João Lourenço. Uma visita que começa com certo embaraço

João Lourenço. Uma visita que começa com certo embaraço


Com a diplomacia económica na agenda, o Presidente angolano chegou a Portugal para uma visita oficial de três dias que marcará o fim do “irritante”. De Luanda trouxe os ecos do seu antecessor a desmenti-lo publicamente


Quando João Lourenço chegou ontem ao Hotel Ritz em Lisboa, já era quase noite e as nuvens haviam de trazer a chuva pouco tempo depois, mas o semblante carregado do Presidente de Angola talvez tivesse menos a ver com o tempo outonal que se fazia sentir na capital portuguesa e mais com a conferência de imprensa que o seu antecessor na presidência deu hoje em Luanda para contrariar as suas palavras.

Podia ser só o cansaço da viagem a ditar os ombros arqueados e o silêncio do Presidente angolano, mas apesar de estarem no hall do hotel muitas pessoas para o receber, João Lourenço e a primeira dama seguiram diretamente para o elevador em direção aos seus quartos sem mais delongas. Até o ramo de flores entregue a Ana Dias Lourenço assim que pisou o hotel (recebido com sorriso pela primeira-dama) foi imediatamente retirado por um segurança e entregue a alguém do staff.

Como disse ao i Alcides Sakala, histórico deputado e porta-voz da UNITA, o principal partido da oposição em Angola, as declarações de José Eduardo dos Santos colocaram-nos “perante uma nova telenovela que reflete o mal-estar dentro do partido do governo”, com o “agudizar de posições entre os dois lados”.

O gesto de José Eduardo dos Santos – pouco habitual num político que sempre se pautou por falar pouco e com a imprensa muito menos -, ao convocar os jornalistas para a manhã do dia em que João Lourenço partia para Lisboa, obriga a interpretações políticas e não deixa de ser um embaraço para o seu sucessor. Principalmente porque o ex-presidente contradisse publicamente as afirmações de João Lourenço.

No entanto, é preciso ter em conta que o preenchido programa de três dias de visita oficial do chefe de Estado angolano a Portugal salvaguardava o que restava do dia de ontem para o descanso e para um jantar privado, antes de virar um corre-corre de um lado para o outro até sábado. Mas uma visita tão simbólica quanto esta, depois de meses desse “irritante” do processo judicial contra o ex-vice-presidente Manuel Vicente a entorpecer as relações entre Angola e Portugal, acaba por começar com a sombra de José Eduardo dos Santos a pairar.

Problemas internos angolanos à parte, a visita oficial que começa hoje pela manhã com as boas vindas de Marcelo Rebelo de Sousa na Praça do Império marca o definitivo encerrar da crise político-diplomática entre os dois países. Algo que tanto Sakala, como José Marcos Mavungo, o ex-preso político em Cabinda atualmente a fazer mestrado em Portugal, afirmam ser cíclico na relação entre os dois países, “marcada por altos e baixos desde a chegada de Diogo Cão”, como refere o ativista.

Mavungo espera que esta nova etapa possa trazer também à baila a questão de Cabinda, o pequeno enclave de onde Angola retira a maior parte do seu petróleo. E que Portugal assuma finalmente o seu erro histórico, quando aceitou na descolonização que o protetorado independente de Cabinda passasse a fazer parte integral de Angola. Mavungo fala na possibilidade de Portugal se estabelecer como “ponte” entre Angola e Cabinda e, além disso, no aprofundamento das relações entre os PALOP.

Apesar das esperanças de Marcos Mavungo, dificilmente haverá referências a assunto tão melindroso como Cabinda nestes três dias de normalização da relação entre os dois países, que deverão ser dominados pelas questões económicas. A visita de João Lourenço “é um sinal de que considera Portugal um país importante em todo o trabalho de diplomacia económica que tem vindo a desenvolver”, refere ao i Agostinho Kapaia, o presidente da Comunidade das Empresas Exportadoras e Internacionalizadas de Angola (CEEIA).

Nestes quase 14 meses de presidência, João Lourenço já passou pela Alemanha, Bélgica, França, Estados Unidos, China, vários países africanos e chega agora a Portugal, o “país irmão, com quem estamos condenados a trabalhar e a estar juntos”, acrescenta o empresário, presidente do conselho de administração do Grupo Opala. 

“Angola precisa de Portugal para atingir a Europa e Portugal precisa de Angola para estar nos mercados africanos – a partir de Angola, as empresas portuguesas podem chegar ao mercado do Congo, da África do Sul”, explica Agostinho Kapaia.

Segundo o presidente da CEEIA, Angola “precisa do conhecimento, do know-how português”. Muitas das “empresas angolanas têm portugueses entre os seus principais gestores – há portugueses a fazerem a gestão de empresas estratégicas de Angola, nos principais bancos”. Para Agostinho Kapaia, a questão é simples: “Nós precisamos de Portugal, precisamos de encontrar um ambiente que permita as boas relações”.

Sinal da importância da diplomacia económica para João Lourenço é o facto de participar, sexta-feira, no Porto, no Fórum Económico e Empresarial Portugal/Angola, onde discursará, assim como o primeiro-ministro português. Nesse mesmo dia, ambos almoçam com empresários portugueses e angolanos no edifício da Alfândega.