Holograma.  Palco da ilusão ou um espetáculo à parte?

Holograma. Palco da ilusão ou um espetáculo à parte?


O holograma de Maria Callas atua lado a lado com uma orquestra. Roy Orbison canta, toca e dança. E em 2019 será Amy Winehouse a viver para além da morte. Mero teatro da ilusão, para capitalizar o legado de estrelas desaparecidas, ou uma forma alternativa de espetáculo? O holograma é real e está aí para…


Quase todas as histórias têm uma pré-história. 2012. Festival de Coachella, em plena fase de transição para a era dos telemóveis em que nada escapa ao olho da câmara. Subitamente, durante o concerto de Snoop Dogg e Dr. Dre, Tupac Shakur, assassinado a 13 de setembro de 1996, surge em palco. Não, não era o consumar das habituais teorias da conspiração. As estrelas morrem de verdade e aquele Tupac não era de carne e osso mas sim um holograma. Tão perfeito que confundiu a plateia. 80 mil pessoas ficaram perplexos a ouvir o single póstumo de 1998 “Hail Mary” e o despique com Snoop Dogg em “2 Of Amerikaz Most Wanted”, gravado antes de Tupac ter morrido.

Depressa a notícia se propagou, dominando o café da manhã nas redes sociais. Só a ausência de rotação lateral do holograma deu certezas que não se tratava do primeiro ícone do hip-hop mas o acontecimento estava criado e gerou amplo debate entre os que defendem a possibilidade de uma segunda vida dos que partiram, para gáudio daqueles que não os puderam ver, não tinham idade ou nem sequer eram nascidos; e os que contra-atacam com a impossibilidade de recriar figuras icónicas sem esvaziar a verdade crua e humana de um espetáculo à mercê do erro, como ele é apresentado desde o teatro grego e perdura na sociedade ocidental.

A projeção de Tupac não se formou a partir de fotos de arquivo mas sim através de uma imagem sintética criada por computador, através de uma antiga técnica de projeção usada no séc. XIX. A produção foi do Digital Domain Group, uma empresa de efeitos especiais, habituada a blockbusters de Hollywood, como “O Curioso Caso de Benjamin Button”. Criado o precedente, a hipótese de algumas das figuras icónicas da cultura popular ressuscitarem, de Elvis Presley a Amy Winehouse, colocou-se. Na verdade, o Rei do Rock surgira em holograma em 2007, num dueto com Celine Dion no concurso “American Idol”. Mas aí a técnica foi mais conservadora, recorrendo a sincronia entre uma atuação de 1968 e a tecnologia disponível. Mas as primeiras resistências e o investimento necessário para materializar a ideia a uma escala maior travaram o sonho de ver Elvis Presley, Nina Simone, Amy Winehouse ou os Led Zeppelin completos com o baterista John Bonham de novo.

A Digital Domain acabou por abrir falência alguns meses depois mas não sem antes o supervisor da “operação Tupac” deixar uma profecia. O holograma não pretendia ser uma substituição do elemento humano mas antes um universo paralelo à música, ao cinema e ao teatro. E em breve a tecnologia iria permitir que o holograma se democratizasse e chegasse a casa. Como um videojogo. E se o futuro do entretenimento vier a ser doméstico como a realidade virtual já vai permitindo, passará por certo pelo holograma.

O tempo voou, a tecnologia evoluiu e em 2018 o holograma acordou da hibernação. A BASE Entertainment fundou a BASE Hologram com a intenção de criar uma nova indústria. Este ano, levou Roy Orbison (1936-1988) a quinze cidades europeias com bons resultados comerciais: 38 mil bilhetes vendidos. O músico é projetado por um laser que gera uma imagem tridimensional em palco. Orbison canta, toca e dança. E a “Oh, Pretty Woman” parece real, de carne e osso.

Já Maria Callas (1923 – 1977) está em digressão, acompanhada por uma orquestra ao vivo, com o espetáculo “Callas in Concert”. “Aqueles que adoram Callas e lamentam não ter podido ouvi-la ao vivo — e não acredito que haja muitas pessoas vivas que tenham tido essa experiência — vão ter essa oportunidade”, disse Martin Tudor, presidente executivo da companhia, ao diário espanhol “El País”. Os preços variam de sala para sala mas para se ter uma ideia, em Paris custavam entre 42 e 110 euros.

No palco, não é o rosto da soprano que se observa, mas o de uma dupla que ensaiou coreografias com o produtor de ópera Stephen Wadsworth, durante cerca de 12 semanas, para conseguir a melhor imitação possível. “Acho que podia ser a Callas lá em cima [no palco]. As pessoas ao meu lado na plateia acharam que eram imagens dela”, assumiu Wadsworth ao site Operawire, a propósito da recriação, trabalhada ao longo de nove meses.

Quem nunca desistiu da ideia do holograma foi Mitch Winehouse, o pai de Amy Winehouse, no olho do furacão de “Amy” a premiada biografia visual, muito contestada pelo progenitor. Em 2019, não só está prevista a estreia da “biografia oficial” para cinema da cantora como de um holograma e respetiva digressão. “Se ouvisse todas as pessoas bem-intencionadas que dizem que isto é macabro, nunca seria feito nada. Temos de fazer o que é melhor para a família, para a Amy e para a fundação”, defendeu ao “Guardian” Mitch Winehouse, o timoneiro da fundação para a qual reverterão todos os lucros. A Fundação Amy Winehouse apoia jovens adictos a substâncias ilícitas.

De acordo com Brian Becker, da BASE Entertainment, o holograma de Amy Winehouse reúne todos os elementos para “um espetáculo incrível”. E diz: “A música e vida dela estão a ser celebradas em múltiplos meios. Ela é icónica, contemporânea e a música dela apela a todas as gerações. Ela era linda e carismática. E a vida dela foi dramática”.