Travão às famílias de acolhimento é uma oportunidade, diz Luís Villas-Boas

Travão às famílias de acolhimento é uma oportunidade, diz Luís Villas-Boas


Ao i, Luís Villas-Boas defende a criação de um Sistema Nacional de Acolhimento de Emergência Infantil. Aposta deve ser em intervenção precoce e não em famílias de acolhimento, afirma


A notícia de que não haverá novas famílias de acolhimento até que existam os meios de fiscalização necessários para garantir a segurança das crianças foi recebida com agrado por um dos principais opositores à solução das famílias de acolhimento: Luís Villas-Boas,  diretor do Refúgio Aboim Ascensão – destinado ao acolhimento de emergência para posterior retorno à família ou acolhimento por outra família por decisão judicial.

“A decisão revela bom senso por parte do governo e dá espaço a uma reflexão”, afirma ao i o psicólogo. “Fico satisfeito com este congelamento na medida em que sou um não defensor de famílias de acolhimento, mas um defensor de intervenção precoce em emergência nas crianças”, solução que, como nota, é praticada no Refúgio Aboim Ascensão há mais de 30 anos.

O anúncio do congelamento foi feito pela secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes, na apresentação do relatório Casa – Caracterização Anual da Situação de Acolhimento de Crianças e Jovens (2017), esta segunda-feira. “Enquanto não tivermos os meios necessários para garantir a supervisão e fiscalização das famílias de acolhimento não nos sentimos seguros para aumentar o seu número, embora seja essa a nossa vontade”, revelou a governante. 

O relatório mostra que existem Portugal 178 famílias de acolhimento, em relação às quais Luís Villas-Boas levanta preocupações significativas: “É necessário perguntar quem é que escolhe as famílias de acolhimento e com que critérios. Têm de ser escrutinadas, iguais em seriedade a uma instituição da segurança social. Não se pode pôr uma criança em casa de um casal só porque é muito simpático. Só deus sabe como são escolhidas algumas famílias”.

Para o responsável do Refúgio Aboim Ascensão, o congelamento abre a porta ao desenvolvimento de um Sistema Nacional de Acolhimento de Emergência Infantil. É que, como Luís Villas-Boas lembra, “o superior interesse da criança não é estático e varia. A criança que hoje precisa de acolhimento imediato em qualquer sítio fora de sua casa, meses depois pode perfeitamente estar na sua casa, consoante as condições que venham a verificar-se após esse acolhimento”. Uma realidade que, de resto, a experiência da sua associação confirma: “Ao fim de 33 anos de trabalho, o que se revela neste modelo de emergência infantil é a sua eficácia – é elevado o número de crianças que reencontra a sua família biológica”. O relatório agora apresentado aponta também nesse sentido – com 49% das crianças que saíram de situações de acolhimento a regressar à família de origem.

Luís Villas-Boas, que lembra que se assinalou ontem o Dia Internacional dos Direitos da Criança, defende que o sistema que preconiza, de resto, “é a solução que se um dia for instalada em Portugal irá evitar a necessidade de recorrer a famílias que já de si próprias têm os seus problemas. A experiência noutros países revela que muitas crianças andam de família em família para depois acabarem numa instituição. Era bom que isso cá não acontecesse”. “Portugal tem grande capacidade e manancial de afeto para as crianças e é pena que não seja canalizada” para um sistema de emergência infantil, composto por IPSS e misericórdias, lamenta o psicólogo.

 

Aumento da criminalidade

O relatório CASA relativo a 2017 mostra ainda que, nos casos dos jovens à guarda do Estado, em lares e outras instituições, a criminalidade aumentou, subindo 85% no último ano.

Mas o documento traz também boas notícias. O número de crianças e jovens em perigo acolhidos em instituições ou famílias voltou a descer, acompanhando uma tendência que se verifica já há dez anos: em 2017, 7553 crianças estavam em situação de acolhimento. “Portugal começa a dar sinais positivos no caminho da prevenção e/ou redução da institucionalização de crianças e jovens”, conclui o relatório.