Homens fintam medo de denúncias de assédio afastando mulheres de empregos

Homens fintam medo de denúncias de assédio afastando mulheres de empregos


As denúncias de assédio multiplicaram–se e levantaram discussões em torno do tema um pouco por todo o mundo. O movimento #MeToo ganhou dimensão e incentivou novas denúncias. Chegou a questionar-se se não estaríamos perante uma caça às bruxas. Agora, em Wall Street, as mulheres são afastadas da esfera económica


O mercado de trabalho tem mudado muito nos últimos anos, assim como a própria convivência entre homens e mulheres. Com o tema do assédio sexual a ser cada vez mais discutido, existem novas realidades. Para muitos, entrar num elevador com uma colega do trabalho, dizer um piropo ou dar boleia à nova colega passou a ser sinónimo de possíveis problemas. Para a maioria dos portugueses são situações normais, mas em países como a Suécia, Brasil ou EUA pode ser o suficiente para se ser chamado aos recursos humanos. No Brasil, por exemplo, há empresas que proíbem cumprimentar colegas com beijos ou abraços. Na era #MeToo vale tudo para evitar enfrentar acusações de assédio. 

De acordo com a “Bloomberg”, Wall Street, por exemplo, parece ter criado uma nova regra que passa por evitar as mulheres. Simples. Ainda que, para muitos, seja uma tomada de posição polémica e que serve apenas para dificultar a vida das mulheres no trabalho, esta tendência está a ganhar espaço e há quem lhe chame já “efeito Pence”. Porquê? Porque parte exatamente do mesmo pressuposto de que Mike Pence, vice-presidente dos EUA, partiu, em 2002, quando disse que evitava jantar sozinho com qualquer mulher que não fosse a companheira. 

A publicação mostra ainda que vários executivos de topo admitem mesmo não saber lidar bem com o tema. Recentemente, David Bahnsen, ex-diretor administrativo do Morgan Stanley, comparou o receio em torno do assédio com a “sensação de estar a pisar ovos”. Até porque há quem diga que cada cabeça, sua sentença. Na cerimónia de entrega da Bola de Ouro, perguntaram a Ada Hegerberg se sabia dançar twerk e levantou-se uma onda de indignação nas redes sociais [ver págs. 44-45]. Mas também não falta quem diga que era “uma piada”. 

O artigo da “Bloomberg” explica que, por motivos óbvios, são poucos os homens que admitem este cenário, mas eles existem e tomam cada vez mais o exemplo de Pence como uma forma eficaz de “evitar problemas”. Existem gestores a admitir que nunca mais terão reuniões com mulheres em salas que não tenham janelas, paredes de vidro ou portas abertas. 

E os portugueses? Há muito que já se percebeu que o impacto do movimento não foi igual em todos os países e a justificar isto estão sobretudo as diferenças culturais. Ainda que o movimento tenha tido expressão em todo o mundo e tenha iniciado discussões em torno do tema, a verdade é que há quem garanta que o impacto foi menor nalguns países. 

Quem acompanha de perto os comportamentos nacionais, assume que seria muito difícil ter um cenário diferente. Recentemente, Maria José Magalhães, investigadora da Universidade do Porto e dirigente da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), explicou que “falar na sua própria voz não é muito o hábito em Portugal”. Além disso, de acordo com a investigadora, não existem muitas ativistas e, no geral, ter exposição pública não é visto como um aspeto positivo. “Há muitas mulheres que não gostam da exposição pública, mesmo que não sejam vítimas.”

Ainda assim, a investigadora admitiu recentemente que a questão se tornou mais próxima dos portugueses na sequência do escândalo que envolveu Cristiano Ronaldo – depois de o jogador ser acusado por Kathryn Mayorga de violação. “Temos a obrigação de esperar pelos resultados do tribunal, esperar para saber o que é provado ou não, mas não temos o direito de culpar as vítimas”, sublinhou ao “Público”, acrescentando, no entanto, que “continuamos a culpabilizar as vítimas porque não queremos que os nossos ídolos masculinos saiam desse pedestal.”

Profissões e géneros Há quem parta do exemplo de Wall Street para assumir que existe o risco de este tipo de comportamentos se multiplicar. Tornar a vida mais difícil para as mulheres pode ser a consequência mais direta. Stephen Zweig, advogado da FordHarrison, admite que “alguns homens confidenciaram que têm medo de falsas acusações. Temem o que não conseguem controlar”. Por enquanto, as várias denúncias de assédio estão a custar, nos EUA, o afastamento das mulheres da esfera económica, mas há quem acredite que se possa chegar a outros setores de atividade com alguma rapidez.

À margem disto, alguns especialistas apontam para a falta de mulheres em cargos de liderança nos EUA e há quem acredite que, assim, o grau de dificuldade aumenta. 

Na Europa, este tipo de questões já é tema há algum tempo. Em maio, o estudo “Igualdade de Género ao Longo da Vida – Portugal no contexto europeu”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, e da autoria de sete investigadores, mostrava que as mulheres têm salários inferiores aos dos homens em todas as profissões, em todos os países da Europa, desigualdade que se prolonga pela vida fora, com saídas precoces do mercado de trabalho, pensões baixas e maior risco de pobreza.

À Lusa, a coordenadora Anália Torres esclareceu que uma das constatações que “chocou perceber” foi que, apesar de as mulheres serem, em média, mais escolarizadas do que os homens, entram no mercado de trabalho em desvantagem, ganhando salários mais baixos e com empregos mais precários, um fenómeno que em Portugal é “bastante acentuado”. De acordo com o estudo, em Portugal, a maior disparidade salarial regista-se entre os representantes do poder legislativo e de órgãos executivos, dirigentes, diretores, gestores e executivos (586 euros). Além disso, as mulheres saem do mercado de trabalho mais cedo, frequentemente para dar assistência à família, seja filhos, netos ou pais idosos, o que faz com que tenham uma carreira contributiva mais curta: “A probabilidade de, no fim da linha, entrar na pobreza é grande.”