Cancro. Como uma descoberta por acaso pode mudar o diagnóstico

Cancro. Como uma descoberta por acaso pode mudar o diagnóstico


Equipa australiana acredita ter encontrado padrão comum a vários tumores


“O resultado foi uma surpresa completa e uma descoberta por acaso”. Matt Trau, investigador na Universidade de Queensland, na Austrália, resume assim o trabalho apresentado esta semana na revista científica “Nature Communications”. O laboratório que dirige, especialista em nanotecnolgia e diagnóstico molecular, estava a fazer sequências de ADN de amostras de tumores quando duas investigadoras descobriram um padrão que parece ser comum a cancro da mama, próstata, colorretal e linfoma. A partir daí, pensaram em usar nanotecnologia para desenvolver um teste que pudesse detetar esta assinatura molecular a partir de uma análise ao sangue e acreditam ter criado um dispositivo que fornece um resultado positivo ou negativo em dez minutos. A confirmar-se a validade noutros tipos de cancros e em mais pessoas, poderia ser o primeiro teste de diagnóstico universal para detetar a doença.  

O trabalho foi desenvolvido ao longo dos últimos quatro anos. Determinado este padrão, os investigadores descobriram que as moléculas em causa, quando colocadas numa solução, aderiam a partículas de ouro. Com base nesse fenómeno, desenharam um teste que faz as partículas de ouro mudar de cor na presença dessas estruturas de ADN cancerígeno. Esta é a base do teste, que poderia assim ser portátil. No fundo, como um teste de gravidez ou controlo de glicemia, neste caso não a partir de urina mas com base numa amostra de sangue.

Para já, porém, Matt Trau explicou ao i que ainda há muitas coisas que não sabem. Embora acreditem que o dispositivo que desenvolveram será sensível a 90% dos tumores, o investigador diz que o teste não permite perceber que tipo de tumor é ou o estadio. Também não conseguem dizer a partir de que momento é detetável esta assinatura molecular, o que fará toda a diferença. 

Antecipar o diagnóstico de cancros hoje detetados em estados mais tardios como o pancreático ou do pulmão poderia trazer benefícios, mas Trau diz que isso é ainda um sonho para a equipa. “O próximo passo é desenvolver mais testes com populações maiores e mais tipos de cancro”, diz o investigador. Em relação aos custos, apesar de ter uma base genética, o facto de não ser preciso sequenciar o ADN poderá torná-lo um dispositivo mais acessível. Ao ponto de um dia poder vir a ser um teste de rotina, admite Trau. “Embora não precise de ser feito em laboratório, talvez pudesse ser feito no consultório do médico”.

Benefícios têm de ser demonstrados Nuno Miranda, diretor do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, explica que as chamadas biopsias líquidas, que procuram caracterizar a doença oncológica a partir de colheitas de sangue dos doentes sem ser preciso um teste invasivo, têm tido novas aplicações nos últimos três a quatro anos, mas para já ainda estão numa fase embrionária na clínica. O potencial surge sobretudo na diferenciação de tumores menos acessíveis, por exemplo do pulmão, ajudando os médicos a definir a abordagem mais indicada. 

Dentro de poucos anos, Miranda admite que algumas destas tecnologias poderão ser usadas no rastreio de população em risco, por exemplo fumadores. Quanto a um teste universal de rotina, tem mais dúvidas. “O cancro é uma doença muito variada. Eventualmente com 20 ou 30 marcadores, conseguimos abranger 75% dos tumores, os mais frequentes, mas será sempre complexo.” 

Também as mais-valias não devem ser encaradas de forma linear, sublinha o médico. Se em alguns casos há vantagens em antecipar o diagnóstico, noutros há o risco de se intervir em excesso ou demasiado cedo, o que poderá resultar em tratamentos desnecessários e sem ganhos de saúde. Nuno Miranda dá como exemplo os tumores da próstata, durante alguns anos alvo de sobretratamento cirúrgico, ou o caso de um cancro pediátrico – o neuroblastoma – em que os investigadores já perceberam que um rastreio precoce das crianças não diminui o número de cancros encontrados em fases mais avançadas. “Aparentemente antecipar o diagnóstico do cancro é positivo, mas isso por si não chega para tomar decisões, os ganhos têm de ser demonstrados”, conclui o médico.