O IVA a 23% na eletricidade tem prejudicado muito as famílias portuguesas. No caso dos mais pobres, o impacto é cinco vezes superior ao que é sentido pelas famílias com mais rendimentos. De acordo com uma análise feita por Alfredo Marvão Pereira e Rui Manuel Pereira – professores do College of William & Mary – não há como fugir: os agregados com menos meios são os que mais sofrem. Ao i, Marvão Pereira explica que “estamos sempre na liderança dos preços mais altos. Quando devia ser o mais baixo possível por questões ambientais, de eficiência e equidade social, os pobres têm sido cinco vezes mais penalizados”. “Com o IVA a 23%, a tarifa social não faz assim tanta diferença. Se formos ver o poder de compra, Portugal fica mesmo com a fatura mais cara”, acrescenta.
Marvão Pereira vai mais longe e destaca que o IVA nos espetáculos baixou e a questão das touradas não podia estar a ser mais debatida. Ainda que admita que todas as questões são importantes, ressalva que “o problema é como toda a dinâmica política funciona. É alucinogénico discutir tanto a redução do IVA das touradas e não ser comparável com a discussão sobre a eletricidade”.
A verdade é que Portugal aparece há vários anos na lista de países europeus que mais paga pela luz. Mudam os anos e as posições na tabela, mas não a tendência de ter uma das cargas fiscais mais pesadas. Entre taxas e impostos, chega a ser mais de metade do valor que é pago pelas famílias. O tema voltou a ganhar destaque esta semana depois de os dados do Eurostat mostrarem que as famílias portuguesas são as que pagam a sexta fatura elétrica mais cara da União Europeia (UE). A piorar o cenário está o facto de o gabinete de estatísticas da UE referir que 55% da fatura são impostos e acrescentar que apenas a Dinamarca tem uma carga fiscal superior à portuguesa. Mas o alerta já tinha sido dado em maio deste ano, assim como em anos anteriores, a questão é que o valor tem vindo a aumentar. No segundo semestre de 2017, por exemplo, o Eurostat mostrava que a percentagem de impostos e outras tarifas representaram 52% do preço médio da luz, o que correspondia à terceira mais elevada da UE.
A tendência de haver um grande peso nas contas dos portugueses chegou mesmo a motivar uma análise ao setor em 2015. Uma das conclusões mais importantes era que os preços tinham começado a cair, especialmente desde 2013, na Alemanha e em França. Em Portugal, tudo na mesma. “Os dois primeiros países referidos têm conseguido, através da evolução das tecnologias e outros meios, reduzir os seus preços de eletricidade, sendo que tanto Portugal como Espanha debatem-se com o seu isolamento geográfico.”
Recorde-se que a fatura da luz começou a pesar mais depois de o IVA ter aumentado em 2011. Portugal estava então mergulhado num contexto de resgate financeiro internacional. Uma das consequências foi o aumento da taxa estatutária do IVA na eletricidade de 6 para 23%. A medida era para ser temporária.
Como ler a fatura da luz A fatura da eletricidade é das que mais pesa na hora de gerir as despesas gerais. Em média, chega a representar 6,3% das despesas que as famílias têm por ano. Uma das parcelas mais importantes é, claro, o consumo. Se existir uma leitura no período em causa, é apresentado o consumo registado. Caso não existam leituras, é feita uma estimativa. Uma outra parcela diz respeito à potência que é contratada, que permite ligar simultaneamente os vários equipamentos porque define o valor máximo de eletricidade que a sua instalação elétrica pode receber. Depois, há os impostos e todas as taxas que são obrigatórias. A Taxa de Exploração Direção Geral de Energia e Geologia, por exemplo, reverte para o Estado. É uma taxa fixa de 0,07 euros. Além disto, caso não haja direito ao desconto da tarifa social, há o Imposto Especial de Consumo. É uma taxa de de 0,001 euros por kWh de energia. Além disto, existe ainda a Contribuição Audiovisual que serve o financiamento do serviço público de radiodifusão e de televisão.
De acordo com a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), os impostos representam atualmente 19% do preços das faturas. O verdadeiro peso é dos custos políticos (36%) e, entre eles, estão, por exemplo, as rendas municipais e subsídios das renováveis.
O preço da luz esteve em destaque na discussão do Orçamento para 2019. Houve vontade de baixar o IVA da eletricidade, mas o PS e a direita travaram.