Crónica sobre o autogolo do Ronaldo das Finanças e outros delírios


O genial Centeno de Bruxelas zurze fortemente no seu discurso no sofrível Centeno do Terreiro do Paço, sem que ninguém evidencie a anormalidade nem pasme com a aberração


Quem tenha assistido à declaração do presidente do Eurogrupo a escarnecer das políticas dele próprio e a aconselhar-se a si próprio a fazer o que podia ter feito mas não fez, é natural que ainda esteja em estado de muito justificada confusão e incredulidade.

Este delírio bipolar que nos foi servido esta semana – do presidente do Eurogrupo a criticar, no seu discurso o ministro da Finanças de Portugal, ou seria do ministro das Finanças de Portugal a criticar-se a si mesmo, mas na qualidade de presidente do Eurogrupo, ou talvez o presidente do Eurogrupo a criticar o presidente do Eurogrupo por causa das suas funções enquanto ministro das Finanças, ou outro exercício qualquer desta impune esquizofrenia em vários actos em que se tornou a coisa pública, nacional e europeia – não pode deixar merecer a muito devida nota.

O grau de alucinação por estas bandas é tal, e a máquina da propaganda tão avassaladora, que a sempre atenta comunicação social não abriu noticiários com esta comédia, mas não se esqueceu de repetir até à náusea uma meia verdade prolatada com ares de grande feito, aquele de a última tranche da dívida ao FMI ter sido paga como Costa perorou com pompa e circunstância quando da aprovação daquele exercício de ficção chamado Orçamento do Estado, e cuja coincidência entre a sua previsão e a sua execução alargou para muito longe todos os limites do cinismo político e os limites conhecidos da ficção científica.

É que o que o primeiro-ministro naturalmente não contou é que a dívida ao FMI foi paga com nova dívida, seguramente mais barata, esperamos… mas bastará ter na memória os enormes prémios pagos no negócio da capitalização da CGD, tendo em conta os valores de mercado à data, para podermos ter também aqui metódicas e fundadas dúvidas.

Muito curiosamente, e não é fácil não ver entre uma coisa e a outra uma provável relação de causa e efeito, a dívida pública pelos dias dos apregoados pagamentos aos credores, afinal, bate novos recordes absolutos ao invés de descer como prometido e um pagamento relevante faria pressupor.

Para quem ande distraído, além dos recordes absolutos de receita fiscal com que o Ronaldo das Finanças nos goleou fiscalmente enquanto dizia que a austeridade acabara, também é de goleada o aumento absoluto do valor da dívida pública: a acreditar-se nos números de que se fala, serão mais de 25 000 000 000,00€ (vinte e cinco mil milhões de euros de dívida pública) relativamente ao início da legislatura, para uma situação líquida do país, arrepiante, negativa em cerca de 125% do valor do PIB.

É, pois, exactamente por causa deste colossal autogolo do Ronaldo das Finanças, materializado no enorme crescimento da dívida pública e da despesa primária, que devia estar a descer, que o genial Centeno de Bruxelas zurze fortemente no seu discurso no sofrível Centeno do Terreiro do Paço, sem que ninguém evidencie a grosseira anormalidade nem pasme com o dislate e a aberração, nem sugira alcatrão com penas ou simplesmente uma ida a banhos para o Miguel Bombarda.

Mas estas esquizofrenias, para mais, alastram furiosas e sem oposição ou exposição, e, assim, é próprio deste estado de coisas que o grande proprietário imobiliário chamado Partido Comunista Português – virtual sujeito passivo dos delírios esbulhadores daquela dinastia de ilustres esquerdistas que vêm dedicando a sua vida, geração após geração, não à construção da riqueza, mas sim à cobiça do património alheio, ocupando, bombardeando, assaltando e, agora, criando impostos com contornos de confisco –, neste mundo de enormes coerências, apoie um novo aumento sobre o IMI, não tanto penalizando a improdutividade do mesmo, mas apenas e só pela sua detenção!

É outro daqueles caso em que o país se tornou pródigo, e um exemplo do primeiro mundo da demência alucinada, onde um enorme proprietário imobiliário decide votar no sentido de se taxarem draconianamente os grandes proprietários, porque as grandes acumulações de capital são nefastas para todos menos, claro está, para si mesmo, que não paga IVA nem IMI.

Deve ser outro dos paradoxos de Robles do tipo “toda a especulação é má a não ser a minha”, e, para o PCP, todos os grandes proprietários devem pagar agravados impostos, a não ser que seja o partido. Quem não percebeu de onde vêm os problemas do socialismo real que perca dois minutos a reflectir sobre estes exemplos de escola, e talvez perceba…

Em linha com isto, Joana Mortágua – enquanto porfia por ir buscar mais qualquer coisa a (alguns, mas não a todos, já vimos) acumuladores de riqueza – entendeu tecer considerações sobre o facto de o PSD não lhe ter feito o favor de votar o tema da recuperação da carreira dos professores nos moldes que ela jurou que jamais deixariam de passar neste Orçamento do Estado.

Relembremos, pois, o momento Robles de Mortágua: “Não aceitaremos nenhuma recuperação do tempo de serviço que não seja aquela que os professores exigem legitimamente, que é a recuperação dos nove anos, quatro meses e dois dias, a recuperação integral do tempo de serviço. Essa é a linha vermelha dos professores, a dos sindicatos e a nossa também.”

Só que, independentemente da tal linha vermelha e das palavras absolutamente intransigentes, entretanto, o BE aprovou o Orçamento e, afinal, os professores não foram aumentados, recuperando integralmente nove anos, quatro meses e dois dias.

Conclusão de Mortágua: eu fiz uma promessa que não cumpri, logo, à míngua do Passos Coelho, que já não está, a culpa terá de ser do PSD! Nem vale a pena evidenciar o óbvio! Poderia ser um caso de vergonha alheia, mas essa coisa da vergonha na cara não é para todos…

Como última nota e para quem ande distraído, neste cenário do país do faz-de-conta onde a intelligentsia se entretém a apelidar todos os demais, incluindo os moderados, de fascistas e nazis, e a impor a doutrinação do marxismo cultural como vanguarda de todos os partidos, onde nem Cristas nem Rio parecem imunes ao disparate populista, para já, ainda não há nem coletes amarelos nem arautos da autodenominada extrema necessidade que já veio da Hungria até à Andaluzia, mas a oportunidade está aí, e todos os dias cresce… Vai ser giro ver qual o epíteto que a extrema-esquerda lhes reserva depois de terem banalizado ao ponto da indiferença o significado dessas expressões, a quem, aliás, já só eles ligam, como os factos documentam.

A dialética está em campo, avizinham-se dias interessantes…

 

Advogado na norma8advogados

pf@norma8.pt

Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990