Feministas no Chile impedem que o aeroporto da capital seja baptizado ‘Pablo Neruda’

Feministas no Chile impedem que o aeroporto da capital seja baptizado ‘Pablo Neruda’


O genial poeta chileno que recebeu o Nobel em 1971 e morreu dois anos depois, em circunstâncias suspeitas, tem sido alvo das feministas por supostamente ter maltratado mulheres. Em alternativa, as feministas pretendem que o aeroporto de Santiago do Chile seja baptizado em nome da escritora Gabriela Mistral, que recebeu o Nobel em 1945


Voltaram a ensaiar-se esforços no Chile para que uma antiga moção parlamentar com vista a rebat«ptizar o aeroporto internacional de Santiago do Chile com o nome do mais célebre poeta do século XX, Pablo Neruda (1904-1973). Embora a medida conte com o apoio de uma boa parte dos membros do Congresso, a iniciativa tem sido sucessivamente bloqueada, uma vez que o esforço para aprová-la encontra resistência da parte dos grupos feministas que têm conseguido fazer valer a censura moral ao comportamento do poeta na sua vida íntima com as mulheres. Neruda terá abandonado uma filha doente, e se isso deixa uma nuvem negra a pairar sobre o seu carácter, é a descrição de uma violação no seu livro póstumo de memórias, "Confieso que he vivido", que repugna de tal modo que, no entendimento das feministas, lhe retira a dignidade para ser homenageado desta maneira. E a controvérsia não se fica pela rejeição do autor de "Veinte poemas de amor y una canción desesperada", mas propõem a também Nobel da Literatura Gabriela Mistral como nome alternativo para que se rebaptize o aeroporto da capital chilena.

Foi em 2011 que começou a campanha para que Neruda, um poeta imenso e popular em todo o mundo, visse o seu nome agraciar o aeroporto. Naquele projecto lê-se que "o grande poeta chilena está entre os melhores e mais influentes do seu século, sendo apelidado pelo romancista Gabriel García Márquez ‘o maior poeta do século XX em qualquer idioma”. Mas o argumento da qualidade literária não tem sensibilizado as organizações feministas chilenas, que o secundarizam face ao mau comportamento com as mulheres. Isto levou a que, no mês passado, estas organizações se tenham fazido valer dos ventos de mudança que o movimento #MeToo soprou por todo o mundo, defendendo que nada daria uma imagem mais retrógrada do país do que escolher este momento para consagrar um homem que não respeitou a dignidade das mulheres.

No polémico episódio que descreve nas suas memórias, o poeta assume que forçou sexualmente um jovem empregada em Ceilão (hoje Sri Lanka), onde, em 1929, cumpria funções diplomáticas. Num tom explícito, Neruda conta que foi alvo do desdém da jovem, mas que conseguiu levá-la até sua casa, onde terminou o que parecia um encontro entre "um homem e uma estátua". Acrescenta que, no momento em que se impôs fisicamente a ela, e enquanto era sua vítima, "ela manteve os olhos bem abertos, completamente inconsciente".

Entre as vozes que mais se têm destacado nesta cruzada para destruir a reputação literária de Neruda por causa de um crime confessado, está a jornalista e deputada do Partido Humanista, Pamela Jiles, que disse: “Não é este o tempo para se homenagear um homem que vitimizou mulheres, que abandonou a filha doente e confessou uma violação, e muito menos para usar a sua imagem para promover o país. Neruda está marcado por Malva Marina, a sua filha, a quem chamava a “vampira de três quilos”.

Esta história é cantada numa reportagem romanceada chamada "Malva", escrita pela poeta holandesa Hagan Peeters, na qual se diz que a filha do poeta nasceu em 1934 com hidrocefalia, e acabaria por morrer com oito anos de idade, abandonada por Neruda. O que o romance não diz, e coube à Fundação em nome do poeta vir lembrar,é que a separação entre o poeta e a mãe de Malva foi de comum acordo, e que “Neruda visitou a filha na última vez em que isso lhe foi possível, em 1939, na última viagem que pôde realizar à Europa, para embarcar os republicanos espanhóis [no navio francês] Winnipeg”, depois da vitória do General Franco na guerra civil espanhola.