Os mais novos terão pouca memória do antigo Martim Moniz, mas foi há pouco mais de duas décadas que esta zona de Lisboa ganhou uma ampla praça com repuxos e espaço de lazer. A inauguração da renovada Praça Martim Moniz teve lugar em 1997 e, no ano seguinte, a câmara colocou os primeiros quiosques, ocupados ao longo dos anos por diferentes concessões. O objetivo era dar nova vida ao bairro mais multicultural da capital e, mesmo que os quiosques não tenham feito todo o trabalho, o certo é que o Martim Moniz está muito diferente do que era. Agora começa a desenhar-se um novo capítulo, mas está longe de haver consenso. A câmara insiste no comércio. Os moradores gostavam de ter um jardim. O que fará mais falta a esta zona histórica, e cada vez mais turística, de Lisboa?
Para já, só é certo que a opinião dos moradores será tida em conta. Esta foi a última garantia de Fernando Medina, dada na reunião pública do executivo camarário, na semana passada. O concessionário da Praça Martim Moniz, segundo o autarca da capital, “pretende desenvolver um processo mais profundo de consulta, junto de intervenientes, de associações que estiveram na reunião [de apresentação do projeto aos munícipes], de grupos de moradores, outras individualidades, tendo em vista a apresentação de melhorias quanto ao projeto”.
O anúncio surgiu depois de, há quase duas semanas, no Hotel Mundial, Manuel Salgado, o vereador da Câmara Municipal de Lisboa (CML) com o pelouro do Planeamento, Urbanismo, Património e Obras Municipais, ter apresentado perante 120 pessoas a visão da autarquia para a praça. O que se pretende, explicou o vereador – acompanhado pelo presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho -, é transformar a praça num recinto repleto de contentores que irão substituir os quiosques que agora ali se encontram fechados, desde 11 de novembro, dia em que os contratos dos ocupantes com a empresa concessionária terminaram. A ideia, agora, é ocupá-los com restaurantes e outro tipo de espaços comerciais, estando previsto no projeto ainda a instalação, junto ao Hotel Mundial, de um parque infantil. Os presentes, contudo, deixaram claro que não é essa a transformação que desejam: querem um espaço verde onde lhes seja permitido relaxar, quase como um refúgio da agitação da Baixa lisboeta.
Em resposta às reações dos lisboetas, Manuel Salgado assegurou que registou as opiniões dos cidadãos e prometeu levá–las ao executivo. “Ouvi e obviamente que vou discutir isto no executivo. Não vos prometo rigorosamente nada. Registei tudo o que foi dito, é tudo o que vos posso dizer”, afirmou no final da apresentação. “Estamos com uma situação difícil neste momento. O nosso problema é que a concessão está válida. A larga maioria das pessoas prefere mais espaço aberto, prefere [espaços] vazios e prefere um jardim. Isso ficou muito claro no meu espírito e nos meus registos”, acrescentou o mesmo vereador.
Partidos apresentam propostas Na reunião de câmara em que anunciou a decisão da empresa concessionária da praça, Fernando Medina reconheceu que “o projeto apresentado tem virtualidades evidentes” tendo em conta a “situação atual” da praça, assegurando ser o momento de ouvir opiniões, de haver abertura. “E há abertura para incorporação de alterações no projeto”, garantiu. “É uma abertura que valorizamos, mas convém não desvalorizar que há ali interesses que se movimentam que não são coincidentes com os interesses do município nem os interesses públicos que o município expressa”, afirmou. Referindo-se ao projeto, Medina garantiu que “a proposta de solução para o Martim Moniz não partiu de nenhuma iniciativa da câmara”, explicando que a proposta “foi coincidente com a análise”, feita pela CML, “de que havia coisas que não podiam ser melhoradas, e que foi desenvolvida no âmbito da atual concessão”.
De resto, antes de a empresa concessionária fazer chegar a decisão à autarquia, já o Bloco de Esquerda (BE) e o PSD tinham mostrado o seu descontentamento com o projeto pensado para a praça.
Na reunião da assembleia municipal que se seguiu à apresentação do projeto, o BE apresentou um requerimento a Medina sobre o projeto, pedindo explicações e defendendo uma “cidade partilhada por todos e todas, em que os cidadãos não são obrigados a consumir para usufruir do espaço público e onde a segurança é garantida sem muros ou vedações”. No Martim Moniz “temos essa oportunidade de retomar uma praça e aumentar as zonas verdes da cidade, com equipamentos públicos para todos”, afirmavam os deputados municipais no mesmo documento.
O PSD, por sua vez, respondeu ao projeto propondo, como avançou ao “Público”, a abertura de um concurso internacional de ideias para encontrar o destino da praça.
Pouca transparência Mas parece haver um problema de fundo: não é fácil perceber os contornos do contrato da CML com a empresa NCS – Número de Ciclos por Segundo, que detém a concessão da praça desde 2012. O i pediu esclarecimentos à autarquia, mas não obteve resposta.
O BE não está satisfeito com a informação atual. Na reunião da última semana, o vereador bloquista Manuel Grilo apresentou uma moção – que foi aprovada – pedindo “a distribuição aos vereadores do contrato celebrado com a concessionária”, a par de “todos os elementos do novo projeto proposto pelos novos acionistas da concessionária”. Na moção, um tópico em particular gerou maior controvérsia na votação: a possibilidade de a praça vir a ser vedada à noite, ideia que recebeu os votos contra do PSD, CDS-PP e PCP. “Estamos perante uma zona que, historicamente, sempre foi uma zona, por vezes, com algumas situações de insegurança. A degradação também resulta um bocado disso. Poderá haver ali, durante a noite, alguma situação de controlo”, justificou Manuel Salgado ao “Público”, explicando que “na placa central vai haver um parque infantil grande, do lado do Hotel Mundial, e do lado oposto mantém-se o lago que lá está. Essas manter-se-ão sempre abertas, até porque deixa de haver cantos, zonas que pudessem de algum modo criar alguma situação de insegurança”, acrescentou o vereador ao mesmo jornal.
Na mesma ocasião, o PSD apresentou uma proposta – cuja votação foi adiada – que pede à CML “que se pronuncie sobre o eventual incumprimento do contrato de concessão”, acreditando que não está a ser cumprido. Por sua vez, o PCP reagiu ao projeto entregando, na mesma reunião, uma proposta – que ficou a aguardar agendamento – para “proceder à avaliação da concessão” com o objetivo de “concretizar as medidas necessárias para denunciar o contrato”.
Entre as várias forças políticas na câmara, o CDS é a única que ainda não apresentou nenhuma proposta.
Movimento cívico junta-se à discussão Dias depois da apresentação do projeto, o Fórum Cidadania Lx reagia em comunicado, anunciando que propôs à autarquia a anulação da concessão e do projeto em cima da mesa, bem como a “reformulação completa do programa de reabilitação da praça”. A ideia do movimento cívico é abrir um “concurso público internacional para a reabilitação paisagística da praça”, pedindo a existência de “um período de consulta pública sobre os parâmetros paisagísticos” da obra.
Para o grupo, os cidadãos devem ter algo a dizer sobre “o redesenho da praça, definição das áreas verdes e tipo de arvoredo, desenho dos percursos pedonais, características do mobiliário urbano, eventual presença de um quiosque e eventual colocação de gradeamento como medida de segurança no caso de se verificar uma manifesta incapacidade de policiamento eficaz”, defendendo que os moradores estejam representados no júri do concurso e que se realize um “referendo local” quanto às opções em cima da mesa.