facilitadores para outro artigo e concentremo-nos na decisão municipal.

Não tendo dúvidas de que, para o presidente e a maioria que gerem o município, o aparecimento da Fidelidade nesta operação também é motivo de embaraço, importa deixar claro que ela resulta de uma forma caduca de construir cidade. Havia inúmeras formas de desenhar esta operação urbanística, mas implicariam que se rompesse com a forma de fazer urbanismo que vigora nas últimas três décadas na CML.

De uma forma escorreita, deixo algumas questões passíveis de o demonstrar. Porque se faz um processo de alienação de montantes astronómicos, condicionando os seus atores a um pequeno grupo de grandes investidores? Porque não se desenhou um processo de alienação por pequenos lotes, de modo a atrair pequenos investidores e poupanças em vez de concentrar a operação num grande lote em que o Estado fica nas mãos de um único grande investidor? Porque não se optou por ensaiar um fundo de terras comunitárias – as famosas CLT (community land trust), que são prática corrente em países como Inglaterra ou Holanda? Porque não se convocou previamente uma rede de parceiros de caráter não especulativo – cooperativas de moradores, ONG’s de construção, associações de moradores, etc. – para ensaiar outras formas de construir cidade?

Quatro anos passados desde que o município conseguiu recuperar os terrenos do Parque Mayer e de Entrecampos para o domínio público, pagando uma indemnização de 101 milhões de euros à Bragaparques, eis que voltamos a ter um elefante na sala para que, futuramente, se continue a despejar milhões do erário público corrigindo más decisões urbanísticas.

 

Escreve à segunda-feira


“Operação Integrada” de Entrecampos


O resultado desta venda é embaraçoso para todos nós. A empresa que mais despejos executou em Lisboa no último ano tenta constituir-se como “parceiro” do município para construir uma parte significativa da cidade.


É assim que foi denominada uma das maiores operações urbanísticas na cidade de Lisboa, que inclui os terrenos da antiga Feira Popular. O processo que foi aprovado pelo executivo municipal conta, desde o seu início, com algumas particularidades que importa notar. Além do nome – “Operação Integrada” é uma invenção que não encontra enquadramento jurídico-urbanístico na legislação portuguesa –, o estudo urbanístico que lhe subjaz não tem caráter vinculativo por vir instruído como “Unidade de Execução” – que o nosso enquadramento jurídico entende como instrumento de execução de plano, e não como documento legislador. Mais, a operação não cumpre a determinação da assembleia municipal, que condiciona a alienação dos terrenos constantes no processo a incluir 25% de área de construção para habitação efetiva (excluindo instalações residenciais, hoteleiras e afins), e a área da operação é estendida às avenidas adjacentes (passeios e estradas), num esforço que só se entende para aumentar a área de edificabilidade dos terrenos a alienar. Estas objeções constam da exposição feita pela procuradora Elisabete Matos, endereçada à CML, a partir de uma queixa ao Ministério Público apresentada pelo CDS-PP.

Ainda assim, e após um período de suspensão, o município decidiu avançar para o processo de alienação. Soube-se esta semana que a Fidelidade venceu a hasta pública oferecendo 274 milhões de euros.

O resultado desta venda é embaraçoso para todos nós. A empresa que mais despejos executou em Lisboa no último ano, na preparação da venda de dezenas de imóveis arrendados a um fundo abutre, tenta constituir-se como “parceiro” do município para construir uma parte significativa da cidade. Mas deixemos a estratégia da Fidelidade e dos seus muitos facilitadores para outro artigo e concentremo-nos na decisão municipal.

Não tendo dúvidas de que, para o presidente e a maioria que gerem o município, o aparecimento da Fidelidade nesta operação também é motivo de embaraço, importa deixar claro que ela resulta de uma forma caduca de construir cidade. Havia inúmeras formas de desenhar esta operação urbanística, mas implicariam que se rompesse com a forma de fazer urbanismo que vigora nas últimas três décadas na CML.

De uma forma escorreita, deixo algumas questões passíveis de o demonstrar. Porque se faz um processo de alienação de montantes astronómicos, condicionando os seus atores a um pequeno grupo de grandes investidores? Porque não se desenhou um processo de alienação por pequenos lotes, de modo a atrair pequenos investidores e poupanças em vez de concentrar a operação num grande lote em que o Estado fica nas mãos de um único grande investidor? Porque não se optou por ensaiar um fundo de terras comunitárias – as famosas CLT (community land trust), que são prática corrente em países como Inglaterra ou Holanda? Porque não se convocou previamente uma rede de parceiros de caráter não especulativo – cooperativas de moradores, ONG’s de construção, associações de moradores, etc. – para ensaiar outras formas de construir cidade?

Quatro anos passados desde que o município conseguiu recuperar os terrenos do Parque Mayer e de Entrecampos para o domínio público, pagando uma indemnização de 101 milhões de euros à Bragaparques, eis que voltamos a ter um elefante na sala para que, futuramente, se continue a despejar milhões do erário público corrigindo más decisões urbanísticas.

 

Escreve à segunda-feira