O parlamento vai acabar, em 2019, com o seguro de saúde “ilegal” que mantinha para todos os deputados, confirmou ontem ao i a secretaria-geral da Assembleia da República.
A decisão do parlamento foi tomada depois de os juízes do Tribunal de Contas (TdC) terem revelado – através de uma auditoria avançada pelo i esta semana – que os deputados beneficiam de um seguro de saúde que está “ilegal” desde 2007.
De acordo com a auditoria do TdC, o parlamento pagou, no ano passado, 15,9 mil euros para que os 230 deputados tivessem o seguro de saúde. Os funcionários do parlamento não estão incluídos no seguro de saúde, diz o gabinete de Albino Soares.
A Lei do Orçamento do Estado de 2007 impede que sejam utilizadas verbas públicas para pagar sistemas particulares de proteção social ou de cuidados de saúde, ainda assim, o parlamento manteve nos últimos anos o seguro de saúde aos deputados, violando a lei.
O gabinete do secretário-geral da AR, Albino Soares, salienta que o seguro “já existia há cerca de 30 anos e só agora foi questionada a sua legalidade”. Por isso, acrescenta ainda a secretaria-geral do parlamento, acolhendo “a inesperada inversão jurisprudencial do TdC”, a Assembleia da República “decidiu reduzir o contrato em vigor, eliminando a apólice referente ao seguro de saúde”. Portanto, o seguro de saúde “deixará de existir a partir de 1 de Janeiro de 2019”, garante a secretaria-geral do parlamento.
Além de usufruírem do seguro de saúde “ilegal”, os deputados têm ainda acesso a um gabinete médico e de enfermagem na AR onde são realizadas consultas e alguns dos deputados são beneficiários da ADSE.
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Questionado pelo i, o gabinete de Albino Soares explicou que há “86 deputados inscritos na ADSE”, quase um terço do total de deputados em exercício de funções. Tratam-se de parlamentares que já tinham ADSE antes de serem eleitos e que continuaram a usufruir deste subsistema de saúde em vigor para os funcionários públicos. “Quem não tinha ADSE, não a adquirirá pelo facto de ter sido eleito deputado”, explicou ao i fonte oficial da secretaria-geral do parlamento.
De acordo com a auditoria do TdC o contrato do seguro de saúde garante aos deputados assistência clínica em regime hospitalar, com cobertura limitada a despesas médicas, hospitalares e medicamentosas decorrentes de internamento, que são reembolsadas pela seguradora. Isto é, “não assegura cuidados gerais de saúde em ambulatório tais como consultas, exames, tratamentos, próteses, etc.”, explica a secretaria-geral da AR.
Além do seguro de saúde, os deputados usufruem ainda de um seguro de vida e outro de assistência em viagem e de acidentes pessoais.
Violação da lei
Em 2007, a Lei do Orçamento do Estado passou a impedir “quaisquer financiamentos públicos de sistemas particulares de proteção social ou de cuidados de saúde”, sendo que, frisa o Tribunal de Contas (TdC), “os seguros de saúde estão abrangidos por esta norma”. Os juízes do TdC avisam que a lei de valor reforçado ainda está em vigor mantendo-se a “proibição de orçamentos e entidades que integrem os setores das administrações públicas financiarem seguros de saúde. Por isso, rematam: “O seguro deveria já ter cessado” e “carece de adequada legitimação jurídica para ser mantido em vigor”. O mesmo entende a procuradora-geral-adjunta junto do TdC, Maria Manuela Luís, que sublinha no parecer da auditoria do Ministério Público que as despesas da AR “estão sujeitas aos princípios da legalidade, regularidade, economia, eficácia e eficiência”, frisando que o seguro de saúde “viola a lei”.
Além disso, o Estatuto dos Deputados não prevê qualquer seguro de saúde para os parlamentares, refere a auditoria do TdC.
Responsabilidades financeiras
Perante esta situação, tanto os juízes do TdC como a procuradora entendem que o pagamento do seguro de saúde e das respetivas despesas correspondem a “duas infrações financeiras sancionatórias”, de acordo com a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas.
Em causa está a “violação das normas sobre a elaboração e execução dos orçamentos, bem como da assunção, autorização ou pagamento de despesas públicas ou compromissos”, referem os juízes.
Em sede de contraditório, a Assembleia da República alegou ao TdC que o seguro de saúde “existe na AR desde 1990” e que, por isso, “não existe motivo para o Tribunal de Contas vir agora questionar a sua legalidade”.
Além disso, o parlamento alegou que o seguro “visa garantir as condições físicas pessoais para o exercício de mandato pelos deputados e embora não estando expressamente previsto, pode ser contratado com base numa competência implícita”.
De acordo com a lei, podem ser pedidas responsabilidades financeiras ao presidente do conselho de administração da Assembleia da República, Pedro Pinto, a cinco deputados que fazem parte deste organismo, ao secretário-geral do conselho de administração, Albino Soares, e ao representante dos funcionários parlamentares, Francisco Alves.
Mas, a procuradora-geral-adjunta salienta que, neste caso, tanto os juízes do TdC como o MP estão impedidos de tomar iniciativa para pedir responsabilidades financeiras. Essa competência cabe exclusivamente ao plenário da Assembleia da República que terá de aprovar, ou não, o parecer à auditoria.
PS critica Tribunal
Para os socialistas o Tribunal de Contas “excedeu” as suas competências e fez “considerações de avaliação política”. No entanto, questionado pelos jornalistas em Belém, o presidente do PS e líder da bancada parlamentar dos socialistas, Carlos César, não especificou em que campos considera que o TdC excedeu as competências.
Ainda assim, Carlos César diz que “há considerações que devem ser vistas e objeto de tratamento” do grupo de trabalho que vai avaliar as regras em vigor para as presenças e para as ajudas de custo pagas aos deputados.
Pela parte da bancada socialista as recomendações dos juízes do TdC serão objeto de ponderação e nos casos “em que for obrigatório seguir um determinado procedimento, é esse procedimento que será seguido”.
Os juízes do TdC alertaram esta semana para várias irregularidades e ilegalidades no parlamento. Além do seguro de saúde ilegal, os juízes alertaram para a falta de controlo de ajudas de custo pagas aos deputados das ilhas, que recebem um subsídio semanal de 500 euros, acrescidos aos salários, para que comprem um bilhete de avião.
Este subsídio é pago aos parlamentares sem que lhes seja exigido comprovativo da realização da viagem havendo, por isso, “risco elevado” de terem sido autorizados pagamentos de viagens que não foram realizadas.
Os juízes alertaram ainda para o risco de fraude fiscal e de dados fornecidos pelos deputados ao parlamento que estão desatualizados, como é o caso de moradas que podem não corresponder às residências.