Armazenar energia “limpa” em dispositivos “limpos”

Armazenar energia “limpa” em dispositivos “limpos”


Poderá a energia renovável chegar a todos, exatamente quando é precisa?Sim, mas para isso será preciso armazená-la. Parece simples, mas não é


Muito se fala hoje em dia de energia mais limpa. Não há dúvida que as fontes de energia renovável são mais amigas do ambiente e uma realidade bem presente nas nossas vidas. Mas poderá a energia renovável chegar a todos, exatamente quando é precisa? Sim, mas para isso será preciso armazená-la, e uma das soluções para tal recorre à utilização de baterias e supercondensadores, que são dispositivos de armazenamento de energia por via eletroquímica. Depois, quando a energia for necessária, é só descarregar estes dispositivos. E, claro, voltar a carregá-los quando houver excesso de energia renovável. Parece simples, mas o complicado está no número e dimensão das baterias que serão necessárias. Hoje em dia, a Europa não tem capacidade de dar resposta à onda de eletrificação, com base em energias mais limpas, que se prevê implementar. Muitos dos dispositivos de armazenamento de energia (baterias e supercondensadores) são fabricados e importados da China e não é imediato que a sua produção recorra, em toda a extensão, a processos limpos e amigos do ambiente. Portanto, nós, na Europa, temos uma missão muito importante: é necessário fabricar mais baterias e supercondensadores, a preço competitivo, com recurso a materiais, química e processos mais limpos e amigos do ambiente. E de preferência fabricá- -los na Europa, contribuindo assim de forma imediata para o crescimento do emprego e da economia.

Para responder a tal desafio existem muitos desenvolvimentos a implementar que exigem competências muito variadas e um esforço conjunto de muitas áreas do conhecimento. De entre esses desenvolvimentos destaca-se a produção de novos materiais para os elétrodos de baterias e supercondensadores, que deve contemplar a utilização de metais não pesados, de baixa toxicidade e, se possível, passíveis de reciclagem na sua totalidade. Hoje em dia, o cobalto, por exemplo, é um dos metais mais utilizados em baterias e também um dos mais controversos. A exploração de cobalto está centrada em África, em países politicamente muito instáveis, e a sua crescente procura resulta num mercado completamente fora de controlo que recorre a abusos e escravidão no processo de mineração deste metal tão procurado. Portanto, é imperativo encontrar soluções alternativas e é nessa vertente que a engenharia química, a eletroquímica e os materiais se unem, trilhando novos caminhos que visam implementar tecnologias mais sustentáveis. É preciso desenvolver novos processos químicos para a fabricação dos elétrodos, desenhar e projetar novos equipamentos, definir novas tecnologias de controlo e monitorização dos processos e qualidade do produto, automatizar e tornar mais inteligente todo o processo de fabrico, aumentar a segurança dos processos envolvidos e garantir a reciclagem de todos os subprodutos gerados em todas as fases dos processos. É ainda necessário desenvolver soluções que sejam integráveis num conceito de economia circular e garantam o descomissionamento e reciclagem dos dispositivos em fim de vida, de forma eficiente e sem criar impactos negativos no ambiente. É a engenharia ao serviço da sociedade. Neste domínio, a engenharia química, a engenharia de materiais, a engenharia de processos e a automação e controlo desempenham um papel-chave. Portugal, país que tem sido desde sempre pioneiro em muitos desenvolvimentos tecnológicos, será também pioneiro na concretização de várias metas no domínio do armazenamento de energia por via eletroquímica. No Técnico existem competências fortes na formulação e desenvolvimento de novos materiais ativos que se situam no cerne destes desenvolvimentos e garantem que os dispositivos eletroquímicos consigam armazenar a energia necessária nas condições de potência requeridas. Existem também fortes competências no que diz respeito à fabricação, por processos mais limpos e mais sustentáveis, destes materiais ativos. O recurso à engenharia eletroquímica, em que os materiais são fabricados e funcionalizados por vias simples, limpas e muito flexíveis, como por exemplo a eletrodeposição, coloca os investigadores do Técnico numa posição privilegiada. O processo é simples: os elétrodos são fabricados num passo único, a partir de um eletrólito aquoso, fácil de preparar e de reciclar, não sendo necessária a utilização de formulações orgânicas complexas que, na maioria das vezes, utilizam substâncias de elevada toxicidade. A engenharia eletroquímica permite implementar processos muito mais eficientes e limpos que garantem custos de fabricação mais competitivos e se traduzem por vantagens económicas muito atrativas para o setor privado. No departamento de Engenharia Química, esta tem sido uma linha de investigação de forte impacto que tem atraído o interesse de parceiros industriais de relevo e levado a investigação que se faz em Portugal a ser extremamente elogiada além-fronteiras.

Esta visão tecnológica e capacidade de inovação tem vindo a contribuir para uma nova área de investigação que pode vir a alterar substancialmente os rumos de desenvolvimento e fabrico de dispositivos eletroquímicos para armazenamento de energia limpa. Mais uma vez, a investigação e inovação que se desenvolve numa das melhores escolas de tecnologia e engenharia da Europa, o Técnico, a fazer mover as fronteiras do conhecimento, levando o que de melhor se faz em Portugal para a Europa e para o mundo.

 

Vice-presidente para os Assuntos Académicos

Investigadora do Centro de Química Estrutural