Viagens Galp no Euro 2016. Ministério Público não acusa ex-secretários de Estado

Viagens Galp no Euro 2016. Ministério Público não acusa ex-secretários de Estado


Rocha Andrade, João Vasconcelos e Jorge Costa Oliveira, que se demitiram em 2017 por causa das idas ao Euro 2016 a convite da petrolífera, não vão a julgamento. Foram aplicadas multas entre os 600 e os 4500 euros


Os três secretários de Estado que se demitiram por causa das idas a convite da Galp a jogos da Seleção nacional no europeu de futebol de França 2016 não vão a julgamento. Ao que o i apurou, o Ministério Público (MP) decidiu propor aos três ex-secretários de Estado e demais arguidos dos respetivos gabinetes a suspensão provisória do processo a troco do pagamento de uma multa.

Considerando não existir base para a continuidade do processo relativamente aos arguidos titulares de cargos políticos e membros dos gabinetes envolvidos nas viagens ao Euro, o MP aplicou-lhes multas entre os 600 e os 4500 e euros. Os valores mais altos foram aplicados aos titulares das secretarias de Estado.

Rocha Andrade (Assuntos Fiscais), João Vasconcelos (Indústria) e Jorge Costa Oliveira (Internacionalização) são os três ex-secretários de Estado envolvidos no chamado caso Galpgate.

Caso seja determinada a suspensão provisória do processo – e para isto apenas é necessário o consentimento dos arguidos – e os arguidos cumpram as injunções aplicadas e não cometam, no período da suspensão, um crime da mesma natureza, o processo é arquivado.

Viagens pagas pela Galp O caso das viagens ao Euro 2016 pagas pela Galp envolveu, num primeiro momento, o ex-secretário de Estado das Finanças, Rocha Andrade, mas depressa se ficou a saber que outros governantes tinham tido viagens pagas pela petrolífera, que era patrocinadora da seleção. Também João Vasconcelos, na altura secretário de Estado da Indústria, tinha viajado para França, tal como Jorge Costa Oliveira, ex-secretário de Estado da Internacionalização.

A polémica instalou-se rapidamente porque a lei que regula os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos contém um artigo onde os “recebimentos indevidos” podem dar lugar a penas de prisão que vão de um a cinco anos para os políticos que recebam “vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida”.

No entanto, nem todos interpretaram a norma da mesma forma e o facto de a interpretação não ser consensual também fez correr muita tinta, até porque a legislação não penaliza “as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes”.

A Galp não demorou a reagir e garantiu sempre que “este tipo de iniciativas é comum e considerado aceitável no plano ético das práticas empresariais”. O objetivo era “fomentar o espírito de união em torno da Seleção Nacional”.

Viagens investigadas António Costa acabou por, numa primeira fase, tentar desvalorizar o caso, dando-o por encerrado depois de os governantes em causa terem restituído as despesas correspondentes às viagens. A suavizar ainda mais a situação estava a garantia de que o governo iria aprovar, ainda durante o verão de 2016, um código de conduta destinado a gerir este tipo de situações.

Com o código de ética, anunciado pelo ministro dos Negócios Estrangeiro, Augusto Santos Silva, o governo pretendia clarificar a norma atual da lei para que ela se “torne taxativa e, portanto, em relação à qual o seu cumprimento não ofereça quaisquer dúvidas”. Augusto Santos Silva chegou mesmo a relembrar que, apesar de haver uma proibição geral de aceitação ou entrega de ofertas, “há gestos de cortesia que são aceitáveis por razões que têm a ver com os usos e costumes ou com a adequação social”.

No entanto, se Costa queria ver o assunto morrer, Marcelo Rebelo de Sousa não partilhava dessa intenção. Regressado de férias, no final de agosto desse ano, sublinhava a sua posição: “Tudo o que possa permitir uma suspeição do relacionamento entre poder económico e poder político não é bom. Não é bom para o poder político, não é bom para a política e não é bom para a visão que as pessoas têm dos políticos”.

O caso que gerou mais polémica foi o de Rocha Andrade. A petrolífera tinha, nesta altura, um conflito ainda em aberto com o Estado português por se recusar a pagar um imposto. E este era um assunto da responsabilidade direta do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Recorde-se, aliás, que a empresa chegou a interpor recursos hierárquicos (para o ministério) por discordâncias em relação aos impostos extraordinários que tinha de pagar. O imposto em questão foi aplicado pela primeira vez à Galp, REN e EDP, em 2014, sendo que só a Galp conseguiu não pagar os 100 milhões de euros.

Demissões e código de conduta Os secretários de Estado da Internacionalização, dos Assuntos Fiscais e da Indústria acabaram por se demitir no início de julho de 2017. Os governantes explicaram, em comunicado, que decidiram “exercer o seu direito de requerer ao Ministério Público a sua constituição como arguidos”, depois de terem tido conhecimento de que “várias pessoas foram ouvidas pelo Ministério Público e constituídas como arguidas no âmbito de um processo inquérito relativo às viagens organizadas pelo patrocinador oficial da seleção portuguesa de futebol, durante o campeonato da Europa de 2016”.

Jorge Costa Oliveira, Fernando Rocha Andrade e João Vasconcelos mostraram-se, nessa altura, convictos de que “os seus comportamentos não configuram qualquer ilícito”, mas decidiram sair para que “o executivo não seja prejudicado, na sua ação, por esta circunstância”.

Este caso levou o governo a criar o Código de Conduta para ficar claro em que condições e até que valores podem aceitar ofertas ou convites de entidades privadas. O documento foi aprovado em setembro de 2016 e define, por exemplo, que os governantes não podem aceitar ofertas superiores a 150 euros e “devem recusar liminarmente quaisquer ofertas, convites ou outras facilidades que possam ser fornecidas na expetativa de troca de uma qualquer contrapartida ou favorecimento”.

O i tentou contactar os três ex-secretários de Estado, mas não conseguiu obter nenhuma reação. Com Luís Claro