Já temos assunto para as próximas semanas. Uma verdadeira tourada! Caiu o Carmo e a Trindade!
Não! É apenas a democracia! Quem está mal ou se sente incomodado pode sempre emigrar para a Venezuela ou para outro país que siga uma linha mais autoritária, ou então continuar a lutar pelos valores em que acredita.
Por norma, não me envolvo nos movimentos contestatários de causas minoritárias ou, como alguns gostam de apelidar, temas fraturantes. Limito--me a respeitar. E sobretudo naqueles que, quando não conseguem atingir os objetivos, lançam a cartada da repressão, da falta de sentido cívico e civilizacional ou antiprogressista.
Não são questões de fundo como a interrupção voluntária da gravidez (IVG) ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Não, são temas que se podem colocar no fundo de uma agenda de prioridades mas que, como podem produzir algum sound bite e dar uns minutos de protagonismo, há uma franja da nossa sociedade que os aproveita de bom grado.
Sou de esquerda, considero-me progressista e tenho uma ampla capacidade de tolerância. Compreendo perfeitamente quem, na sua génese, abomina temas como a IVG ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, como compreendo pessoas que se sentem horrorizadas com as touradas ou os maus-tratos dos animais.
O que não compreendo é a profunda irritação com que pessoas com opiniões divergentes se acusam gratuitamente e deixam resvalar a argumentação para o insulto, o extremismo e, perdoem-me, algum autismo.
O grande ruído em torno da redução do IVA na touradas não tem qualquer sentido de ser, salvo melhor opinião.
Não gosto de touradas, nunca fui e a única memória que tenho deste evento cultural (porque o é) remonta ao final da década de 70 e década de 80, quando a falta de opção televisiva impunha ver, ou pelo menos reparar, nas corridas que passavam na RTP durante o fim de semana.
Agora, é um espetáculo, com bastantes aficionados, com uma indústria associada e uma tradição secular enraizada no nosso país. Porque deveria sofrer uma discriminação face a todos os outros eventos culturais? Não entendo!
Criou-se uma espécie de moda em que é chique defender tudo o que seja relativamente acessório e pouco fundamental no que toca a resolver problemas da nossa sociedade.
O pináculo é a chegada ao parlamento de um partido como o PAN. Nada contra, e muito satisfeito que assim seja. No entanto, as causas que defende, legitimamente e com interesse para uma boa parte da população, não me transtornam nem são, no meu entender, uma prioridade. Até votaria favoravelmente em algumas, mas de forma alguma concebo que os média e uma boa parte da nossa sociedade os assinalem como preponderantes e fundamentais para a evolução da nossa sociedade.
Faria muito mais sentido toda esta excitação se estivesse em causa uma proposta de melhoria do sistema de justiça, de reforço de meios para o Ministério Público, para medidas objetivas para promover um melhor ambiente, para assegurar justiça social ou, simplesmente, para combater a pobreza.
Mas não, não é sexy, não é porventura millennial e, como tal, outros que tratem, os do regime e do establishment.
Discriminar negativamente temas e assuntos que se tornaram uma bandeira de um segmento da sociedade só porque são sinónimo de evolução e progressismo é profundamente errado.
Fazer desta discussão um tema central e de análise que põe em causa um governo e os seus deputados é apenas ridículo. Evoluir é aceitar democraticamente as posições, também elas democráticas, das maiorias. E, em última análise, podemos sempre abster-nos. O resultado em torno do IVA das touradas foi um valente olé a quem não lida bem com a liberdade de escolha.
Escreve à quinta-feira