ADN. Técnica de manipulação genética em embriões humanos alvo de críticas

ADN. Técnica de manipulação genética em embriões humanos alvo de críticas


Um cientista chinês  garantiu ter conseguido modificar o ADN de embriões de duas gémeas que terão nascido este mês. Apesar de a técnica ainda não ter sido confirmada cientificamente vários especialistas dizem que esta é totalmente condenável do ponto de vista ético 


He Jiankui, um cientista da Southern University of Science and Techonology (SUSTech), pode ter mudado o panorama da genética humana. Na segunda-feira, o cientista chinês, em declarações à Associated Press, revelou que conseguiu, pela primeira vez, manipular geneticamente embriões humanos. Qual o objetivo? Garantir que os bebés se tornem resistentes a infeções provocadas pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH). Contudo, esta revelação tem gerado polémica entre a comunidade científica.

Ao i, Ana Sofia Carvalho, diretora do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa, disse que este procedimento não é de todo ético. “A condenação ética vem de todo o lado, incluindo da própria China que diz que aquilo desobedece a tudo o que são padrões éticos e de integridade cientifica nacionais e mundiais”, acrescentou.

E para já ainda não é possível confirmar os resultados desta experiência, porque ainda não existe uma prova científica. Ou seja, ainda nada foi publicado ou avaliado para garantir que esta técnica conseguiu fazer aquilo que o cientista diz ter feito.

Segundo a Ana Sofia Carvalho, a primeira questão eticamente condenável prende-se com o facto de este procedimento ser “muito recente” e de – apesar de já há muito se falar em manipulação genética – esta técnica só ter começado a ser estudada há cerca de dois anos. Segundo explicou Ana Sofia Carvalho ao i “ainda não há investigação que permita avançar de uma forma minimamente prudente para o ser humano”. Além disso, a especialista afirmou também que esta manipulação em embriões terá implicações nas gerações futuras, visto que as alterações genéticas irão passar de geração em geração. 

O cientista chinês, defende a especialista, colocou a experiência em andamento não no sentido de “prevenir uma doença grave e incurável”, mas sim para “evitar que aquelas duas gémeas no futuro tenham uma doença que não é terminal”. “A técnica já é duvidosa pelos riscos que comporta e a forma como é utilizada ainda é mais problemática do ponto de visto ético, não é para tratar, é para melhorar uma condição que não faz sentido nenhum”, completou.

Ana Sofia Carvalho referiu ainda que este caso não servirá de exemplo no futuro da medicina. De acordo com a especialista, a comunidade dos profissionais que trabalham em bioética em todo o mundo já se pronunciou dizendo “que se tem de haver regras mundiais absolutamente proibitivas deste tipo de intervenção e deste tipo de utilização, porque é extremamente arriscado aquilo que ele fez”.

António Jacinto, investigador do centro de estudos doenças crónicas da Faculdade Médicas da Universidade Nova de Lisboa, corroborou a opinião de Ana Sofia Carvalho: “Quando se tenta fazer uma intervenção muito específica existe sempre a possibilidade de fazer  intervenções não esperadas. Ou seja, alterar no ADN em alguns aspetos que não eram pretendidos”, podendo vir a provocar o aparecimento de doenças e deixar marcas nas gerações futuras.

Este procedimento “não é nada ético”, afirmou António Jacinto ao i. Tanto pelos riscos que comporta como pelo facto de este tipo de intervenções “abrir a porta a que se possa fazer alterações” no ADN das crianças. 

O investigador adiantou ainda que os cientistas vão aprendendo como é que estas alterações são feitas e se “não houver um travão para impedir que estas coisas sejam feitas cria-se de facto um precedente muito sério”.

 

Procedimento

O cientista explicou à Associated Press que ele e a sua equipa terão conseguido alterar os embriões de, pelo menos, sete casais que estavam a fazer tratamentos de fertilidade. O caso de duas bebés gémeas, que terão nascido este mês, foi o primeiro bem sucedido. 

Nos últimos anos, a China tem vindo a estudar a resistência ao vírus do VIH – que resulta de uma mutação do gene CCR5. Esta alteração genética leva a que parte do gene seja eliminado, afetando assim a sua funcionalidade. Para combater esta alteração, a equipa de investigadores, utilizou uma técnica chamada CRISPR-Cas9 que, teoricamente, permite corrigir as mutações presentes no ADN. E, até ao momento, esta técnica só tinha sido utilizada em adultos, como uma ferramenta para combater doenças terminais. 

Apesar de a identidade dos casais não ter sido revelada, os investigadores referiram que todos os homens envolvidos na experiência estavam infetados com o vírus VIH, mas as mulheres não. O cientista explicou que o seu objetivo não seria “curar ou prevenir uma doença hereditária”, mas sim tornar possível que nesse tipo de casais – em que pelo menos um indivíduo está infetado – possam ter um filho geneticamente protegido dessa doença.

O investigador chinês garantiu que nas duas gémeas a alteração do código genético se verificou “sem prova de prejuízo para os outros genes”. Mas, essa modificação poderá vir a ter um impacto diferente nos dois bebés: numa das gémeas, a alteração terá tido um sucesso parcial – esta poderá vir a ser infetada com o vírus do VIH no futuro, embora a progressão da doença se desenvolva de forma mais lenta do que o normal. Na outra bebé o sucesso terá sido completo, assegurando assim que esta nunca virá a ser infetada com o vírus do VIH. 

Em vários países do mundo este tipo de manipulação genética em embriões humanos é proibida, incluindo Portugal. Ao i, Ana Sofia Carvalho explicou que na Europa este procedimento não “era de todo possível”, porque existe a Convenção dos Direitos do Homem da Biomedicina que é “lei em Portugal” e que “proíbe completamente o uso desta técnica”. Além disso, “a Comissão Europeia tem como regra não financiar projetos com este tipo de fim”. 

 

Abertura de inquéritos

A Comissão Nacional de Saúde da China fez saber ontem que irá “investigar seriamente” as declarações proferidas pelo cientista chinês.

Também a SUSTech já disse que não está envolvida com o projeto. Em declarações à CNN, um porta-voz da universidade garantiu que “a investigação não foi conduzida” no hospital da universidade e “que os bebés não nasceram” nessa unidade. O responsável adiantou ainda que a universidade vai abrir uma investigação ao cientista.