Mobilidade. Trotinetes e bicicletas invadem Lisboa

Mobilidade. Trotinetes e bicicletas invadem Lisboa


Os veículos de duas rodas prometem mais rapidez e comodidade e já fazem parte do dia-a-dia da cidade


Manhã de um dia de outono em que o calor do sol já não consegue esconder o frio que se faz sentir na capital. Os lisboetas preparam-se para mais um dia de normal azáfama na cidade. Com o saco de ginástica ao ombro e um ar feliz, Gil, estudante na Faculdade de Ciências da Universidade Clássica de Lisboa, pega na trotinete junto ao ginásio nos jardins do Campo Grande e arranca: “É mais rápido, cómodo e sei que a apanho em qualquer lado. É um percurso pequeno e prefiro fazê-lo assim”, diz ao i. A trotineta faz parte das rotinas de Gil, que três vezes por semana não prescinde de fazer este percurso neste novo meio de transporte. Se o fizesse a pé levaria 10 minutos, na trotinete faz em três.

E é pelo tempo que muitos munícipes já aderiram a esta moda, já que financeiramente ainda não é muito compensador. Afinal, “desbloquear” uma trotineta implica pagar logo um euro e, depois, a cada minuto é preciso desembolsar mais 15 cêntimos. “O problema disto é ser caro. 15 cêntimos por minuto ainda é um bocado”, exclama um dos rapazes de um grupo de quatro enquanto descarrega a aplicação da Hive, junto à Rotunda do Saldanha. “Se tivesse anuidade era melhor”, comentam, mas, agora, “é só para experimentar”.

As trotinetes amarelas despertam o interesse de muitos curiosos que apenas param para ver, ler as informações e perceber o serviço. E também de turistas, que veem nelas uma nova forma de conhecer a cidade.

“Os miúdos adoram, até está na lista de desejos dele”, confessa Diane, americana de férias em Lisboa com a família. Enquanto as duas filhas olham para as trotinetes e se põe em cima delas, Diane conta: “É a primeira vez que experimento, mas olho para elas como uma boa e diferente forma de ver a cidade”.

Também de férias em Portugal, um casal alemão que encontrou trotinetes em frente ao Horto do Campo Grande não resistiu a experimentar. A entender a língua portuguesa na perfeição, Anne conta ao i que esta seria a primeira vez que passearia de trotinete porque “em Berlim, só de bicicleta”. Enquanto o namorado percebia como funciona a aplicação e o veículo, Anne confessa que não têm um destino definido. “Vamos experimentar até onde quisermos e conhecer a cidade”. Os dois seguiram depois, divertidos, em cima da trotinete.

Mais do que as bicicletas, as trotinetes despertam, de facto, a curiosidade de jovens e turistas, que veem com bons olhos esta nova forma de mobilidade. As 200 trotinetas brancas da Lime estão espalhadas por Lisboa desde outubro e, através da aplicação, é possível perceber que não se encontram apenas em sítios estratégicos, mas também em ruas de habitação ou longe do centro. No entanto, o utilizador não pode estacioná-las no centro histórico, zona desenhada a vermelho no mapa da app.

Em pouco mais de um ano, a americana Lime cresceu de forma exponencial e, com o financiamento da Uber e da Google, já está presente em algumas das mais importantes cidades da Europa, como Madrid, Paris, Berlim e Londres. Além disso, foi a primeira empresa de trotinetas elétricas partilhadas a apostar em Portugal.

A primeira concorrente apareceu já em novembro, na última terça-feira. A “Hive”, projeto-piloto da myTaxi, tem mais de 126 veículos na cidade. Esta inovação de uma das maiores aplicações de táxis, escolheu Lisboa para testar o produto. “É um complemento perfeito para o nosso negócio do táxi, já existente, uma vez que podem ser utilizadas principalmente para passeios curtos, de cerca de um a dois quilómetros”, explicou a empresa em comunicado: “Uma mais-valia muito ecológica e sustentável ao mix da mobilidade”.

juntas na ciclovia Embora as trotinetas estejam a ganhar espaço, a verdade é que as bicicletas continuam a merecer a preferência de jovens e adultos. “Desculpem, estou com pressa”, disse ao i, um senhor de fato e gravata que pedalava na ciclovia junto ao Campo Pequeno. Na sorte de apanhar um sinal vermelho, houve também quem confirmasse a emergência para chegar a casa. “Desculpem, vou ter exame a seguir e preciso mesmo de me despachar, vou só a casa almoçar”, disse, atrapalhada, uma estudante universitária.

A rapidez, eficácia e a comodidade é o que mais atrai os condutores. No entanto, o preço é palavra-chave. Mais barato do que as trotinetas e que os transportes públicos, a bicicleta é, para muitos, a forma ideal de deslocação em Lisboa. “É mais rápido, mais cómodo e acima de tudo mais barato que os transportes públicos. Eu uso quase todos os dias e para ir para quase todo o lado”, explicou João Almeida, estudante do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas que percorre quase todos os dias o caminho entre casa, Picoas, e o sítio onde estuda, de bicicleta.

Na doca junto à estação de comboios de Entrecampos e prestes a alugar uma destas bicicletas, que podem ser pagas anualmente por 25 euros ou mensalmente por 15€ para viagens com um limite de 45 minutos e que obrigam ao pagamento de uma taxa depois deste tempo, João contou que a experiência nas Gira nem sempre tem episódios felizes. “Por vezes encontro umas em mau estado, com problemas nos travões ou por exemplo assim”, explicou enquanto apontava para um selim com a proteção descolada. “Nos últimos meses chego às estações e não há bicicletas. Nessas situações acabo por ir a pé”, confessou.

As mesmas queixas tem Mariana Carvalho, que utiliza este serviço quase todos os dias. “Às vezes não há bicicletas nas docas e outras não dá para escolher que tipo de bicicleta queremos”. A procura é maior que a oferta e as exigências dos utilizadores pedem mais docas: “Muitas vezes quero ir para alguns sítios, mas não vou de bicicleta porque sei que não há docas”. Na mesma paragem que João, Mariana preparava-se para o curso de espanhol, na Avenida da Liberdade. “Vou de bicicleta cada vez que saio de casa para ir a algum lado”, finalizou.

A Gira oferece bicicletas clássicas e elétricas e estas últimas fazem os encantos da maior parte dos utilizadores. Em cima de uma destas bicicletas, Sílvio acabou de sair de uma consulta no Marquês de Pombal e prepara-se para regressar a casa, em Telheiras. Tem bicicleta própria, que usa quase todos os dias para passear, mas aluga “sempre destas (elétricas) para não chegar às consultas suado”.

O cansaço e as consequências do mesmo são também o que faz Maria Manuel Sá Pereira, acabada de sair do Saldanha, escolher apenas uma bicicleta clássica quando se prepara para ir para casa. “Utilizo (bicicleta clássica) sempre que vou das reuniões para casa, ao contrário não, porque fica mal chegar suada ao trabalho”, disse, entre risos. “As ciclovias estão bem assinaladas e os semáforos ajudam. Esta é uma boa e rápida forma de viajar, ainda por cima quando faz sol, que ajuda muito”.

Os lisboetas estão cada vez mais rendidos a esta nova forma de mobilidade e as Gira, que têm já mais de 92 estações e 935 bicicletas, já conta com mais de 15 mil passes anuais e mais de 675 mil viagens nos últimos 12 meses. Segundo dados da Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL), 75% das viagens são feitas por residentes e apenas 1% por estrangeiros.

Luís Natal Marques, presidente da EMEL, detentora do serviço, explicou ao i que a utilização das Gira “tem um pico às nove da manhã, volta a atingi-lo à hora de almoço e mais tarde na hora de regressar a casa”. O serviço está disponível desde setembro do ano passado e Natal Marques mostra-se orgulhoso do resultado. “É um meio de transporte fácil, comum e desenvolvido especialmente a pensar em nós”, disse. O presidente contou ainda em primeira mão ao i que o serviço chegará nas próximas semanas a um milhão de utilizações e que a “adesão faz pensar na expansão” para cerca de 1400 bicicletas já no próximo semestre, numa altura em que a cidade das sete colinas é cada vez mais amiga dos pedais.

Este serviço teve já um concorrente, as “oBike”. O serviço permitia que as pessoas circulassem em bicicletas partilhadas e que as deixassem em qualquer sítio da cidade. Os veículos amontoados e deixados no meio das ruas alertou a autarquia, que mandou retirar de circulação todas as bicicletas da empresa de Singapura. Ainda assim, numa mensagem deixada na rede social Facebook, a empresa prometeu melhorar o serviço e voltar “em breve”.

O preço destas variava consoante os pontos, que se baseavam na utilização responsável e condução cuidada.

Lisboa é uma cidade apetecivel Além da Lime a da Hive, são muitas as empresas que querem que as suas trotinetes passeiem pelas ruas da cidade à beira Tejo.

A partir de 15 de dezembro, as rodas das portuguesas Bungo vão levar os lisboetas até onde quiserem. João Pedro Cândido, um dos fundadores, contou ao i que a empresa está agora a “finalizar os últimos detalhes com a Câmara Municipal de Lisboa” e explicou que este serviço difere de todos os outros “em alguns detalhes”, uma vez que os preços e procedimentos são idênticos.

“O pagamento via multibanco e a possibilidade de emitir uma fatura com NIF fazem a diferença num mercado onde todas as soluções são tão parecidas”, disse.

Prestes a entrar em Portugal estão também as suecas VOI. A startup que tem como investidores Justin Mateen, co-fundador do Tinder, e Nicolas Brusson, co-fundador e presidente executivo da BlaBlaCar, já está presente em cidades como Madrid e Estocolmo e pretende agora expandir-se para o Luxemburgo e Itália, por exemplo.

Em comunicado, a empresa confirma que a expansão irá ser “rápida, mas sustentada” e diz que o objetivo passa por trabalhar “lado a lado com o poder político e decisores para melhorar a rede de transporte local em todas as cidades”.

Concorrência a estas quer também fazer a Iomo. Segundo Luís Reis, co-fundador da empresa, “a entrada está para breve, mas ainda não podemos avançar datas”.

As previsões são secretas, mas a aposta em Lisboa é séria até porque “é a cidade com melhor piso”, confessou ao i.

O mesmo interesse tem a empresa WIND, que irá funcionar através de um sistema de pontos se encontrar a trotineta da sorte.