Martim Moniz. A mesquita que deixou António Barroso sem prédios e o centro de saúde fora da caixa

Martim Moniz. A mesquita que deixou António Barroso sem prédios e o centro de saúde fora da caixa


Há polémicas, mas também há histórias de sucesso no bairro. Recordamos duas recentes: a expropriação dos imóveis na Rua do Benformoso para a construção de uma mesquita e a unidade de saúde familiar onde os médicos não usam bata e prescrevem apoios sociais à população 


O futuro da Praça Martim Moniz está longe de ser a única polémica no bairro nos últimos anos. A decisão de se avançar com a construção da mesquita da Mouraria, projetada para a Rua do Benformoso, é dos dossiês que têm feito correr mais tinta. Para que o projeto possa ser uma realidade foi feita a expropriação dos prédios localizados nos números 135 e 151-A. O proprietário, António Barroso, nunca se conformou, mas perdeu o caso. Continua à espera que se faça justiça, até porque mensalmente tem de pagar o empréstimo com que tinha adquirido os imóveis, que já não são seus. 

António Barroso moveu um processo contra a Câmara Municipal de Lisboa (CML) para contestar o procedimento mas, no final do ano passado, a justiça decidiu a favor da CML, dando luz verde à construção do templo muçulmano. Ao i, o homem, hoje com 65 anos, conta que, em maio de 2016, a câmara expropriou-o dos dois prédios, que comprou em 2006. Lamenta desde logo não ter tido voto na matéria. “O presidente da câmara convocou-me para uma reunião para falarmos sobre o assunto”, mas “horas antes” do encontro “já tinha sido depositado na minha conta um total de 531 850 euros” como indemnização. 

Barroso recusou o valor, que acabou por ser aumentado para 953 800 euros. Mas esse valor incluía indemnizações que seriam destinadas aos inquilinos, explica. É que, depois de comprar os prédios, o proprietário remodelou-os. Mudou–se para um dos andares de um prédio com três pisos, destinando os outros dois a alojamento local. Quanto às lojas, têm como inquilinos um restaurante e uma agência de viagens. “Fiz um empréstimo para as obras que continuo hoje a pagar e a indemnização que me transferiram não chega nem para isso”, lamenta. “Tenho de pagar ao Montepio 2300 euros todos os meses.”

Mesmo que quisesse comprar prédios semelhantes, a verba oferecida pela câmara não o possibilitaria. E garante: “Não vou usar esse dinheiro. Sou comerciante, mas prefiro recorrer a amigos se precisar.”

Legalmente, não sendo o proprietário dos prédios, não pode celebrar novos contratos. Ao mesmo tempo, tomou a decisão de deixar de cobrar rendas. “Os prédios não são meus”, justifica.

Num impasse, António Barroso conta que, no final do ano passado, foi contactado por um jornalista que lhe disse que Fernando Medina já lhe tinha oferecido dois prédios em troca. Mas o proprietário expropriado nega. “Nunca me foi oferecido nada em troca”, afirma. 

Para provar a sua posição, o homem foi mesmo a uma reunião de câmara, em dezembro do ano passado, confrontar Medina. “Perguntei-lhe onde estão os prédios e em que estado estão, mas não respondeu. E ainda me quis pôr na rua, porque disse que lhe estava a chamar mentiroso”, lamenta. Do seu lado, a câmara entende que o dossiê está fechado, uma vez que foi paga a indemnização determinada pela justiça.

 

Uma revolução na saúde

A contrastar com o desenrolar desta história, que deverá terminar com um novo templo de três milhões de euros no coração na cidade (a construção da mesquita ainda não arrancou), nos últimos tempos houve um investimento público no bairro que despertou uma corrente de otimismo. Antes de ser uma realidade, passaram–se, porém, anos de impasse. 

A Unidade de Saúde Familiar (USF) da Baixa, inaugurada em novembro de 2016, serve hoje cerca de 15 mil utentes. Na cerimónia de inauguração, o primeiro-ministro recordou que, desde o momento da assinatura do protocolo para a construção e o fim das obras da USF da Baixa, passaram “dois presidentes de câmaras e três governos distintos”.

Descontado o atraso, hoje parece estar a fazer alguma diferença. Se o bairro é dos mais multiculturais da cidade – somam-se perto de 80 nacionalidades -, o Martim Moniz é também uma zona onde a população idosa está muito presente. Contudo, até há dois anos, os cuidados de saúde primários da zona eram conhecidos pelas más condições. Hoje são conhecidos por algumas particularidades, mas o balanço parece ser positivo.

Ao i, Maria, uma das idosas utentes da instituição, conta que a primeira vez que lá foi estranhou. “Os médicos não usam bata e, quando o centro abriu, isso causou-me alguma estranheza”, recorda. Hoje, contudo, admite que o trabalho dos jovens médicos – um total de nove, nenhum com mais de 35 anos – é bom e Maria sente-se em boas mãos.

Jovens ou não, a verdade é que desde que os médicos lá chegaram, um dia normal nesta unidade de saúde familiar – aberta da 8h às 20h – é um dia em que não há filas. E o trabalho que lá se desenvolve já mereceu atenção internacional: é que, para lidar da melhor forma com a multiculturalidade – e porque, muitas vezes, as pessoas que ali chegam não conseguem falar sequer inglês -, os médicos criaram o Bengalisboa Community Health Project, com o objetivo de compreender e estar mais perto da comunidade imigrante do Bangladesh, ideia que valeu à USF da Baixa um destaque no site europeu da Integração de Migrantes, uma plataforma da Comissão Europeia que divulga boas práticas na área.

 Outro projeto inovador nesta unidade de saúde é a prescrição social, que segue um modelo nascido no Reino Unido. A ideia é que os médicos, ao receberem os utentes, identifiquem se estes precisam de algum tipo de ajuda, colocando–os em contacto com associações que prestam apoio à comunidade.

A Unidade de Saúde Familiar da Baixa é ainda conhecida entre os utentes por outra iniciativa, praticada também lá fora: Walk With a Doc. Todos os meses, um dos médicos de família acompanha os utentes numa caminhada. O objetivo? Incentivar à prática de exercício físico, sem custos.