Não se sabe muito sobre a tribo dos sentineleses, localizada no mar de Andamão (Oceano Índico), que vive praticamente isolada do resto do mundo, com um perímetro de segurança de cinco quilómetros a rodeá-los. Há pouca informação sobre a tribo, contudo há um homem que já teve contacto com os nativos quando liderou uma expedição à ilha em 1991, o antropólogo indiano T.N. Pandit.
Este é um dos únicos contactos com a tribo de Sentinela que alguma vez foi documentado, sendo Pandit um dos únicos homens a ter-se aproximado dos indígenas. Agora, com a morte do jovem missionário dos Estados Unidos e com as atenções viradas para a tribo, o antropólogo falou sobre a sua experiência com os sentineleses à BBC, afirmando que a reputação que a tribo ganhou devido à morte do norte-americano é “injusta”.
O antropólogo T. N. Pandit, de 86 anos, foi o chefe regional do ministério indiano dos Assuntos Tribais, o que o levou várias vezes a visitar a ilha. Segundo o especialista, esta é uma tribo que passou milhares de anos em isolamento e é apesar de tudo uma tribo “pacifica”, e justificou: "Durante as nossas interações, eles ameaçaram-nos, mas nunca chegaram ao ponto de nos matar ou magoar. Sempre que eles começavam a ficar agitados, nós afastávamo-nos".
Questionado sobre John Allen Chau, que queria evangelizar a tribo, o antropólogo indiano afirmou sentir-se "muito triste com a morte deste jovem que veio desde a América até aqui. Mas ele cometeu um erro”. Para o especialista, o norte-americano “teve muitas oportunidades de se salvar. Mas insistiu e pagou com a sua vida”.
Pandit viajou pela primeira vez até àquela ilha no mar de Andamão em 1967, fazendo parte de uma expedição. O antropólogo recorda que na altura os membros da tribo se esconderam na selva, assim que avistaram visitantes e que, noutras viagens feitas mais tarde, chegaram a lançar flechas para os membros da expedição, o pouco contacto que houve só foi alcançado na visita de 1991.
Nas viagens, os antropólogos levavam com eles objetos que acabavam por deixar na ilha como presentes: "Levámos vasos e panelas, grandes quantidades de cocos, ferramentas de ferro, como martelos e facas. Connosco iam três homens Onge (outra tribo local) para nos ajudar a interpretar o discurso e comportamento dos sentineleses", revelou num ensaio, citado pela BBC, que escreveu sobre as suas expedições. "Mas os guerreiros sentineleses receberam-nos com rostos zangados e armados com os seus longos arcos e flechas", acrescentou.
Após estes insucessos iniciais, os membros das expedições foram conseguindo construir uma relação de confiança e perceber os comportamentos da tribo. Um dos exemplos dado por Pandit é quando decidiram oferecer um porco, que acabou por ser morto pela tribo e enterrado no areal.
O primeiro avanço significativo foi em 1991, após várias expedições na tentativa de estabelecer contacto: os sentineleses aproximaram-se dos visitantes, enquanto não carregavam armas pela primeira vez. "Ficamos perplexos quando permitiram que nos aproximássemos (…) A decisão de nos conhecer foi deles e o encontro foi feito nos seus termos (…) Saltámos para fora do barco, com a água a chegar aos nossos pescoços. Distribuímos cocos e outros presentes. Mas não nos era permitido ir a terra", conta o antropólogo.
O antropólogo revela que não estava com receio de que os sentineleses o pudessem atacar, mas teve sempre cuidado ao aproximar-se dos membros da tribo.
O grupo tentou comunicar através de linguagem gestual com os membros da tribo, mas estes estavam entretidos com os presentes: "Eles estavam a falar entre si, mas não conseguimos perceber a sua linguagem. Pareceu semelhante às linguagens faladas por outras tribos da área."
Num momento mais tenso durante esta troca de presentes, Pandit relembra que chegou a ser ameaçado porque “não era bem-vindo”: "Quando estava a dar cocos, acabei por me separar da minha equipa e comecei a aproximar-se da costa (…) Um pequeno sentinelês fez uma cara estranha, tirou a sua faca e, com sinais, mostrou-se que cortava a minha cabeça. Chamei imediatamente pelo barco e afastei-me (…) O gesto do rapaz é significativo. Ele tornou claro que eu não era bem-vindo."
O Governo indiano deixou de fazer estas expedições, e agora só vai à ilha esporadicamente para verificar se a tribo continua viva.
A tribo encontra-se isolada devido ao facto de que qualquer contacto com o “mundo exterior” pode pôr em causa a saúde dos sentineleses, visto que não devem ser imunes às doenças que são consideradas comum, como por exemplo uma gripe.
Em todas as expedições que Pandit participou cada participante foi previamente examinado e apenas os que se encontravam de boa saúde puderam fazer parte da expedição.
Pandit nega a classificação da tribo como “hostil”: "Estão a olhar de forma errada para isto. Nós é que somos os agressores aqui (…) Nós é que estamos a tentar entrar no seu território".
"Os sentineleses são amantes da paz. Eles não procuram atacar pessoas. Eles não visitam áreas vizinhas e causam problemas. Este é um raro incidente", defendeu Pandit, que acredita que as missões para deixar presentes na ilha devem acontecer, mas diz que os sentineleses não devem ser incomodados”, nota o especialista, acrescentando que "devemos respeitar o seu desejo de ficarem sozinhos."
Esta é uma opinião partilhada pela organização não-governamental Survival International, que apelou às autoridades encarregues da recuperação do corpo que abandonassem a missão.
Segundo as autoridades indianas, John Allen Chau não tinha autorização para realizar a viagem até á ilha e por isso teve de pagar a dois pescadores para que o levassem ilegalmente. O missionário norte-americano conseguiu chegar à ilha sozinho, com a ajuda de um caiaque, mas rapidamente foi atacado com flechas que o mataram.
A missão de recuperação do corpo está agora em curso “com a maior sensibilidade possível”, visto que “mataram alguém vindo do exterior e sofreram um choque psicológico”, revelou o diretor-geral da polícia em Andamão e Nicobar, Dependra Pathak, citado pelo The Guardian.