O nascimento do primeiro bebé concebido num útero transplantado de uma dadora morta, no Brasil, foi noticiado esta semana, depois de relatado na revista médica britânica The Lancet. O sucesso foi alcançado a 15 de dezembro de 2017 numa cirurgia que demorou cerca de dez horas e meia e aconteceu depois de a conceção noutros dez úteros transplantados de dadoras mortas ter falhado nos Estados Unidos, República Checa e Turquia.
Mas será este procedimento viável em Portugal? Existem profissionais com esse conhecimento, garante a obstetra Teresa Almeida Santos, diretora do serviço de Medicina de Reprodução do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. “Há condições para fazer isso em Portugal, temos cirurgiões de transplantes e cirurgiões ginecologistas com essa preparação, apesar dos riscos”.
“Aqui em Coimbra já tivemos a iniciativa de começar a reunir uma equipa, porque temos uma boa equipa de transplantação em geral, no sentido de começar a fazer os primeiros estudos – e até chegámos a pedir ao Instituto Português do Sangue e Transplantação (IPST) um parecer”, recorda ao i a também presidente da Sociedade Portuguesa da Medicina de Reprodução. Tudo aconteceu em junho de 2016, mas entretanto o processo está suspenso. “A logística é efetivamente muito complicada, primeiro com os dadores vivos. Tirar o útero à dadora viva é uma cirurgia muito longa, que dura 10 ou 12 horas, e que tem muitos riscos. A utilização do útero de um cadáver também, a mulher que recebe o útero corre muitos riscos – não só rejeição, como tromboses”, indica a especialista. Por isso, o grupo nunca chegou a avançar, conta, “Avaliámos a situação, tínhamos uma equipa de ginecologia e do serviço de transplantação a estudar a situação, mas o IPST depois solicitou mais um parecer a um outro órgão, e as coisas estão em suspenso”.
De acordo com Teresa Almeida Santos, a equipa está agora a aguardar por resultados mais consolidados, vindos das experiências de fora. Até porque, como nota, há apenas três ou quatro equipas no mundo a fazer este trabalho.
sem objeções éticas Ao i, o antigo presidente do Conselho Nacional de Ética Para as Ciências da Vida (CNECV), o obstetra Miguel Oliveira da Silva lembra que “o transplante de útero de uma dadora viva para outra existe há seis ou sete anos, é feito na Suécia e já nasceram crianças a partir desse procedimento”. Referindo-se à transplantação do órgão de uma dadora morta, o professor de ética médica e bioética nota que “um órgão de uma mulher viva tem sempre melhores condições do que um órgão que vem de uma mulher morta. Sempre, porque está irrigado, mas teoricamente pode perfeitamente funcionar com o útero de uma mulher morta”, assegura.
E eticamente, há algo a apontar? “Não, nada contra. Se é possível dar um rim a um vivo e a maioria dos rins transplantados vêm de mortos, porque não há de vir o útero também? ”, reitera o médico.
De resto, quanto ao primeiro bebé nascido do procedimento envolvendo o útero de uma dadora morta, a mãe deu à luz, através de cesariana, uma menina, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Ao fim de 36 semanas de gestação, a criança nasceu com 2550 gramas. Na cesariana os médicos retiraram também o útero, que tinha sido transplantado em setembro de 2016, quando a mulher tinha 32 anos.
Em 2013 nasceu o primeiro bebé a partir de um transplante de útero de uma dadora viva. Os dados oficiais apontam para que tenham sido transplantados 39 úteros de dadoras vivas, através dos quais nasceram 11 bebés vivos.