Esta semana, em reunião de socialistas europeus em Lisboa, o secretário-geral do Partido Socialista dedicou-se a tentar enquadrar os medos da atualidade (“desemprego pelos robôs, terrorismo, ameaça do Estado social…”), deixando passar a ideia de que se referia ao medo visível nas ruas de Paris, Bruxelas e Andaluzia.
Deduz-se pela análise distendida do primeiro-ministro que subjazem aos acontecimentos apenas aflorações públicas circunstanciais deste tempo no centro da Europa e no sul de Espanha, quando muito, talvez com verosimilhança com as manifestações de CGTP/PCP, mas aqui sem fumo e blindados nas ruas. Talvez medo por algumas horas e nada mais…
Ora, se é verdade que cada político tende sempre a compor o seu ar de realização pessoal, conforme ao tempo na sua benigna visão política de cada conjuntura, no dr. António Costa impressiona a facilidade de tentar virar a realidade brutal e visível à sua frente, acabando sempre em tons rosa para si próprio, et pour cause, mas raramente como retrato real do país, desligando-se lesto do subsolo que arde…
Já assim foi em 2010/2011, quando era lá fora, diziam os socialistas, que estava o mal, e ele estava cá dentro; e nem as sementes do desastre lançadas nesse tempo nem as lições da perda de soberania financeira por via dessas decisões contêm hoje o atual mandatário nas cautelas que são devidas quanto ao diagnóstico dos problemas com expressão popular deste tempo.
Hoje, assim continua a ser: é também cá dentro que está o problema central de Portugal, e não lá fora.
E a questão, situando-se obviamente na questão da integração, coesão e convergência com o resto da Europa, é capaz de não estar na falta de mais Europa “social–democrata”, nas palavras do Partido Socialista Europeu e de mais instituições europeias, mas de simples bom governo nos Estados-membros, no que pressupõe também governo reformador, coisa que Portugal não conhece há muitos anos.
Ficará bem numa reunião de europeus projetar a participação óbvia na superestrutura de Bruxelas e na reafirmação do ideal europeu, que Portugal também subscreve maioritariamente como povo e como destino.
Já o exercício é capaz de se tornar mera divagação se não se atender às consequências da orientação governativa de cada Estado-membro, designadamente quanto à verdade da sua vida orçamental, como tem acontecido, e ao diálogo frontal e empenhado, sem complexos, com a Comissão, para atender às especificidades do entorno de cada país e das suas assimetrias estruturais e à reforma da zona euro e da união bancária, bem como à questão de uma visão orçamental no quadro europeu.
Nas ruas das capitais europeias – entre a esmagadora cidadania e algum vandalismo -, do que se ouve falar não é de mais burocracia e intervenção europeia, mas de mais quotidiano das famílias e de vidas sem história, de curso e percurso das empresas, investimento, desemprego, preço dos combustíveis, preço da habitação, sobrevivência, custo de vida, da apropriação de cada vez mais trabalho e esforço de cada um e de todos pelo Estado…
Em Paris, um português sintetizava a sua revolta contida no meio dos petardos como vinda do “custo das coisas”. E é este custo dos bens e serviços, o custo de viver, que atingiu a órbita, nalguns casos, da impossibilidade de ser alcançado com níveis médios de salários, onde prevalece a formação, a competência, o hard work.
E será porque as matérias-primas sobem e explodem nos mercados? Nem é o caso.
Nunca a Europa colheu tanta abundância da terra e do mar, nunca houve tanta concorrência nos circuitos comerciais, o crude está a preços comparativamente menores que a cotação de há um ano e o valor de há poucos meses.
Onde está o problema? No Estado e na sua histórica sofreguidão tributária.
Seja no consumo, no rendimento, no trabalho, na propriedade, nada satisfaz o monstro, que se alimenta de verdadeira extorsão onde há um euro nos bolsos de particulares, por toda a Europa como no nosso país.
Transforma em riqueza impessoal tudo o que toca e toca tudo o que pode, na tal avaliação de que se queixa o homem da rua: “o custo das coisas”…
Retém recursos para alimentar marajás partidários e uma máquina sem modernidade onde, a cada ano, se dá a inversa do que acontece nas empresas: a menos produtividade correspondem cada mais pessoas empregadas ao seu serviço (umas vezes por operações de “fim à precariedade”, outras por contínuas admissões de favor que desembocam em mais precariedade…).
E, depois de reter o que é da sociedade, gasta mal onde toca.
Esta semana, com os socialistas em Lisboa a celebrar o sucesso, ouvimos o diretor de Santa Maria criticar a situação pela incapacidade do seu hospital de proceder a milhares de intervenções cirúrgicas que estão irremediavelmente lançadas para 2019, sem data – incluindo a intervenção em centenas de crianças. Por outro lado, consultar quando chega a doença passou a ser lotaria nos hospitais portugueses.
Este o Estado que pede impostos e mais impostos e não responde com a devolução de serviços com qualidade e em tempo.
Este o Estado em que esta semana, em vídeo dos magistrados portugueses, se declarava que, se porventura parasse a entrada de mais processos nos tribunais administrativos e fiscais portugueses, nem em três anos se despachava tudo o que está acumulado.
O mesmo Estado cujo chefe supremo vai diariamente lembrando, nas televisões, a sua esperança de que o governo oiça as vítimas de Pedrógão, Monchique, Borba, onde o Estado não chegou a tempo e tarda em chegar à conclusão de inquéritos e reparação dos seus atrasos.
Este o Estado que no passado invocava a matriz socialista do investimento público e do Estado como servidor como o santo-e-senha do que hoje é apenas enunciado, restando como tradução as “cativações orçamentais e a “esquerda” para o diálogo com comunistas e radicais de extrema–esquerda.
Algo ficou, todavia, como mistério no silêncio da reunião socialista de Lisboa, no vocábulo que nunca se ouviu: o mercado. Nem uma palavra de ataque a quem era, em anos passados, um verdadeiro “inimigo” do socialismo europeu. Desta vez, silêncio absoluto. Compreende-se bem a razão. Portugal, com a terceira maior dívida da Europa, já acima dos 250 mil milhões de euros, quanto tempo demorará a bater à porta dos mercados depois da redução progressiva do programa de compra de ativos do BCE que, até setembro deste ano, ainda realizou operações de compra de 30 mil milhões de euros?
Duvido que o problema de Paris, Bruxelas e Andaluzia se tenha percebido em Lisboa na simples invocação do medo das ruas.
O problema estará no receio das soluções e, essas, só nova realidade política e partidária, federando forças não socialistas, oferecerá no nosso país.
Jurista
Escreve quinzenalmente