Frederico Rosa. “Não abdico da ligação Barreiro-Montijo”

Frederico Rosa. “Não abdico da ligação Barreiro-Montijo”


Presidente da Câmara do Barreiro defende que não faz sentido investir num novo aeroporto sem incluir uma via rodoviária até ao Barreiro


O socialista Frederico Rosa conquistou o Barreiro à CDU nas eleições autárquicas de 2017. Um ano e dois meses depois faz o balanço, garante que os comunistas perderam porque o concelho estagnou durante 12 anos e admite que ofereceu pelouros a todos os partidos, mas só o PSD aceitou. 

 

Tem um ano de mandato. Qual é a sua principal prioridade para 2019?

A principal prioridade para 2019 é continuarmos tanto o investimento como as obras de requalificação de que o Barreiro precisa. Lançar o Barreiro numa rota que seja apelativa para o investimento, e para ser apelativo temos de fazer investimentos públicos também para contagiar os privados. 

Tais como?

Tais como numa iluminação pública deficiente. Por exemplo, o Barreiro ainda tinha iluminárias a vapor de mercúrio e tinha imensos focos desligados, não só na zona urbana, mas também na zona rural. Era uma questão, eu diria, constrangedora para o Barreiro.

Conquistou a câmara ao Partido Comunista, que tem muita força nesta região. O que foi decisivo para a vitória do PS?

Acho que a CDU perdeu porque o Barreiro estagnou durante 12 anos. O Barreiro era uma cidade envelhecida, sem rumo, sem vida, sem alegria, sem dinâmica. Era uma coisa que qualquer pessoa que estivesse no Barreiro percebia. Por isso, também percebia que não era surpresa nenhuma que esta reviravolta ocorresse.

Tem ideia de que a imagem do Barreiro continua a ser a de um concelho com uma zona industrial degradada?

Tenho a ideia de que essa é a imagem vigente. Essa é a ideia que as pessoas têm do Barreiro. Por isso, é fundamental reposicionar o Barreiro. Eu tenho as finanças da câmara…

Porque não deixou as finanças da câmara para outro vereador?

Acho que com o início de um novo ciclo, e sendo eu gestor, era fundamental invertermos a estratégia financeira. Fizemos um orçamento sem empolamento de receitas. O que dá uma dor de cabeça, convencer as pessoas de que temos de fazer despesa com receitas reais. 

Mas havia empolamento de receita?

Sim, havia empolamento de receitas assumido pelo anterior presidente. Deixe-me voltar a falar dos investidores. O Barreiro ainda é visto como uma terra cinzenta, com poluição, com chaminés, e distante, mas estamos a 15 minutos do Terreiro do Paço de barco. E temos uma rede de transportes públicos própria.

E como se contraria essa ideia?

É trazer muita gente de visita ao Barreiro. Uma das primeiras coisas que fizemos foi trazer muitos administradores de unidades hoteleiras ao Barreiro. Temos recebido investidores dos quatro cantos do globo.

Qual é o perfil do investidor que vos chega?

Hoje em dia temos um investimento muito forte no setor imobiliário. 

O que está a dizer é que o Barreiro está a tornar-se um concelho apetecível para as famílias. Essa situação deve-se ao facto de ter preços baixos?

Sim, sim, é porque tem preços competitivos. 

Mas isso não se pode inverter?

Pode inverter-se. Mas o que sabemos é que hoje não estamos nesse patamar. O que não quer dizer que não haja uma subida de preços. Nós temos não só esse vetor, mas também o fator dos transportes públicos. Vamos ter uma revolução autêntica, com o passe único, e temos redes de transportes. Na zona urbana temos paragens de 100 em 100 metros, nas zonas rurais, pouco mais do que isso, temos barco de ligação ao Terreiro do Paço, que interliga com o metro, e esse fator é fundamental para a bolsa de uma família. Temos muito imobiliário para recuperar e isso é um investimento para as famílias que fazem obras na própria casa em zonas privilegiadas. O imobiliário novo que começa a nascer também começa a ser uma opção interessante e os transportes públicos, obviamente, são uma imagem de marca do Barreiro. Das primeiras conversas que tive com os vereadores, nomeadamente, com o vereador das Obras, disse-lhe uma coisa que é tão simples como isto, mas não deixa de se traduzir como uma verdade: no Barreiro não se viam gruas. O Barreiro não tinha gruas.

A culpa é de quem? É da CDU?

A culpa não é pessoalizada. É o que é. As pessoas não precisam de dizer que há aqui um buraco porque as pessoas passam por ele todos os dias. 

Quando ganhou as eleições, qual foi a sua principal dificuldade? Não tinha maioria absoluta.

Eu ofereci pelouros a todos os vereadores eleitos.

Só o PSD é que aceitou.

Só o PSD é que aceitou. Da CDU não tive resposta.

Preferia que tivesse sido a CDU a aceitar e não o PSD?

Não faço esse tipo de juízo de valor.

Estou a fazer a pergunta porque, no contexto nacional, o PS preferiu uma solução à esquerda. No Barreiro é excessivo dizer que há um bloco central?

Acho que sim porque, a nível local, as coisas não podem ser vistas como no panorama nacional, porque as lógicas são outras. Até porque estamos a falar de um concelho onde a CDU tem uma lógica de poder. A CDU tem uma lógica de poder instalado no concelho. A CDU é o statu quo do Barreiro. A nível nacional é o oposto. E, portanto, as coisas não se podem traduzir assim. Aquilo que nos interessa é que a minha cidade evolua, porque quem é eleito está sempre de passagem, mas eu vou continuar a morar cá, o meu filho vai continuar a crescer cá. 

Os seus familiares também estão ligados à política?

Não, não, não. Primeiro, os meus familiares eram administrativos, o meu pai ainda é. O meu pai teve de emigrar para eu poder ir para a faculdade, caso contrário não tínhamos hipótese. É das tais coisas que não vou poder pagar-lhe.

E votavam CDU ou PS?

Os meus pais, a partir de um determinado momento, por desilusão, deixaram de votar CDU.

Como classifica a sua relação com o PSD local?

É uma relação honesta, cordial, olhos nos olhos, feita de diferenças, como é óbvio, mas acima de tudo feita de honestidade e de capacidade de diálogo. Isto é válido para o PSD, mas também para qualquer força partidária. Por isso é que digo que mais do que bloco central, ou de qualquer tipo de bloco, acho que este é um acordo entre duas forças partidárias que querem desenvolver a sua cidade. 

Bom, voltando à questão dos investimentos. O Barreiro não tem um hotel. A Quinta Braamcamp pode ser uma solução para instalar esse hotel ou é preferível ter uma área residencial?

A Quinta Braamcamp também pode ser um local para ter um hotel. A minha visão sobre essa zona é muito simples. Não temos um projeto para a Braamcamp. O que é que nós sabemos? O PDM atual prevê habitação naquela quinta. Aquilo que nós temos tido, aí sim, são investidores americanos, asiáticos, ingleses, africanos, investidores de um porte diferente. Estamos a falar já de muitos milhões.

Mas pode ser um risco se o único investidor que aparecer quiser transformar o espaço num condomínio privado.

É um risco para o investidor, porque nós não aceitamos isso. As nossas balizas são essas. Não quero um espaço que é tão emblemático, não só pelo espaço em si, mas também pela relação que tem com o rio e com Lisboa, que tenha cancelas à entrada e à saída. O espaço da quinta em si tem de ser um espaço de fruição pública.

Além do imobiliário, quais são as outras áreas onde gostaria de ver investimento privado?

O Barreiro é um concelho envelhecido.

Tem quantos habitantes?

Setenta e oito mil habitantes. O Barreiro perde população há décadas e agora tentamos reverter esta curva. O que é fundamental? É que o Barreiro consiga ter um capital humano jovem, qualificado, porque também sabemos que as empresas também se situam junto de pessoas com qualificações. 

O terminal de contentores é a solução para a criação de emprego?

Não é a solução. É uma solução. Eu tenho uma ideia, e já a defendia antes de ser presidente da câmara, de que o terminal de contentores não pode ser a estratégia do Barreiro, tem de se adequar à estratégia do Barreiro. O que é que nós sabemos pelos estudos que nos foram apresentados? Primeiro, o terminal de contentores não pode enclausurar-nos numa parede de contentores, como estava na primeira versão.

Ou seja, não pode ser na Avenida da Praia.

É impensável que seja na Avenida da Praia. Estamos a trabalhar junto da APL [Administração do Porto de Lisboa], desde que entrámos em funções, para localizar o terminal de contentores entre os dois terminais que o Barreiro já tem, na zona industrial, de indústria pesada, onde o Barreiro já tem atividade portuária. 

O projeto do terminal de contentores fica coxo se não tiver a terceira travessia no Tejo?

Não partilho dessa opinião. Agora, não tenho dúvidas nenhumas de que o terminal de contentores no Barreiro é uma pressão decisiva para que haja a tão desejada terceira travessia sobre o Tejo com vocação ferroviária. Dizer que o projeto fica coxo, não concordo minimamente; dizer que o projeto, com uma ligação de ferrovia à Margem Norte, fica muito melhorado, absolutamente de acordo. O nosso rio tem pouco tráfego. Acho que a distribuição por barcaças tem de ser sempre equacionada, independentemente de haver condições ferroviárias e rodoviárias. Acho que as coisas não podem ser vistas por oposição. Acho que este mix entre ferrovia, rodoviário e barcaças é excelente.

Mas não precisa de uma terceira travessia?

Uma das vantagens competitivas do Barreiro é ter um ramal ferroviário. O terminal é uma pressão decisiva para que a terceira travessia seja construída.

Já fez chegar as opiniões e preocupações à ministra do Mar e ao ministro do Planeamento?

E não só. E subindo as escadas temos feitos chegar essa preocupação a todos.

Ao primeiro-ministro também?

A todos.

É mais fácil falar com o primeiro-ministro por ser do PS?

Não consigo responder-lhe a isso. O que consigo dizer-lhe é que, no governo, temos tido sempre a porta aberta para poder falar. Quanto ao resto, tem de perguntar aos outros para poder saber. Mas deixe-me dizer duas coisas. A Margem Sul também precisa de coesão territorial. E ainda não entrei na questão do aeroporto. Mas estão interligados com isto. Dou-lhe um exemplo: se um barreirense tiver um filho a estudar na universidade em Almada, e quiser ir de transportes públicos, tem de ir ao Cais do Sodré para depois ir para a Almada. Isto é impensável.

Também existem problemas na ligação Barreiro-Seixal.

É igual. A ligação Barreiro-Montijo, como Barreiro-Seixal, por rodovia, é fundamental para a coesão do território. Para estes projetos-âncora, como o terminal e a possibilidade do aeroporto localizado no Montijo, não tenho dúvidas nenhumas que é fundamental para a coesão territorial de toda uma Margem Sul que também está desconectada. 

Para si é fundamental ter também uma ligação rodoviária Barreiro-Montijo? É um quilómetro….

É um quilómetro da localização do aeroporto, é fundamental ter uma ligação se o aeroporto for para a base aérea do Montijo.

Mas deixe-me insistir ainda no tema da terceira travessia. Há dez anos equacionou-se a hipótese de a terceira ponte sobre o Tejo ser construída também para incluir o comboio de alta velocidade, vulgo TGV. Faz sentido recuperar a defesa dessa proposta agora?

Investimentos desta envergadura têm de ser sempre equacionados com visão. E não podemos alocar centenas de milhões de euros para investimentos para resolvermos apenas o dia de hoje. E, obviamente, aí já percebeu a minha resposta. Quando equacionarmos a construção, se temos obrigação de a equacionar com visão, temos obrigação de equacionar também a alta velocidade, como é óbvio. 

Já falou com o governo sobre esse assunto?

Temos estado a falar sobre este pacote de acessibilidades que podem estar em cima da mesa com estes investimentos, nomeadamente com o ministro [do Planeamento] Pedro Marques.

Já lhe deram algum calendário para o arranque da terceira travessia, da terceira ponte sobre o Tejo?

Não, não me deram nenhum calendário. Se lhe dissesse o contrário, não estaria a ser verdadeiro.

Estão a criar grande pressão para a ligação Barreiro-Montijo, Barreiro-Seixal?

E terceira travessia. A grande força tem sido nossa, de não deixar que este projeto caia, e o que nós sabemos é que estes investimentos podem dar um contributo decisivo para que a terceira travessia não caia, porque estamos a falar de necessidades que vão muito além da realidade local, com um grande foco na ferrovia.

Mas tem tido sinais positivos do governo?

Eu diria que sempre que falo nisto, nunca nos fecham a porta. É isto. Podiam fechar, mas sempre que falo nisto sinto que a porta nunca está fechada.

Tem dito que o aeroporto no Montijo tem de levar em conta os efeitos ambientais, que devem ser mitigados. Afinal, é o grande defensor do aeroporto no Montijo ou preferia que fosse noutro local?

São duas questões diferentes. Sou pragmático na avaliação. Não tenho dúvidas de que Lisboa já deveria ter um aeroporto novo. Hoje em dia, não estamos a decidir se o aeroporto vai para a base aérea ou para o campo de tiro. O que sabemos é que Lisboa está a ser esgotada, é necessário garantir alternativa. Além disso, o turismo tem sido uma grande alavanca para o país e é preciso encontrar uma solução. No Barreiro, nunca houve tanto especialista em aviação e em estudos de impacto ambiental como nos últimos tempos.

Está a referir-se a partidos políticos?

Sim, eu diria que são discussões locais muito partidarizadas. 

Da CDU?

Sim, muito partidarizadas. Eu sei que vai ter, obviamente, um impacto extraordinário ao nível das pessoas, porque vão querer localizar-se no Barreiro, ao nível da atratividade do território, ao nível do investimento, nós sabemos isso. Mas também sei – é para isso que se fazem estudos de impacto ambiental – que a localização [do aeroporto] pode trazer constrangimentos.

Portanto, o que vai propor em reunião em câmara é que o Barreiro apoie a solução do aeroporto no Montijo, mitigados os efeitos ambientais, mas só aceita o projeto com uma ligação rodoviária de um quilómetro entre o Barreiro e o Montijo. É isto?

Sim, é fundamental.

Não abdica disso?

Não abdico da ligação entre o Barreiro e o Montijo como reivindicação nossa, claro. Não faz nenhum sentido fazer um investimento destes e não fazer um quilómetro de ligação, e assim potenciar aqui, mais uma vez, a criação de emprego, a fixação de empresas e a coesão territorial de que a Margem Sul precisa. 

Na sua cabeça é assunto arrumado que um novo aeroporto seja sempre na Margem Sul?

Na minha cabeça faz sentido que um novo aeroporto tenha de ser sempre na Margem Sul.

Na sua lista de reivindicações junto do governo, tem havido maior abertura para a ligação Barreiro-Montijo?

Eu diria que nesta [reivindicação] em concreto temos sentido sempre abertura.

E quanto custa?

Não consigo dizer-lhe porque as soluções que são a ser estudadas são diversas. Por isso é que nunca digo que é uma ponte, um túnel, o que quer que seja. É uma ligação. Estão a ser estudadas várias pontes, temos sentido abertura. 

Se o aeroporto não ficasse na Margem Sul seria uma derrota?

Eu não vejo as coisas como derrota. Hoje em dia há a possibilidade de o aeroporto poder situar-se no Montijo. E, havendo essa decisão do governo, acho que não há nenhum presidente de câmara de qualquer concelho limítrofe que não vá querer otimizar a existência de uma infraestrutura deste tipo. 

Estamos a um ano das eleições legislativas. Como socialista, considera que o PS deve pedir maioria absoluta?

Acho que maiorias não se pedem. Temos contas públicas como nunca tivemos e conseguimos conjugar isso com uma reposição de rendimento às pessoas. E é este caminho que tem de continuar a ser seguido. O PS trabalhou para que as pessoas reconheçam o papel decisivo que o governo teve na mudança da política a nível nacional e na reposição de rendimentos aos portugueses.

Se o PS ganhar e tiver maioria absoluta deve reeditar os acordos à esquerda?

O PS tem o privilégio de poder dialogar à direita e à esquerda. E sendo coerente com o que disse há pouco, se esta política que tem sido seguida, com diálogo à esquerda, possibilitou também que estes resultados aparecessem, acho que este diálogo tem de ser mantido, independentemente do resultado, e diria até intensificado.

Ou seja, para si, a esquerda não é dispensável?

A esquerda não é dispensável de uma governação. E acho que o Partido Socialista, na posição em que está, tem o privilégio de poder dialogar à esquerda e à direita. Esta mudança que houve nas últimas legislativas, que é muito mais importante para a nossa história do que nós temos noção hoje, acho que tem de continuar a ser um caminho percorrido. E o que é facto é que este governo, com este diálogo e esta solução, pôs o país melhor.

Como autarca e socialista, preferia o IVA das touradas a 6, 13 ou 23%?

Não me revejo em nada na proposta aprovada.

Se pudesse teria votado contra a proposta da sua bancada?

Votaria contra a proposta da bancada, como uma posição meramente pessoal, e neste aspeto revejo-me na proposta do governo [de aplicar o IVA a 13% ].

Acha que é um espetáculo violento que mais cedo ou mais tarde terá de desaparecer?

Não sou apologista do ou existe ou desaparece. Cortar a direito, não acho que seja a solução.