Devoção ou birra?
Anulação de um casamento, divórcio, traição, condenações à morte. O reinado de Henrique VIII ficou marcado por várias polémicas. Para capricho do rei, essas polémicas deram origem a uma das maiores transformações na sociedade inglesa.
Henrique VIII teve um caso com Ana Bolena, dama de companhia da sua mulher, Catarina de Aragão. Descontente com o seu casamento e apaixonado por Ana, o rei fez de tudo para conseguir a anulação do casamento.
Para isso, Henrique argumentou que a falta de um herdeiro mostrava que o casamento estava “degradado aos olhos de Deus”. Este argumento não convenceu o Papa Clemente VII, que recusou anular o matrimónio.
Determinado a terminar o casamento, Henrique VIII inicia aquilo que ficou conhecido como a Reforma Inglesa: em 1534 foi criada a Igreja Anglicana. O poder centrava-se agora todo no rei – era ele o chefe supremo da Igreja, podendo assim autorizar ou não a anulação de qualquer matrimónio… incluindo o seu. Foi assim que Henrique conseguiu separar-se de Catarina de Aragão e casar com Ana Bolena.
Mas esta paixão durou pouco tempo: a mãe daquela que viria a ser a futura rainha Isabel I acabou mesmo por ser condenada à morte pelo próprio marido, depois de uma alegada traição.
Henrique VIII não ficou por aqui: como líder da igreja, anulou vários casamentos e abençoou outros tantos. Ao todo teve seis mulheres – Catarina de Aragão (1509-1533), Ana Bolena (1533-1536), Joana Seymour (1536-1537), Ana de Cleves (1540), Catarina Howard (1540-1541) e Catarina Parr (1543-1547) -, mas apenas três filhos: Maria Tudor (Bloody Mary), Isabel I e Eduardo VI.
Esta reforma de Henrique trouxe tempos conturbados: a sua filha Maria I, católica fervorosa, tentou voltar a implementar o catolicismo. De seguida, a sua irmã Isabel honra a memória do pai e retoma a perseguição aos católicos iniciada por Henrique VIII.
Um amor verdadeiro ou apenas uma fachada?
Em dezembro de 1936, Eduardo VIII deixou de ser rei de Inglaterra – a abdicação levou a que o seu irmão Alberto (pai de Isabel II) subisse ao trono como Jorge VI. Porquê? A versão oficial fala num amor incondicional por uma mulher divorciada chamada Wallis Simpson.
Nos anos 30, era impensável que o monarca casasse com uma mulher que já tinha passado por dois matrimónios. Por isso, Eduardo VIII viu-se entre a espada e a parede: o trono ou a sua amada? “É impossível ter a responsabilidade de governar e exercer as minhas funções enquanto rei sem ter o apoio da mulher que amo”, afirmou no discurso de abdicação.
Eduardo e Wallis acabaram mesmo por casar e viver o resto dos seus dias em França, longe da corte e do povo britânico.
Mas será que este casamento foi apenas uma justificação para afastar o rei de Inglaterra? A verdade é que muitos comentavam a forma distante como a norte-americana lidava com o antigo rei de Inglaterra… Para muitos, isto não passou de uma forma de esconder o lado mais negro de Eduardo.
Tudo isto, defendem alguns, terá acontecido porque Eduardo era um simpatizante do partido nazi e, em particular, de Adolf Hitler. Esta proximidade não agradava quer à corte quer ao governo britânico, e pressões internas aliadas a um caso amoroso com uma mulher norte-americana divorciada acabaram por levar à abdicação.
Esta ligação entre Eduardo e o partido nazi manteve-se depois de o tio de Isabel II abdicar. Sabe-se agora que o antigo primeiro-ministro Winston Churchill fez de tudo para que os telegramas que davam conta de uma conspiração nazi para devolver o trono a Eduardo VIII fossem apagados.
Parte desta intriga voltou às páginas de jornais com a série “The Crown”, que se foca na vida de Isabel II. Na série da Netflix é abordado o ressentimento de Eduardo em relação à família real e a sua aproximação ao partido liderado por Hitler.
O anúncio que chegou com dois anos de antecedência
A 16 de março de 1976, o primeiro-ministro Harold Wilson pediu a demissão. A justificação oficial dava conta de um cansaço extremo tanto físico como mental – algumas pessoas defendem que Wilson, naquela altura, já começava a apresentar sinais de Alzheimer.
No entanto, de acordo com a imprensa britânica, a verdadeira razão por detrás da saída do primeiro-ministro era muito mais política e financeira: as dificuldades económicas vividas no Reino Unido e a cisão dentro do Partido Trabalhista devido à entrada na Comunidade Económica Europeia (CEE) motivaram a saída do governante.
A verdade é que Wilson era admirado pela rainha – após o anúncio da sua saída, Isabel II aceitou jantar no número 10 de Downing Street, algo que só tinha feito com Winston Churchill.
Entretanto, a 19 de março, surge outro anúncio: o Palácio de Buckingham anuncia a separação da princesa Margarida, irmã de Isabel II, e de lorde Snowdon. Atenção: separação e não divórcio. “A princesa continuará a cumprir os seus deveres oficiais sem a companhia de lorde Snowdon. Não há planos para um divórcio”, dizia o comunicado emitido em 1976.
Mas porquê anunciar naquela altura? A verdade é que, segundo fontes próximas da família real, o mal-estar entre o casal era notório muito tempo antes deste comunicado oficial. A vida boémia da irmã de Isabel II há muito que era comentada pelos jornais e o afastamento do casal era notícia desde os primeiros tempos de casamento. Ou seja, a separação não apanhou ninguém de surpresa…
Os britânicos ficaram em choque dois anos depois, quando Margarida acabou mesmo por avançar com o divórcio formal.
Será que era mesmo necessário anunciar uma separação três dias depois da saída do primeiro-ministro do Reino Unido ou foi apenas uma forma de desviar atenções e encher páginas de jornais e revistas?
O brandy de Carlos e o escândalo sexual
Às vezes não é preciso ter algo com tanto impacto mediático como um casamento ou um divórcio para prender as atenções de todos. Foi o que aconteceu com a história do brandy do príncipe Carlos.
O filho de Isabel II tinha apenas 14 anos quando, durante uma visita de estudo, foi fotografado a beber um brandy. O príncipe, na altura, era aluno do colégio Gordonstoun. A 17 de junho de 1963, os estudantes ficaram hospedados num hotel na ilha de Lewis. Reza a história que, depois do jantar e antes de uma sessão de cinema, o príncipe dirigiu-se ao bar do hotel e decidiu pedir uma bebida. O filho da rainha nunca tinha provado uma bebida alcoólica, com exceção de um brandy de cereja que Isabel II lhe deu a provar antes de um dia de caça. Ora, sem conhecer outra bebida, Carlos decidiu pedir isso mesmo. O que o príncipe não sabia era que um jornalista estava presente no bar do hotel e a notícia acabou por ir parar aos jornais – nalguns casos, a história chegou a ser tema de capa.
O que surpreende é o timing de tudo isto. É que, 12 dias antes desta aventura do príncipe de Inglaterra, rebentou o caso Profumo, o escândalo político que abalou o Reino Unido. Em causa estava a ligação sexual entre John Profumo, secretário de Estado da Guerra do governo de Harold Macmillan, e a modelo de 19 anos Christine Keeler. Profumo, que na altura tinha 46 anos, começou por negar as histórias publicadas na imprensa, mas a 5 de junho de 1963 acabou mesmo por assumir o caso com a jovem modelo e pedir a demissão do cargo. Este escândalo teve um impacto tal na vida política britânica que Harold Macmillan acabou por, em outubro, pedir a demissão do cargo de primeiro-ministro alegando razões de saúde.
Neste caso, quer fosse a intenção ou não, a polémica monárquica teve mais força do que a vida política do Reino Unido.