À conta do parlamento


Diz o Tribunal que, ao longo do ano económico de 2017, a Assembleia da República pagou mais de três milhões de euros aos parlamentares a título de ajudas de custo e despesas com deslocações


O parecer do Tribunal de Contas sobre a conta da Assembleia da República relativa ao ano de 2017 é lapidar: ninguém controla as despesas dos senhores deputados com viagens, deslocações ou outras ajudas de custo. Ninguém controla nem tem hipótese de controlar – ou fiscalizar – porque os senhores deputados não têm que apresentar documentos comprovativos de nada.

Diz o Tribunal que, ao longo do ano económico de 2017, a Assembleia da República pagou mais de três milhões de euros aos parlamentares a título de ajudas de custo e despesas com deslocações. Três milhões. Tudo com base em presunções. A primeira é a de que os deputados vivem onde dizem que vivem. A segunda é a de que marcam presença nas reuniões plenárias e nos trabalhos parlamentares em que devem participar. A terceira é que têm mesmo aqueles gastos com as deslocações – por exemplo, cada viagem às regiões autónomas tem o preço fixado em 500 euros. 

Responde o conselho de administração que as regras internas da Assembleia da República têm sido cumpridas. E é verdade. Só que as regras internas da Assembleia são demasiado permissivas. Tanto assim que o Tribunal de Contas recomenda ao plenário que altere essas mesmas regras, por forma a permitir a fiscalização e certificação de que as ajudas de custo que os senhores deputados recebem correspondem a gastos efetivamente por eles realizados, e não apenas presumidos. 

Mas há um outro ponto, que pode até parecer ter pouca expressão em termos de custo – são pouco mais de 15 mil euros a comparar com mais de 3 milhões para as deslocações -, mas que é igualmente revelador da falta de critério, da falta até de bom senso da casa da democracia e dos 230 representantes do povo. Trata-se da contratação de seguro complementar de saúde para os senhores deputados. A verdade, como conclui o Tribunal de Contas, é que tais seguros “carecem de adequada legitimação jurídica para serem mantidos em vigor”. Não obstante, tanto o presidente como o conselho de administração da AR justificam a sua contratação.

O problema, todos sabemos, é que os senhores deputados acham-se mal pagos – e porventura são-no – mas, em vez de arranjarem formas e esquemas de maquilharem as coisas (alguns duplicam o que ganham sem pagar imposto), deviam ter a coragem de enfrentar o problema… e o povo.