Bombeiros voluntários entram em autogestão e garantem não recusar trabalho

Bombeiros voluntários entram em autogestão e garantem não recusar trabalho


A partir de agora, a ANPC vai deixar de ter acesso aos registos dos bombeiros voluntários, mas o modelo de autogestão não significa que os bombeiros recusem prestar socorro 


Os bombeiros queixam-se de não serem ouvidos. Há duas semanas pintaram o Terreiro do Paço, em Lisboa, de vermelho e gritaram pelos seus direitos. As medidas aprovadas pelo governo no dia 25 de outubro, na área da proteção civil, esgotaram a paciência dos bombeiros voluntários. Agora tomam medidas mais drásticas – desde as 00h00 de sábado que as comunicações dos bombeiros voluntários com a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) estão interrompidas e assim deverão ficar até à hora do diálogo entre governo e Liga dos Bombeiros Portugueses. 

Mas, afinal, o que significa suspender toda a informação operacional aos respetivos Comandos Distritais de Operações de Socorro (CDOS)? Jaime Marta Soares admitiu no passado sábado que iria ser abandonada “de imediato” a estrutura da ANPC. Na verdade, o corte de informação apenas acontece de um dos lados, já que, a partir de agora, os bombeiros voluntários entram numa estrutura de autogestão. Como explica Marcos Fonseca, comandante dos Bombeiros Voluntários de Tabuaço, “na prática, eles [ANPC] deixam de poder contar, ou melhor, deixam de saber com o que podem contar”. A ANPC deixa assim de saber quantas viaturas dos bombeiros voluntários saem ou entram, ou o que vão fazer, porque os bombeiros não vão efetuar o registo no sistema que faz a ponte entre as duas entidades. O modelo de autogestão serve, no fundo, para mostrar ao governo que os bombeiros são capazes de sustentar o modelo de comando único – uma das medidas exigidas pelos bombeiros voluntários. “A única coisa que fazemos é não passar informação para eles [ANPC]. Assim, não são eles que nos orientam. A única coisa que eles fazem é orientar, e nós é que trabalhamos”, diz Marcos Fonseca, que vê esta medida como um passo na luta contra os diplomas sobre as estruturas de comando aprovados pelo governo.

Marcar o 112 É necessário realçar que os bombeiros não vão recusar o socorro em caso de emergência, “até por uma questão de humanidade, até porque são os seus próprios princípios fundadores. Mais, isso até era criminoso”, garante fonte oficial da ANPC ao i. E aqui entra o apelo do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita: “O governo assegura a segurança dos portugueses e apela a que todas as ocorrências sejam participadas a partir do sistema do 112, porque essa é a única forma de garantir a comunicação plena entre todas as autoridades.” Como explica fonte oficial da ANPC, “o 112, número único de emergência, é atendido numa central que é guarnecida por elementos da polícia. E, portanto, as coisas são imediatamente dirigidas para a ANPC”. O pedido de Eduardo Cabrita surge para inverter o processo, ou seja, se os casos de emergência forem todos feitos através do 112, automaticamente, a ANPC tem o controlo da situação e poderá organizar e distribuir o trabalho pelos meios competentes. 

A partir de agora, os bombeiros, mesmo solicitados através do 112, não vão registar qualquer informação no CDOS. Se a situação não for hospitalar e se, por exemplo, se tratar de um incêndio e os bombeiros forem chamados diretamente para o local, explica o comandante dos Bombeiros Voluntários de Tabuaço: “Se formos chamados para um incêndio onde precisamos da ajuda de outros corpos de bombeiros, em vez de solicitarmos ajuda ao CDOS, solicitamos diretamente aos corpos dos bombeiros. Sabemos com quem podemos contar”, acrescentando que a ANPC “gere meios que não são deles”. No entanto, a partir de agora poderá ser possível o seguinte cenário: num acidente de automóvel, uma pessoa chama diretamente os bombeiros, outra liga para o 112 e, no fim, chegam meios duplicados porque não existe comunicação. 

Onde ficam os Bombeiros Voluntários no meio da estrutura da ANPC? As palavras de Jaime Marta Soares sobre o abandono da estrutura da ANPC criaram alguma admiração exatamente no seio da Autoridade Nacional de Proteção Civil. “Essa fórmula tem algo de enigmático”, diz fonte da ANPC. “Os bombeiros, na verdade, não estão integrados na estrutura porque as associações humanitárias de bombeiros são emanações das próprias comunidades locais, que se organizaram para prover a sua própria proteção e socorro e, portanto, são autónomas e independentes”, salienta. Assim, para fins organizacionais, ou seja, para que exista uma organização de uma resposta ordenada, os corpos dos bombeiros são coordenados pela Proteção Civil. Por exemplo, em caso de acidente grave ou de um grande incêndio, a ANPC vai organizar todos os meios e coordená-los para “preparar uma cadeia de resposta lógica”. 

No fundo, perante o cenário atual das relações entre bombeiros voluntários e ANPC, não está em causa a prestação de apoio, mas sim a forma como esse apoio pode ser prestado. Ou seja, “os indicadores de eficiência e de eficácia é que podem ficar comprometidos se não houver, de facto, a tal orquestração dos meios”, diz a ANPC ao i. 

No final do dia de ontem, a ANPC garantiu em conferência de imprensa que “a situação está perfeitamente estabilizada” e adiantou que houve uma diminuição dos registos no CDOS de 23% em relação ao dia de sábado. No entanto, não se pode concluir que a redução esteja diretamente ligada ao protesto dos bombeiros voluntários. Já a comissão distrital da Proteção Civil do Porto indicou, também ontem, que 43 das 45 corporações do distrito estão a reportar para o CDOS todas as ocorrências, não seguindo assim o apelo da Liga dos Bombeiros Portugueses.