Em cerca de 24 horas ocorreram motins em duas prisões do país – um no Estabelecimento Prisional de Lisboa e outro no Porto, em Custoias. Os reclusos decidiram demonstrar o seu descontentamento com a greve dos guardas prisionais. E o braço-de-ferro travado entre estes e o governo parece estar longe de chegar ao fim.
O Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP) já marcou mais 18 dias de greve, divididos por três períodos, que irão durar até ao dia 23 de dezembro. Já o Sindicato Independente do Corpo da Guarda Prisional (SICGP) convocou uma greve entre o dia 15 deste mês e 6 de janeiro.
Só este ano, de acordo com dados da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público, os guardas do Estabelecimento Prisional de Lisboa estiveram 312 dias em protesto, dos quais 299 às horas extraordinárias. Os números – contabilizados desde o início do ano até esta quarta-feira – indicam ainda que apenas na prisão da capital ocorreu uma greve de seis dias que afetou o horário normal de trabalho.
Mas por que razão protestam os guardas prisionais? Como resposta à decisão tomada pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais de implementar novos horários de trabalho, os guardas prisionais decidiram iniciar um protesto contra as horas extraordinárias, que geralmente são feitas entre as 16h e as 19h – período que coincide com o horário de visitas, refeições, medicação e entrada dos reclusos nas celas.
Com os novos turnos – que entraram em vigor em janeiro deste ano –, os guardas passaram a ser divididos por grupos: um grupo está de serviço entre as 8h e as 16h e depois é substituído por uma equipa que fica em funções até à meia–noite que, por sua vez, é rendida por outra que se mantém até às 8h. Com este novo regime, os guardas prisionais têm de alargar o seu horário de trabalho, fazendo horas extra pagas.
Além deste problema, os guardas exigem que os seus salários – que são igualados aos da PSP – passem a acompanhar os escalões escolhidos por aquela autoridade. Ao mesmo tempo, pretendem que sejam criadas duas novas categorias: guarda coordenador e chefe coordenador. No meio das reivindicações, lembram que não existem cursos para chefes há 17 anos, o que faz com que alguns guardas que estão a exercer essa função recebam menos do que deveriam, tendo em conta as funções desempenhadas. Somam-se ainda queixas sobre o facto de não saberem se e como serão descongeladas as progressões na carreira e a falta de recursos humanos.
Na prisão de Lisboa “só há uma guarda feminina a fazer a revista de cerca de 400 mulheres, em média, por dia”, exemplificou Jorge Alves, presidente do SNCGP, citado pelo “Público”, para frisar a falta de guardas.
Ao i, Celso Manata, diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, considerou que existem algumas reivindicações por parte dos guardas que têm fundamento, mas assegurou que este problema já está a ser tratado: ainda este mês será aberto um concurso para guardas.
Celso Manata disse ainda esperar que os guardas “consigam algumas coisas, porque são justas”, e que, da sua parte, o possível já está a ser feito – a abertura do concurso.
Motins
Na terça-feira, vários reclusos atearam fogo a caixotes do lixo da ala B da prisão de Lisboa. O cancelamento do horário das visitas esteve na origem do motim, segundo Celso Manata – que explicou que os reclusos, como têm permissão para fumar dentro da prisão, têm acesso a fósforos e isqueiros.
Ainda não tinham passado 24 horas desde o motim na capital quando no Porto, em Custoias, os reclusos se recusaram a regressar às suas celas. Ao i, Celso Manata considerou que este foi uma espécie de gesto solidário “para com os colegas de Lisboa, porque também não tiveram visitas”.
“Os presos estavam a contar com uma coisa, não tiveram e reagiram. Estou convencido que hoje [quinta-feira] voltamos à normalidade dentro da normalidade”, completou.
O responsável admite compreender o descontentamento dos reclusos; no entanto, defende que isso não lhes dá liberdade para “partir coisas e desobedecer”.
Quanto à forma de agir, o diretor explicou que existe um protocolo, mas que no ano passado decidiram comprar “equipamento antimotim para todos os estabelecimentos prisionais”. Além disso, os guardas receberam formação para saberem como agir neste tipo de situações. Esta aposta, de acordo com Celso Manata, foi pelo simples facto de o Grupo de Intervenção e Segurança Prisional (GISP) – entidade que geralmente atua em situações mais graves – não estar ao minuto no local. Durante o ano passado, todos os estabelecimentos receberam “equipamento e formação para primeira reação, até ao GISP chegar”, explicou.
O responsável falou ainda sobre a greve que vai realizar-se na antevéspera de Natal e, consequentemente, poderá afetar a habitual visita das famílias nesta época. “Estamos à espera da decisão dos colégios arbitrais e esperemos que nos deem notícias (…). Se nos derem razão, os presos têm uma boa notícia”, afirmou, acrescentando que as decisões devem ser conhecidas entre esta e a próxima semana.
Francisca Van Dunem, ministra da Justiça, disse na quarta-feira, a propósito do motim na prisão de Lisboa, que “do ponto de vista humano”, o período do Natal não é o “ideal” para os guardas cumprirem períodos de greve, considerando que os mais prejudicados são os reclusos. “Do ponto de vista humano, não é o período ideal para encetar este tipo de luta. Estou convencida que os guardas prisionais, até pela carreira que escolheram, têm um elevado grau de humanidade”, afirmou.
A ministra referiu também que o que se passou em Lisboa nada teve a ver com o sucedido em Custoias, lembrando que “são coisas que acontecem mais no sistema prisional do que se pensa”. “Sublinho que estar a prejudicar as visitas, o ritual do Natal, a visita dos filhos, prejudica os reclusos, e esta quadra não é o ideal para que se cumpra esta forma de luta”, frisou.
Van Dunem assegurou ainda que a tutela se encontra em negociações com os sindicatos dos guardas prisionais, acreditando que serão encontradas soluções para esta situação.
O presidente do SNCGP também reconheceu que a época natalícia não é a melhor altura para se fazer greve, mas apontou o dedo ao executivo. “Fomos empurrados para isto e temos pena que isto afete os reclusos”, afirmou, citado pelo “Público”.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, também se pronunciou sobre esta situação. O chefe de Estado disse acreditar que está a ser feito tudo o que é possível para que o sistema prisional se torne um exemplo de funcionamento do Estado de direito.
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